Intervenção de

Direitos da Criança relativos à participação de crianças em conflitos armados<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhoras Deputadas Senhores DeputadosO Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à sua Participação em Conflitos Armados, adoptado em Maio de 2000 em Nova Iorque que vem hoje para ratificação à Assembleia da República é mais um instrumento que pretende determinar, enquadrar e tematizar uma matéria que envergonha o mundo que, apesar de se afirmar desenvolvido, tecnologicamente avançado, é escandalosamente espaço de violência e naturalmente reprodutor de soluções belicistas que atomizam direitos e transformam os seres humanos, particularmente os mais frágeis, em instrumentos objectuais de interesses escusos e atentatórios da sua dignidade.De facto, Resoluções, Convenções, Protocolos e organizações internacionais que enunciam acções, reafirmam direitos, e relembram compromissos, demonstram quão precária é a acção dos Estados e dos governos, relativamente à defesa dos mais desprotegidos.Naturalmente que a insuficiente protecção das crianças e a violação dos seus direitos decorrem a são agravadas por constrangimentos sócio-económicos e sócio-culturais, obstáculos ao próprio desenvolvimento.Daí que as declarações de principio e os proclamados planos de acção fiquem inúmeras vezes por isso mesmo, sem nenhuma outra consequência.Nem as ilusórias globalizações da economia e da informação conseguem contribuir para o crescimento da esperança de milhões de crianças entregues solitariamente à luta pela sobrevivência, quer no palco dos conflitos armados, quer como soldados de um quotidiano de vida sem direitos, mentirosamente e hipocritamente pacífica.De acordo com a UNICEF, nos últimos dez anos, os conflitos armados terão ocasionado a morte a cerca de 2 milhões de crianças; terão ferido 6 milhões e terão deixado sem qualquer abrigo 22 milhões.Mais de um milhão de crianças terão ficado órfãos ou separados dos seus pais e cerca de 10 milhões traumatizados psicologicamente.Milhares de crianças armadas, com menos de 16 anos, participaram em combatem recentes, em pelo menos 30 países. Estima-se que mais de 300.000 crianças combatem actualmente, exploradas por adultos.Entre os 53 milhões, em 1995, de refugiados e pessoas deslocadas, 80% eram mulheres e crianças.A violência e particularmente a guerra, independentemente do manuseamento ou não de armas, inscrevem nas crianças sequelas psicológicas que ocasionam, não raras vezes, problemas graves de desenvolvimento e perturbações prolongadas.No entanto, a Convenção relativa aos direitos da Criança, fixa actualmente, no seu artigo 38º que e passo a citar “Os Estados-partes adoptarão todas as medidas possíveis, a fim de assegurar que todas as pessoas que ainda não tenham completado 15 anos de idade não participem directamente de hostilidades” e acrescenta que “Os Estados-partes abster-se-ão de recrutar pessoas que não tenham completado 15 anos de idade para servir as suas Forças Armadas. Caso recrutem pessoas que tenham completado 15 anos mas que tenham menos de dezoito anos, deverão procurar dar prioridade ao de mais idade”.Como facilmente se verifica é um texto mitigado que convenciona o direito para o defender e simultaneamente admitir a sua violação.O Protocolo Facultativo que hoje ratificamos pretende chancelar a introdução de alterações à Convenção, retomando o conteúdo do seu artigo 1º que enuncia como criança “todo o ser humano menor de 18 anos de idade salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”. O texto exercita, no entanto, uma mão cheia de tolerância para todos os Estados-partes que não adoptarem os 18 anos como idade mínima para o recrutamento armado.Se as crianças forem recrutadas, não devem participar directamente das hostilidades, mas o recrutamento e a participação indirecta são possíveis.Não podem ser compulsivamente incorporadas nas respectivas funções armadas mas voluntariamente é possível.O recrutamento voluntário de menores de 18 anos é permitido desde que, por exemplo, exista consentimento esclarecido dos pais ou as crianças estejam plenamente informadas dos deveres que decorrem do serviço militar.Perante a gravidade da situação mundial é um texto ainda muito aberto à possibilidade da manutenção do crime, à desculpabilização dos responsáveis.O direito de não ser objecto da violência e da exploração continua à espera para milhões de crianças espalhadas pelo mundo.Instrumentos de guerra, combatentes da sua própria tragédia, vítimas da barbárie adulta que a si própria chama civilização, as crianças esperam que o direito de o serem, um dia aconteça. Mas nós sabemos que a paz, a tolerância, a resolução pacífica dos conflitos não são determinadas por Convenções, Protocolos ou Resoluções; antes resultam da construção de uma outra ordem mundial de Progresso e Justiça Sociais.Aí haverá lugar para todas as crianças, independentemente da raça, da cor, do sexo, da língua, da religião, da nacionalidade, da origem étnica, social ou familiar e da situação económica.

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