Direito à habitação

 

Petição n.º 399/X, solicitando a tomada de medidas legislativas e políticas no sentido de garantir o direito à habitação

Intervenção de Miguel Tiago na AR

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

A necessidade sentida de solicitar medidas para a garantia do direito à habitação, 34 anos após o 25 de Abril, demonstra bem o percurso seguido pelos sucessivos governos no que toca ao cumprimento e aplicação - ou, neste caso, ao não cumprimento e não aplicação - do Texto Constitucional de Abril.

O direito à habitação, consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, contrasta frontalmente com as políticas prosseguidas e com a actual situação que se verifica no País: mais de 325 000 fogos em avançado estado de degradação; mais de 544 000 casas abandonadas; centenas de milhares de famílias submetidas a condições de habitabilidade degradadas, como revela o Censos 2001; mais de meio milhão de casas que não dispõem de condições básicas - canalização, electricidade, esgotos ou, sequer, instalações sanitárias.

A degradação da qualidade de vida dos portugueses, particularmente daqueles que, embora trabalhando, vão ainda assim empobrecendo, impede a compra de casa, mesmo com o recurso ao mercado selvagem do crédito à habitação. Com os baixos salários, o desemprego e a precariedade crescente para uma assinalável parte da população, é hoje impossível comprar casa, mesmo com o recurso a crédito, e mesmo o arrendamento, por tão caro, torna-se para muitos uma exigência extremamente difícil.

Ao contrário do que nos tentaram fazer crer, uma análise breve das políticas deste Governo revela uma ausência total de medidas estruturais e sistémicas na área da habitação, seja na garantia das condições de habitabilidade, seja no apoio e protecção da juventude, seja na garantia de alojamento para um conjunto de portugueses que continua a viver sem tecto ou em bairros ilegais.

A especulação imobiliária e a sobreposição total dos interesses privados aos interesses públicos têm conduzido o País a uma situação de pura irracionalidade, sacralizando o mercado e empurrando milhares e milhares de pessoas para as coroas periféricas das áreas urbanas, degradando a qualidade de vida e a qualidade ambiental, enquanto despovoa e desertifica os centros urbanos, colocando-os à mercê da especulação imobiliária.

Ao mesmo tempo, a política de construção a custos controlados de habitação social e o apoio à autoconstrução e ao arrendamento são elementos meramente residuais perante as necessidades. A política de reabilitação de centros urbanos conta apenas com alguns milhares de euros em PIDDAC para todas as regiões do País, se excluirmos o Programa Polis, que também não conta com muito mais.

É urgente uma política que promova a ocupação racional dos solos, que promova a ocupação dos centros urbanos, mas que ponha simultaneamente fim à litoralização do País e à macrocefalia urbana consequente.

A petição que discutimos hoje (petição n.º 399/X), e cujos subscritores aproveitamos para saudar, além do mérito que lhe é inerente, por constituir uma importante expressão de participação e democracia, traz-nos outros méritos: foca um problema central do Estado, aponta para a necessidade de rápida intervenção, mas não casuística, e mune esta Assembleia de uma síntese sobre as lacunas e necessidades legislativas no que toca ao normativo sobre habitação.

Ante estas duas qualidades desta petição, o Grupo Parlamentar do PCP afirma a sua solidariedade e o seu compromisso. Compromisso que já veio a provar nesta mesma Legislatura com: a apresentação de um projecto de lei que reforçava o extinto Incentivo ao Arrendamento por Jovens; a apreciação parlamentar do Decreto-Lei relativo ao Porta 65 Jovem; o projecto de resolução que propunha a sua cessação de vigência; o projecto de resolução que propunha a extinção da Fundação D. Pedro e a reversão para o Estado da propriedade dos Bairros dos Lóios e Amendoeiras; as críticas e propostas de alteração à nova Lei do Arrendamento Urbano; e, ainda, com o requerimento aprovado por unanimidade na Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território para a vinda do Sr. Presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana para discutir a necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos do Estado e que, curiosamente, ainda não teve lugar.

O PCP afirma também o seu empenho perante as questões que esta petição nos traz e que conhecemos bem.

Assim, o PCP integrará, de futuro, como, aliás, tem feito ao longo do exercício do seu mandato político, estas preocupações na sua intervenção parlamentar. No entanto, não pode deixar de apelar a todos que continuem a luta pelo direito à habitação.

Perante a política de direita que o actual Governo, como os anteriores, vem promovendo, de submissão aos grandes interesses do capital e da banca, das entidades fornecedoras de crédito, da especulação imobiliária e da construção, nada senão a luta dos trabalhadores e todos os afectados por esta política pode obrigar a uma inversão de rumo.

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