Apreciação Parlamentar N.º 38/XII

Do Decreto-Lei n.º 210/2012, de 21 de setembro, que "aprova a 3.ª e 4.ª fases do processo de reprivatização indireta do capital social da TAP, Transportes Aéreos Portugueses, S. A."

Do Decreto-Lei n.º 210/2012, de 21 de setembro, que

Publicado em Diário da República n.º 184, Série I, de 21 de setembro de 2012

A privatização da TAP é um velho objetivo que as multinacionais europeias têm tentado impor ao nosso país, num quadro de concentração monopolista que está a ser imposto aos povos da Europa, num processo mais vasto que é a causa e não a solução dos problemas nacionais.

Trata-se de uma decisão que, a ir por diante, provocará danos ao nosso país de dimensão incalculável. A TAP é, há mais de meio século, a principal companhia aérea nacional; emprega diretamente cerca de 20 mil trabalhadores, para lá de milhares de outros indiretamente induzidos; é uma empresa chave nas exportações nacionais, no turismo, na atividade económica, na coesão territorial tendo em conta a dimensão atlântica do nosso país; é, a par da ANA aeroportos, a trave mestra do sector da aviação civil em Portugal, elemento estruturante de um sector de que nenhum país soberano pode prescindir; é uma empresa que faz parte da identidade do país e da ligação entre milhões de portugueses espalhados pelo mundo e a sua pátria; é um ponto de ligação privilegiada da Europa designadamente com a África e a América Latina.

Importa sublinhar que o próprio decreto-lei agora publicado inscreve esta operação numa perspetiva que retoma e relança o processo iniciado em 1998 pelo então Governo PS/Guterres. Nessa altura era apresentada a decisão de privatizar a TAP e vendê-la à Swissair como uma medida supostamente inadiável e incontornável, que teria de concretizar-se sob pena de encerramento da companhia. Ora, se essa privatização e integração da TAP na Swissair tivesse avançado, hoje não existiria a TAP: teria sido extinta no processo de falência da companhia suíça, tal como sucedeu então com a belga Sabena (que, ao contrário da TAP, prosseguiu com o negócio).

Ora, esta experiência concreta vem desmascarar a mistificação que tem sido difundida pelo Governo – e agora novamente expressa no preâmbulo do decreto-lei em apreço – quanto à suposta garantia de «respeitar a importância estratégica do chamado “hub” de Lisboa». É que o “hub” de Lisboa, tal como tudo o resto, teria simplesmente desaparecido caso a TAP deixasse de existir, e é esse o risco que se coloca se a companhia for entregue aos interesses de grupos económicos. Também nesta matéria a demagogia cai pela base: só o caracter público da TAP garante o hub.

Desse primeiro impulso privatizador importa ainda recordar a autonomização (na SPdH) e posterior desastrosa privatização do sector do Handling da TAP, que custou dezenas de milhões de euros ao Estado português, desestabilizou completamente um sector altamente lucrativo da TAP, e impôs uma renacionalização para evitar que o desastre liquidasse a própria TAP.

A TAP não é uma empresa qualquer. Atente-se, por exemplo, no seu papel e no seu contributo para o desenvolvimento e para a sobrevivência das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Sendo estas regiões insulares distantes e ultraperiféricas, os transportes aéreos são um cordão umbilical essencial. E a TAP tem, desde muito cedo, a sua quota-parte de mérito e de importância na garantia da ligação das Regiões Autónomas ao mundo, no combate ao isolamento e atuando como agente de coesão territorial.

O papel da transportadora aérea nacional deve ser valorizado pelo seu caráter estratégico para o desenvolvimento regional e nacional. Privatizar a TAP traria gravíssimas consequências, não só para a empresa e para os seus trabalhadores e suas famílias, mas igualmente para os utentes, que dependem de um serviço público essencial como aquele que é prestado pela transportadora aérea nacional.

A TAP é o maior exportador nacional. Em 2011 reforçou o seu contributo para as exportações nacionais em 15,7%, passando de 1783 milhões para quase dois mil milhões de euros. É espantoso que um Governo que tanto fala das exportações se prepare, com tanta leviandade, para alienar o maior exportador nacional!

Em 2011 só os trabalhadores da TAP SA contribuíram com 85,1 Milhões de Euros para a Segurança Social e mais de 65 milhões para o IRS (ultrapassando assim os 200 milhões de euros a contribuição anual directa da empresa para o Orçamento de Estado e para o Orçamento da Segurança Social).

Ao longo dos anos, assistimos a um enorme crescimento da produtividade da TAP, em larga medida devido a um brutal aumento da exploração dos trabalhadores: continuando um movimento que vem de 2011, ano em que com uma diminuição de trabalhadores de 7055 para 6934, a TAP aumentou os passageiros transportados de 9,1 para 9,8 milhões, mais 7,3%, com um aumento da oferta em 5,9%. A TAP, com menos trabalhadores que há um ano, transportou 4.706.048 passageiros entre Janeiro e Junho de 2012, mais 4,7% que em igual período do ano passado e aumentou as receitas para 1.084 milhões de euros, 9,3% acima do valor obtido no período homólogo de 2011. Ou seja, com menos trabalhadores, e pagando menos 20 a 30% de salário, a TAP cresce em serviços e receitas.

Tem sido invocado e retomado o argumento dos prejuízos e da dívida como pretexto para a privatização da empresa, como se a situação atual ditasse um suposto cenário de liquidação. Ora, as três maiores companhias aéreas europeias terminaram o primeiro semestre com prejuízos: a Lufthansa teve prejuízos de 168 milhões de euros, a IAG (British/Iberia) de 251 milhões de euros a Air France/KLM de 560 milhões de euros. No caso da Lufthansa os resultados até melhoraram face a 2011. A primeira razão apontada para estes resultados, nessas empresas como na TAP, são os aumentos especulativos do preço do combustível, que se refletiram num agravamento face a 2011 entre 20% e 25%. E a segunda razão prende-se com a sazonalidade pois o segundo semestre é sempre bem mais positivo que o primeiro.

Ao contrário dos números que têm sido propagandeados, a dívida bancária remunerada da TAP é de 547 Milhões de Euros. Significativamente, 85% é contraída junto do Deutsche Bank, que por isso embolsa grande parte dos 45 milhões anuais que a TAP gasta em juros. Mas essa dívida só existe por duas razões. A primeira razão é a imposição da UE, que impede os Estados de apoiarem as suas Companhias Aéreas (e repetimos, bastava devolver à TAP uma parte pequena do que ela dá a ganhar ao país); a segunda razão foi o negócio da ex-VEM (agora designada de Manutenção Brasil) onde a TAP já enterrou centenas de milhões de euros. Em qualquer dos casos o que se exigia era uma postura diferente do Estado Português. Na União Europeia denunciando que a atual política se destina a impor a privatização, a liquidação das companhias aéreas dos estados periféricos e a concentração monopolista no eixo Berlim/Paris/Londres. Com o Brasil, encontrando soluções para a VEM que não passem nem pelo seu encerramento nem pela delapidação das contas da TAP como tem acontecido até agora.

O Governo negoceia com a troika estrangeira o modelo de liquidação da TAP, mas não cumpre as leis da República Portuguesa que o obrigam a informar, auscultar e ouvir as organizações representativas dos trabalhadores das empresas que o Governo quer privatizar com esta medida (TAP, Lojas Francas de Portugal, Cateringpor, entre outras).

O governo PSD/CDS-PP, assim como os partidos que assumiram o Pacto de Agressão com a União Europeia, o BCE e o FMI – não esquecemos que a privatização da TAP já constava dos chamados PEC apresentados pelo PS – conhecem os riscos associados a esta privatização. Mas a sua decisão está a ser determinada, não pelos problemas financeiros da empresa, onde o Estado não coloca um euro há mais de uma década, não pelas suas dificuldades de sobrevivência no futuro, pois se há ameaça quanto ao futuro da empresa ela vem da própria privatização, mas por uma opção de submissão aos interesses do grande capital estrangeiro que quer aglutinar a TAP, tal como aglutinou outras companhias aéreas de bandeira, deixando um rasto de desemprego, dependência económica e Estados soberanos à mercê do “interesse dos mercados”.

A única opção que serve os interesses dos trabalhadores da empresa, do povo português e do país é a manutenção da TAP enquanto empresa pública, integrada numa política de desenvolvimento e modernização dos transportes e da economia nacional.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP requer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 210/2012, de 21 de setembro, que «aprova a 3.ª e 4.ª fases do processo de reprivatização indireta do capital social da TAP, Transportes Aéreos Portugueses, S. A.»

Assembleia da República, em 28 de setembro de 2012

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