(publicado no Diário da república, 1.ª série – n.º 61 – 27 de março de 2014)
O Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, concretiza o chamado “mapa judiciário”. Com este diploma, o Governo pretende extinguir as 230 comarcas atualmente existentes e fazer coincidir tendencialmente as comarcas judiciais com os distritos ou regiões autónomas (com exceção de Lisboa e Porto), prevendo a existência de 23 comarcas em todo o país.
Com esta divisão judicial, alegadamente justificada em nome da especialização e da qualidade da aplicação da Justiça, o Governo visa desferir um golpe profundo no acesso dos cidadãos à tutela judicial efetiva. O que carateriza esta reforma, é o encerramento de tribunais, a desqualificação de tribunais em meras extensões, a concentração de valências judiciais nas capitais de distrito, o prejuízo das populações que vivem fora dos grandes centros e do litoral, cada vez mais afastadas do acesso à Justiça.
Às dificuldades atualmente existentes, decorrentes da escandalosa onerosidade do acesso aos tribunais e da negação de apoio judiciário, que privam milhões de cidadãos do direito à Justiça, somam-se agora as dificuldades da distância, da falta de transportes e do custo das deslocações decorrentes da concentração dos tribunais e das valências judiciais. Acresce que o encerramento dos tribunais será mais um passo na desertificação do interior do país. Ao encerramento de unidades de saúde, de estações de correios, de balcões da segurança social e de outros serviços públicos, e da extinção de freguesias, junta-se agora o encerramento e a desgraduação de tribunais, a contribuir para o empobrecimento e a abandono do interior do país.
Esta reforma judiciária tem sido criticada de forma contundente pela generalidade dos operadores judiciários: pela Ordem dos Advogados, pelas associações sindicais dos
Juízes e dos Magistrados do Ministério Público, pelas associações sindicais dos funcionários judiciais; mas tem sido justamente criticada pelas populações e pelas autarquias locais. Tanto a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, como um número muito significativo de órgãos municipais, têm vindo a contestar o “mapa judiciário” e a alertar para as consequências negativas a que conduziria a sua aplicação.
Ao desencadear o processo de Apreciação Parlamentar do Mapa Judiciário, o Grupo Parlamentar do PCP pretende lançar, por via da Assembleia da República, um debate participado e profundo sobre a organização judiciária, e permitir a sua alteração de modo a ter em conta as justas aspirações das populações no acesso à Justiça e as objeções que têm vindo a ser feitas por parte de muitos profissionais do foro. O PCP reitera a sua posição de que, sem prejuízo de outras alterações que possam resultar do debate a realizar, cada uma das comarcas atualmente existentes deve continuar a dispor de um tribunal de competência genérica, e manifesta a sua disponibilidade e empenho para encontrar soluções que se revelem adequadas para salvaguardar os interesses legítimos das populações no acesso à Justiça e aos tribunais.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março que regulamenta a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais.
Assembleia da República, em 27 de março de 2014