(Publicado no Diário da República, I série, n.º 56, de 20 de março de 2014)
O Governo fez publicar o Decreto-Lei nº 45/2014, de 20 de março que estabelece os termos da privatização da Empresa Geral de Fomento, S.A., (EGF) empresa do Grupo Águas de Portugal que detém participações maioritárias em onze empresas multimunicipais. Tal como o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português vem denunciando, esta opção política insere-se na linha de desfiguração do Estado, de privatização das suas funções sociais e de mercantilização dos serviços públicos, de transformação dos direitos em bens de consumo.
A EGF tem um papel fundamental nas empresas de gestão, recolha e tratamento de resíduos, serviço público prestado sob orientação das autarquias e exemplo da boa gestão pública, quer no plano económico, quer no plano social e ambiental. A subordinação do funcionamento das operações das empresas ao interesse público e a intervenção do poder local democrático são garantias de uma gestão em função do interesse público, da proteção dos recursos naturais e do cumprimento de metas estabelecidas no plano político e não em função do interesse privado de acionistas, da acumulação do lucro e diminuição da despesa, do valor do trabalho e de metas estabelecidas em função dos proveitos. A história das empresas privatizadas mostra que o primeiro interesse e o segundo são profundamente antagónicos.
A luta dos trabalhadores de empresas multimunicipais de recolha e tratamento de resíduos, aliada às posições assumidas pelos municípios, nomeadamente através da Associação Nacional de Municípios Portugueses, os principais envolvidos na gestão das empresas, mostra bem a resistência crítica a esta estratégia do Governo para a entrega do sector dos resíduos à voragem do lucro. Os trabalhadores serão os primeiros lesados, quer as atuais gerações de trabalhadores, quer as futuras, vendo diminuídos os seus direitos e o valor do seu trabalho, precarizando a relação laboral. Mas os cidadãos, as populações, os munícipes e os utentes, serão os principais prejudicados, quer pelo aumento das tarifas implicado na privatização, quer pela diminuição da qualidade do serviço prestado. Nenhum dos preceitos de um mercado saudável, mesmo na linguagem capitalista, está satisfeito no âmbito dos resíduos, pelo facto de não ser passível sequer de concorrência. Ou seja, tal como muitos outros sectores, as empresas multimunicipais constituem monopólios para a área que abrangem, o que degrada até as condições de mercado. Tal justificação, sabemos bem, não vinga junto de um Governo que privatizou a EDP, a REN e outras empresas estruturantes e tendencialmente monopolistas e pretende privatizar a própria Águas de Portugal. Aliás, a privatização da Aquapor e agora da EGF inicia esse processo de privatização “de baixo para cima” como é anunciado objetivo dos governos desde o primeiro Governo PS de José Sócrates.
A intenção não é nova e, a concretizar-se, significará na prática a privatização das 11 empresas multimunicipais nas quais a EGF detém 51% ou mais do capital e consequentemente, a entrega aos privados de 60% do sector de resíduos no País.
A EGF é, numa área estratégica, rentável, dispõe de modernas tecnologias e infraestruturas, possui trabalhadores qualificados, movimentando anualmente cerca de 170 milhões de euros. Só em 2012, numa altura em que o Governo já tinha anunciado a intenção de proceder a privatizações no sector, foram investidos, pelas empresas do grupo, perto de 45 milhões de Euros, o que não pode deixar de ser lido como mais um exemplo de investimentos públicos para lucros privados.
Este é igualmente um processo que não pode ser desligado dos sucessivos golpes às Autarquias, o seu estrangulamento financeiro, o bloqueio de acesso aos fundos comunitários, da utilização das Águas de Portugal e da ERSAR como instrumentos para subir tarifas e impostos e espoliar competências autárquicas nos serviços públicos, pondo-os sob a tutela do Governo, para os transformar posteriormente em negócios privados com o único objetivo de maximizar o lucro de capital à custa dos trabalhadores e do empobrecimento geral das populações. Ao mesmo tempo, esta privatização representa uma manobra de falta de respeito pelos outros parceiros da EGF, os municípios. Os municípios foram empurrados para empresas multimunicipais no pressuposto de terem como parceiro uma empresa de capital público e agora, numa peripécia política ao serviço de grandes interesses, veem substituído esse parceiro por uma empresa privada que tem como único objetivo a maximização do lucro.
A gestão de resíduos é fundamental ao desenvolvimento equilibrado do País e essencial à preservação e conservação do meio ambiente, à coesão social e económica, à saúde pública e à qualidade de vida das populações. Este é um sector que deve manter-se na esfera pública e não pode ser transformado num negócio.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP requer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, que “Aprova o processo de reprivatização da Empresa Geral do Fomento, S.A.”
Assembleia da República, em 21 de março de 2014