Intervenção de

Dupla afixação de preços de bens e serviços<br />Intervenção do Deputado Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhores Deputados,A introdução do euro foi acompanhada por uma recomendação da Comissão Europeia de 23 de Abril de 1998 visando a adopção da dupla afixação de preços – em euros e na respectiva moeda nacional – nas tabelas dos bens a retalho e de prestação de serviços. Em Portugal, o Governo entendeu que a afixação de preços em euros e escudos só seria obrigatória até 28 de Fevereiro de 2002 apesar da generalidade dos agentes económicos terem continuado, depois dessa data e até hoje, a informarem os seus clientes e consumidores com base no duplo valor por reconhecerem e bem que a população necessita ainda dessa referência como elemento fundamental de informação e de ajuda à percepção da dimensão do valor da moeda bem como para facilitar o cálculo mental que todos ainda fazemos.Esta é, aliás, hoje a questão central que coloca ainda na ordem do dia a necessidade de se prolongar por mais algum tempo essa dupla afixação. Não desconhecemos que a proposta que fazemos tem vantagens e desvantagens. A enorme vantagem de continuar a disponibilizar à generalidade dos cidadãos um instrumento que os ajude a pensar em euros e a materializar, a tornar tangível, na consciência de cada um, o valor da nova moeda através da sua comparação com a informação que a memória ainda conserva do escudo. Mas também como instrumento que ajuda os consumidores a poderem exercer algum controlo sobre os preços para evitar ainda hoje que a conversão se traduza, como se traduziu, num disparar de preços, designadamente em produtos de retalho. Mas não deixamos de reconhecer, como afirmam alguns, que pode atrasar a conversão mental automática do raciocínio em euros. A questão está no balanço entre vantagens e eventuais desvantagens. E do nosso ponto de vista o resultado desse balanço é manifestamente favorável às vantagens que implica a existência durante mais algum tempo da dupla afixação.Quando da apresentação pública deste projecto de lei alguns comentadores entenderam afirmar que a dupla afixação constituiria um retrocesso. Não estamos de todo de acordo. É um raciocínio de quem desconhece o país real, e não só o país rural, como bem foi exemplificado em muitos depoimentos de pequenos comerciantes de vários pontos do País quando da realização de um fórum sobre a nossa iniciativa que a TSF resolveu fazer a 17 de Janeiro. É comum, como todos temos experiência disso, que no acto da compra as pessoas perguntem quanto é que vale “na nossa moeda” ou “quanto é em escudos”. Ou ainda, como todos ouvimos e dizemos, “parece que estou a gastar mais dinheiro com os euros”. E se a generalidade dos comerciantes e dos agentes económicos têm um comportamento eticamente sério tal não evita que alguns se aproveitem da falta de informação para especular e aumentar os preços de forma irracional. Não há em Portugal estudos sustentados sobre as consequências para o aumento do custo de vida da introdução do euro. O Banco de Portugal afirma que a transição se concretizou de forma pacifica e que é residual o aumento de preços resultante da entrada do euro no circuito económico. Não estamos seguros que assim tenha sido. Não foram efectuados estudos sustentados nem em Portugal nem em praticamente nenhum país da zona Euro, o que só por si é significativo. Porque é que a Comissão Europeia e o Eurostat que têm análises estatísticas para tudo não o fizeram para este caso ? Dá para desconfiar. O mais que o Eurostat apresentou foram estimativas. E, apesar do seu carácter limitado elas demonstram que não estamos somente perante um fenómeno de “inflação percebida” mas de uma real “inflação efectiva”, designadamente no “sector dos serviços relacionados com o turismo e em pequenos serviços destinados ás famílias”. E a verdade é que a realidade da vida confirma a existência de situações de abuso e de especulação. Um inquérito feito pelo Eurobarómetro nos Países da zona Euro subordinado à pergunta “tem a sensação de que com a conversão ao euro os preços aumentaram ?” as respostas afirmativas oscilaram entre os 62,0% do Luxemburgo aos 93,6% da Holanda com Portugal a situar-se na ordem dos 73,8%. E em resposta a uma outra pergunta – “em que moeda faz o cálculo mental no acto da compra ?” – 45,9% dos portugueses afirmaram que o fazia em escudos, 47,3% nas duas moedas e somente 10,8% exclusivamente em euros, particularmente nas compras de maior valor.Entretanto, esta semana mesmo foram divulgados os resultados de um novo inquérito feito pelo Eurbarómetro em Novembro último. E os resultados vêm ao encontro da proposta que hoje fazemos. De facto, à pergunta sobre se desejariam que o comércio continue com a dupla afixação 47% dos portugueses respondem que sim e 3% não tem opinião. E as conclusões do mesmo inquérito afirmam que a necessidade de ser efectuado um último esforço de comunicação foi largamente sublinhado pela maioria dos cidadãos.A própria Comissão Europeia reconhece, na sua comunicação de 19 de Dezembro passado, que “a continuação da dupla afixação de preços contém aspectos positivos e negativos”. E por isso admite que a prática da dupla afixação de preços se prolongue até 30 de Junho de 2003. Face à realidade específica do nosso País o Projecto de Resolução que apresentamos recomenda ao Governo que retome a obrigatoriedade da dupla indicação de preços até ao final de 2003. O que não será original. Em Espanha, e na linha do que foi feito noutros países europeus, o Governo decidiu, fazendo-se eco de um pedido das organizações de comerciantes e empresários, prolongar a dupla afixação durante todo o ano de 2003.E é por isso que, ponderadas as vantagens e os inconvenientes, nos pronunciamos de forma clara pela reposição, durante o ano de 2003, da obrigatoriedade (ou no mínimo, da recomendação) da dupla indicação de preços, em euros e escudos. É vantajoso para os consumidores, designadamente para aqueles muitos cidadãos que ainda têm dificuldade com a conversão e com a apreensão do valor da moeda, mas também é vantajoso para o comércio e os prestadores de serviço porque uma maior transparência reduz os fenómenos de suspeição sobre alegadas especulações e é igualmente vantajoso para a economia nacional porque constituirá também uma forma de melhor controle da própria inflação.

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