Apreciação Parlamentar N.º 64/XII/3.ª

Do Decreto-Lei n.º 133/2013 de 3 de outubro, que «estabelece os princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial»

Do Decreto-Lei n.º 133/2013 de 3 de outubro, que «estabelece os princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial»

Publicado em Diário da República n.º 191, Série I, de 3 de outubro de 2013

Exposição de motivos

A Constituição da República aponta para a existência de uma economia mista, com um forte e dinâmico sector empresarial do Estado e um papel fundamental das pequenas e médias empresas. A situação do país é hoje caracterizada, no plano económico, por uma ditadura dos grupos monopolista associados, e muitos deles dependentes, do grande capital estrangeiro, num processo de crescente ruína das micro, pequenas e médias empresas, e de desqualificação ou destruição da presença do Estado na atividade económica nacional.
Com o decreto-lei em apreço, o Governo prossegue o caminho da criação de condições para a privatização de empresas públicas e a destruição das funções sociais e económicas do Estado, consagradas na Constituição.
No diploma estabelece-se que as empresas públicas serão extintas se apresentarem capital próprio negativo durante três anos consecutivos. É a hipocrisia política de quem persiste, ao longo de décadas e sucessivos governos, numa política de subfinanciamento crónico e desorçamentação, provocando a pura e simples impossibilidade de um equilíbrio económico e financeiro nas empresas – e agora aponta desta forma o caminho da extinção das empresas, sem dedicar uma única palavra à questão de saber o que sucede aos serviços públicos prestados por estas. Em nenhum momento se explicita o que o Governo pretende que aconteça aos serviços públicos destas empresas que planeia extinguir.
As conceções que presidiram à elaboração desta proposta de lei são um espelho das conceções sobre as quais assenta a política do Governo e da “troika”: uma obsessão doentia pelas questões financeiras e pela consolidação orçamental.
Efetivamente, os princípios e as regras que o Governo pretende aplicar ao setor público empresarial, incluindo o setor empresarial do Estado e o setor empresarial local, são focados na componente financeira, sujeitando a gestão das empresas e até a sua existência a critérios financeiros e orçamentais enquanto a prestação do serviço público e os objetivos sociais das empresas são relegados para um secundaríssimo plano.
Para o PCP, uma gestão sustentada e equilibrada não pode evidentemente descurar a componente financeira, pois ela é necessária para a disponibilização dos recursos monetários, para a concretização do investimento e da despesa necessários à prossecução da missão das empresas. Mas é inaceitável que se ignore e subestime, como o Governo faz, a componente económica e social dos objetos das empresas e que se ataque os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores.
Como o PCP oportunamente alertou, esta obsessão do Governo e da maioria que o suporta pelas questões financeiras e orçamentais e a secundarização das questões económicas, sociais e laborais não deixará de ter repercussões muito negativas na capacidade de estas empresas prestarem serviços públicos de qualidade.
A sobrestimação da componente financeira (sem no entanto tomar qualquer medida para sanear as empresas) está bem patente no facto de se pretender que a responsabilidade e a decisão sobre todas as matérias relevantes da vida e do funcionamento das entidades do “setor público empresarial” passe a pertencer ao membro do Governo com a tutela das finanças, o qual, de acordo com a proposta de lei, designa um membro para o conselho de administração das empresas públicas, com direito a veto sob quaisquer operações em matéria financeira, e exerce em exclusivo a função acionista, incluindo a aprovação dos planos de atividades e dos orçamentos das empresas.
Esta concentração de poderes nas finanças e a consequente limitação dos poderes de tutela dos ministérios sectoriais, remetidos agora para um mero papel de articulação, significa, na prática, que será o Ministério das Finanças a determinar as políticas setoriais em vez de se limitar a garantir o financiamento destas mesmas políticas.
Este decreto-lei, como já vai sendo habitual, serve também para desferir um novo ataque aos trabalhadores. Na verdade, no seu artigo 18.º, em total desrespeito do que foi acordado em contrato coletivo de trabalho, duma penada manda aplicar aos trabalhadores do sector empresarial do estado os montantes do subsídio de refeição; do abono; de ajudas de custo e de transporte que se aplicam aos trabalhadores em funções pública. Assim, além de desfalcar uma parte dos rendimentos dos trabalhadores, o Governo viola o que, fruto da luta dos trabalhadores, acordou. Não satisfeito, o Governo PSD/CDS também neste artigo corta nos montantes pagos a título de trabalho suplementar e pelo trabalho noturno.
Ao impor estes cortes e ao impor a prevalência desta norma sobre os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, além de violar a constituição, uma vez que o direito de negociação coletiva é pertença dos sindicatos, está a violar o que foi acordado, a palavra dada, o contrato assinado. Importa dizer, estes direitos resultam da negociação entre os sucessivos Governos e os sindicatos, em função da luta que os trabalhadores organizaram no sentido de melhorar as suas condições de vida e trabalho, pelo que agora violar, por via de um decreto, o que foi conquistado é uma inconstitucionalidade e uma tremenda injustiça.
Importa ainda referir que este decreto-lei mantem os trabalhadores afastados da fiscalização das empresas. Sem prejuízo do papel que a DGTF possa assumir, a verdade é que o problema da falta de transparência está ligado à destruição dos mecanismos que permitiam o controlo de gestão por parte dos trabalhadores – que aliás foram os primeiros a alertar para infames situações de gestão ruinosa (ou mesmo corrupção) como foi o caso da venda de sucatas na rede ferroviária ou os milhares de milhões perdidos em contratos “swap”. De resto, a existência de um artigo (45.º) relativo à questão da transparência apenas se dirige ao acionista da empresa e ao público em geral. O Sector Empresarial do Estado tem futuro – com os trabalhadores, e não contra os trabalhadores ou à margem destes.
Este decreto-lei não assegura o cumprimento das funções económicas e sociais do setor público empresarial nem respeita os direitos dos trabalhadores; não garante a existência de um sector público empresarial dinâmico e eficiente, capaz de desempenhar um papel determinante no desenvolvimento económico nacional; representa mais um passo no caminho, que o Governo insiste em trilhar, de reconfiguração do Estado e das suas funções sociais e económicas de acordo com o seguinte princípio: Estado mínimo para os trabalhadores e para o povo, Estado máximo para os grandes grupos económicos e financeiros.
É uma evidência, perante a gravidade das opções consagradas neste decreto-lei, que se impõe a necessidade de travar este caminho e proceder à sua apreciação parlamentar, para que este diploma deixe de estar em vigor.

Nestes termos, ao abrigo do artigo 169.º da Constituição e do artigo 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 133/2013, publicado em Diário da República n.º 191, Série I, de 3 de outubro de 2013, que «estabelece os princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial».

Assembleia da República, em 18 de outubro de 2013

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