Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Direito de consumir local

Estabelece o direito de consumir local (projecto de lei n.º 283/XI-1.ª)
Altera o Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de Maio, com vista a introduzir informação ao consumidor sobre o preço de compra ao produtor dos géneros alimentícios (projecto de lei n.º 284/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Os nossos neoliberais, do PS, do PSD e do CDS — embora quanto ao CDS deva anotar uma evolução notável no discurso dos Deputados Telmo Correia e Abel Baptista relativamente a 2007, quando o mesmo diploma foi discutido e completamente reprovado pelo Deputado Hélder Amaral, evolução essa que me apraz registar, nomeadamente na opinião de que as grandes superfícies devem ter quotas de produção nacional obrigatórias (e este é um registo importante) —, andam sempre com a defesa da produção nacional «na boca».
Depois da especulação com os preços dos produtos alimentares essenciais, em 2008, até se lembraram de que o País precisava de ter reservas estratégicas de alimentos. E, com a chantagem dos mercados financeiros, descobriram a dívida externa e a necessidade de o País produzir mais.
Mas, depois, em geral, apesar das evoluções que já referi, rejeitam toda e qualquer medida que dê uma contribuição, mesmo que modesta, para a defesa da produção nacional.
As iniciativas de Os Verdes, se outros méritos não tivessem, e têm, põem a nu a demagogia do defensores, «de boca», da produção nacional!
Mas percebe-se: a coerência e a aposta na defesa da produção nacional só vai até que sejam beliscados os interesses dos grandes grupos de distribuição. De facto, quando os interesses da Sonae, da Jerónimo Martins, da Auchan, da Lidl e de outros são beliscados, nem que seja muito ao de leve, de raspão, aí, pára a defesa da produção nacional, porque outros valores mais altos se «alevantam». E, sabemo-lo, que valores!
Aliás, foi, e é, assim com o licenciamento comercial! Foi, e é, assim com os horários do comércio! É assim com qualquer medida que tente defender os fornecedores ou os consumidores, mesmo quando o nome destes é tantas vezes invocado em vão.
Quando chegamos à porta das grandes superfícies, dos grandes grupos retalhistas, «pára o baile»! Os argumentos são bem conhecidos: é o livre funcionamento dos mercados, é a igualdade da concorrência entre todos os agentes económicos — mesmo se, todos os dias, esta concorrência e esta igualdade são trucidadas pelos grupos monopolistas, reconstituídos pela política de direita, com um lugar de destaque para as privatizações.
E sempre, como primeiro e último argumento — aqui tão bem enunciado pelo Sr. Deputado José Manuel Ribeiro — a legislação comunitária, as «sacrossantas» directivas comunitárias, que tudo justificam. Costas larguíssimas tem a União Europeia para desculpas de maus pagadores!
Os nossos neoliberais não fazem como os outros e procuram ver o que se deve fazer para defender o que é português? Não! Sempre que alguém tem a ideia, que dizem sempre
antiquada, de apresentar uma medida para defender o que é nosso, logo investigam, logo descobrem o que inquestionáveis directivas comunitárias proíbem — primeiro até que os burocratas de Bruxelas, primeiro que a Comissão Europeia, primeiro que o Tribunal Europeu! É, de facto, uma grande injustiça aquilo que a Sr.ª Merkel está a fazer a Portugal!
Srs. Deputados,
A generalidade da produção agropecuária portuguesa está, hoje, confrontada com problemas dramáticos de escoamento e depreciação dos preços dos seus produtos. As causas são múltiplas e conhecidas, estruturais e conjunturais, com responsabilidades políticas de sucessivos governos. Não são os comportamentos comerciais dos grandes grupos retalhistas os únicos ou até os principais responsáveis, mas o seu papel e o seu poder são, hoje, fortemente condicionantes de uma equilibrada repartição de margens na cadeia de valor da produção agrícola, particularmente, em algumas produções onde o seu poder comercial é quase absoluto face à oferta atomizada, a montante, e à procura atomizada, a jusante.
Não é um problema de bons ou maus, Sr. Deputado Cristóvão Crespo; é o problema do poder comercial completamente assimétrico face a fornecedores e consumidores.

A representatividade dos grandes grupos retalhistas no valor da procura no mercado de aprovisionamento de produtos alimentares é, neste momento, de mais de 70%; no valor global do comércio a retalho, os grandes grupos retalhistas têm hoje um mercado claramente superior a 83,5% (e este era o valor de 2008).
A forte concentração dos grandes grupos retalhistas no aprovisionamento reflecte-se, de igual forma, na importância que só dois destes grupos têm neste mercado, que é, neste momento, de cerca de 50%.
Há mais de um ano que esta Assembleia espera que a Autoridade da Concorrência elabore um relatório d eanálise da situação respeitante a um importante conjunto de produtos e, se se detectarem comportamentos lesivos da economia nacional, as correcções chegarão demasiado tarde para muitas explorações. Enquanto o Governo espera «sentado», serão liquidadas dezenas ou centenas de explorações.
Aparentemente, isto não causa qualquer sobressalto. Dirá o Sr. Deputado José Manuel Ribeiro: «É o mercado a funcionar».
Não há problema se, ao mesmo tempo que os produtores nacionais se arruínam, vendendo leite abaixo dos custos de produção, um destes grandes grupos retalhistas tenha, à porta de uma das suas unidades, em plena bacia leiteira do Entre Douro e Minho, leite importado a preços de saldo.
Entretanto, por todo o lado, em todo o mundo, governos mais à direita ou menos à direito tomam medidas para defender a sua produção agro-alimentar — e sem olhar a meios! É claro que nós somos diferentes — dizem o PS, o PSD e o CDS: defendemos o livre comércio mundial, da Organização Mundial do Comércio, ou o livre mercado único, da União Europeia!
Reparem, Srs. Deputados, em algumas diferentes notícias, que vou passar a ler.
A Argentina optou por uma solução radical: «A Argentina proíbe a importação de produtos agrícolas. A Argentina decidiu proibir a importação de produtos agro-alimentares que competem com a sua produção doméstica».
Nos Estados Unidos da América: «Congresso introduz Acto de Estabilização de Preços». Diz um Costa, que é congressista norte-americano: «A crise de preços dos produtos lácteos está a devastar a nossa economia local e a nossa capacidade de criar e sustentar empregos. Esta lei ajudará a indústria láctea a voltar ao seu caminho e travará a volatilidade dos preços do leite que está a levar os produtores de leite em todo o país a abandonar a actividade». Diga-se que estamos a falar de produtores em geral com efectivos de 3000 vacas.
E, caso extraordinário, na própria União Europeia, em França, «Sarkozy assina acordo de moderação de margens. As sete principais cadeias de distribuição francesas — entre as quais a Leclerc, a Auchan e a Casino — assinaram esta terça-feira…» — foi no dia 18 de Maio — «… com o Presidente Nicolas Sarkozy um acordo de moderação de margens, direccionado para os produtos do sector das frutas e hortícolas». Quando surgir uma «crise conjuntural, o distribuidor compromete-se a manter a taxa bruta que praticou, em média, no decurso das três últimas campanhas, o que significa que a distribuição tem de, alternativamente, ou reduzir o
preço de venda ao consumidor, ou aumentar o preço de compra aos produtores.» — em Portugal, os nossos neoliberais dirão que há desigualdade no tratamento dos agentes económicos — «Dirão alguns, mas isso é um acordo voluntário, não fere as regras comunitárias! Tão voluntário que os distribuidores que não assinem o acordo pagarão uma taxa de penalização. Taxa aplicada…» — lá está a tal desigualdade dos agentes económicos — «… apenas aos distribuidores com um volume de negócios superior a 100 milhões de euros.»
Isto é, aqui, é proibido acrescentar na etiqueta, ao preço de venda ao consumidor, o preço de compra ao produtor. Em França, podem regulamentar as margens! Aqui, não podemos «forçar» a presença de produtos nacionais — e não é excluir os estrangeiros, é dizer que também devem estar presentes os produtos portugueses. Outros, podem proibir a presença de produção estrangeira.
Sr.as e Srs. Deputados:
Haverá outras medidas e normas susceptíveis de restabelecer algum equilíbrio nos mercados agro-alimentares, que possam assegurar um maior consumo e valorização da produção
agropecuária portuguesa.
Mas os projectos de lei de Os Verdes são uma boa contribuição para esse objectivo; um passo, mesmo que pequeno, na direcção certa; inteiramente possíveis face às normas comunitárias — e se não forem, o País deve «ir à guerra», como outros, em defesa de instrumentos que defendam o que é português; podem ajudar à transparência na formação dos preços; permitem algum controlo das margens brutas do comércio por consumidores e fornecedores; ajudarão a escoar a produção nacional; e, certamente, poderão ser melhorados, em sede de especialidade, com a participação de todos.
Se não aceitamos pôr o preço de compra à lavoura, se não é possível ao Estado português dizer que, nas lojas comerciais, em Portugal, deve haver produção nacional, como podemos dizer que queremos defender a agricultura e a pecuária no nosso País?

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República