Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Discussão do projeto de lei n.º 529/XIII/2ª— Estabelece o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TIRPE)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Paulo Neves,

Há uma observação que não pode deixar de ser feita quanto às circunstâncias deste debate: o PSD não tinha proposta nem projeto quando o Plenário discutiu esta matéria, em 17 de março, mas, pelos vistos, pensou melhor e ainda quis vir a jogo para não ficar de fora nos agradecimentos das multinacionais que entraram no nosso País e começaram a atuar impunemente neste setor, ao arrepio da lei e do seu cumprimento. Esta é que é a questão.

O PCP, desde o início, assumiu: nós não queremos contribuir para a legalização da concorrência desleal. Foi por isso que não apresentámos propostas, não apresentámos projetos, mas queremos intervir ativamente na discussão na especialidade, onde esta matéria se encontra atualmente, e encontra-se aí sem objeções que até agora tenhamos ouvido da parte do PSD. Este era o primeiro registo que queríamos fazer.

O Sr. Deputado disse que não se pode adiar mais e pergunto-lhe: quem é que está aqui a adiar que não tenha a complacência e a concordância por parte do PSD? É que, no próprio Grupo de Trabalho, que é presidido pelo PSD, esta matéria ficou calendarizada.

Por isso, não podem os senhores dizer uma coisa na Comissão e no Grupo de Trabalho e vir para o Plenário acusar alguém de estar a adiar qualquer matéria ou qualquer processo.

Por outro lado, o Sr. Deputado diz que já existem plataformas — obrigadinho! — e que temos de atualizar a lei. Mas o que isso significa, nos termos da vossa proposta, Sr. Deputado, não é nada mais nada menos do que a consagração em lei da atual situação de desregulação, de precariedade, de lei da selva a que se assiste no nosso País no âmbito deste setor.

É que a proposta que os senhores apresentam vem consagrar exatamente uma situação de impunidade em relação à desregulação no transporte de passageiros.

O Sr. Deputado afirma que «plataformas não são, nem podem ser, um mero intermediário passivo», mas a pergunta é: então, Sr. Deputado, que consequências se retiram desta proclamação que o senhor aqui fez?

Uma plataforma não pode ter viaturas, diz a vossa proposta, mas pode conjugar-se com outras multinacionais relativamente às rent-a-car, relativamente aos seguros, relativamente a outros serviços que estão ligados e associados neste setor. Que efeitos é que tem toda a proclamação e toda a controvérsia que tem havido neste domínio, por parte, até, da Comissão Europeia, como citou?

Mas, pelos vistos, há uma parte do projeto de lei que os senhores não distribuíram, que é a parte que se refere aos salários, aos vínculos laborais, às condições de trabalho dos motoristas.

É que dizer apenas que não se pode conduzir mais de 10 em cada 24 horas e dizer que, em relação aos salários, aos vínculos, à precariedade, cada um sabe de si, é claramente contraditório com esta proclamação que o senhor vem aqui fazer.

Os senhores, objetivamente, estão de acordo com o facto de estas ditas plataformas, estas multinacionais, poderem colocar quantos carros quiserem, onde quiserem, em que parte da cidade quiserem? Estão de acordo em que não haja contingentação nenhuma, em que não haja regulação nenhuma da oferta?! Os senhores assumem esta proposta que estão a apresentar ao Parlamento?

É isto que os senhores pretendem? E depois, Srs. Deputados, ainda têm o descaramento de dizer que esta legislação não é contra ninguém?!

É contra muita gente, Sr. Deputado! É contra muita gente e vai ser importante que não falte a memória relativamente à crítica — apesar dos agradecimentos que alguns vos vão, de certeza, fazer — e ao prejuízo que os senhores estão a causar a muita gente, neste País.

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