Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Encerramento de escolas com menos de 21 alunos

Debate de actualidade sobre a decisão ontem aprovada em Conselho de Ministros de encerramento de escolas com menos de 21 alunos

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Srs. Deputados:
Este é, de facto, um debate com toda a actualidade pelos mais lamentáveis motivos, porque, uma vez mais, o Governo nos surpreende com um embuste, que, aliás, já não é novo, pois vem na linha do que aconteceu no anterior governo, que nos dizia que, para melhorar e garantir a qualidade do ensino ministrado às crianças portuguesas nas escolas, particularmente as do interior e das pequenas localidades, seria necessário concentrá-las. E, nessa altura, entendeu que o número de 10 podia ser suficientemente redondo para que talvez alguns caíssem na esparrela!
O PCP, logo na altura, denunciou que a intenção do Governo não tinha a ver com a qualidade do ensino prestado a estas crianças, tinha a ver, apenas e exclusivamente, com uma orientação economicista e com uma perspectiva de desmantelamento dos serviços públicos, que este Governo do PS, infelizmente, tem levado a cabo de uma forma absolutamente peregrina.
Aliás, este é o Governo que encerrou mais escolas na história da democracia portuguesa. E esta nova orientação do encerramento de mais 900 escolas do 1.º ciclo é feita também à revelia daquilo que estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo.
Portanto, mais uma vez, também se comprova que este Governo, para impor a sua perspectiva de desmantelamento dos serviços públicos e de cortes cegos nas suas despesas, contraria, inclusivamente, as leis mais importantes da República, como é o caso da Lei de Bases do Sistema Educativo, nomeadamente através deste novo emparcelamento dos agrupamentos, que vem anunciar e que, aliás, já foi dado a conhecer a algumas comunidades escolares, que visa agregar escolas no mesmo edifício, desde o 5.º ao 12.º anos, misturando tudo no mesmo espaço e criando condições não para a melhoria do ensino mas, precisamente, para a sua degradação. E faz isto à margem da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Foi por isso que, já na passada legislatura, o PCP acusou o Ministério da Educação de ser um ministério marginal, porque age à margem da lei, porque não respeita as leis da República. Ora, este Governo prossegue a mesma linha de agir na marginalidade em relação à Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República Portuguesa.
É falsa a tese de que a concentração gera qualidade. E tão falsa é essa tese que, hoje, basta fazer um percurso pelo País para verificar que onde o Governo encerrou as mais de 2500 escolas não se verificou um aumento significativo da qualidade do ensino, bem pelo contrário, em muitos casos, o que se verificou foi uma degradação da qualidade do ensino e da qualidade de vida daquelas populações, que, em muitos casos, já só têm de público na sua localidade a escola,
Sr. Ministro.
Em algumas povoações deste País, as populações já não têm nada, porque este Governo encerra os correios e outras infra-estruturas públicas e a escola é, às vezes, a única infra-estrutura pública que existe.
O Governo disse que encerrava todas as escolas abaixo de 10 alunos, mas mentiu, porque encerrou também escolas com mais de 10 alunos, e agora quer fechar todas as que têm menos de 20 alunos, mas, certamente, estará a mentir, porque o que quer é reorganizar a rede, de tal maneira que qualquer dia abre uma escola em Lisboa e manda vir para cá toda a gente.
Esta perspectiva, Sr. Ministro, mais do que uma perspectiva de degradação da qualidade e de objectivo ataque à escola pública, é uma perspectiva errada em termos de ordenamento territorial e de organização do território português.
Estamos a concentrar e a forçar a concentração da população na faixa litoral e nos grandes meios urbanos e, Sr. Ministro e Srs. Deputados, isto não é mau apenas para as populações do
interior, ao contrário do que se pensa, é também mau para as populações dos centros urbanos, que vêem estes centros a ficar cada vez mais sobrelotados e com as infra-estruturas sem capacidade de dar resposta à sobrepovoação.
Portanto, estamos aqui a presenciar, uma vez mais, aquilo que o anterior governo concebeu no PNPOT, que é concentrar toda a população no Porto e em Lisboa, e o resto do País é uma estrada para Espanha para levar tudo para lá, poupando-se, assim, muito dinheiro, e a desertificar o interior. Mas o interior também não serve para nada, não é, Sr. Ministro?!
Assim, esta tese de que a concentração melhora a qualidade é desmentida por todos os factores, incluindo o mais elementar dos factores, que é a observação da realidade.
Sr. Ministro, o desafio que lhe fazemos e também aos Srs. Deputados é que verifiquem, no terreno, os impactos das medidas que foram adoptadas no passado.
Sr. Presidente — e vou terminar —, a última nota que gostávamos de deixar tem a ver, além do conteúdo, com a forma como o Governo procede a esta perspectiva de encerramento de 900 escolas.
Depois de ter andado a prometer às autarquias que, se elas lhe permitissem encerrar as escolas mais pequenas e reorganizar os estudantes, lhes daria a possibilidade de terem centros educativos e de concretizarem as suas cartas educativas, vem, agora, pôr tudo «de pantanas» e dizer às autarquias que, afinal, andava a brincar com elas, porque, na verdade, tinha outro plano «na gaveta», que era fechar todas as outras escolas!
O que vão prometer agora às autarquias, Sr. Ministro, se ainda nem sequer lhes fizeram chegar os fundos suficientes para cumprirem a promessa dos centros educativos com que se comprometeram no passado?!
Portanto, Srs. Deputados, esta é mais uma das peripécias do nosso Ministério da Educação — «nosso», salvo seja! —, do Ministério da Educação deste Governo, que, cumprindo aquilo que já combinou com o PSD e nesta linha de ataque aos direitos dos portugueses, de poupar e de espremer sempre os mesmos, vem agora encerrar as escolas. O PSD, certamente, fará o seu «número» de crítica, mas o certo é que lá, nos gabinetes, está tudo muito concertadinho e o que interessa é acabar com a escola pública.

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