Intervenção de

Desertificação do interior - Intervenção de José Soeiro na AR

Debate sobre desertificação do interior

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Sr.as e Srs. Deputados:

Não posso deixar de dizer que, quando fui informado do tema deste debate, proposto pelo PSD, fiquei surpreendido e até com uma certa expectativa de saber exactamente qual seria o conteúdo que o PSD pretendia dar a este debate.

Depois de ouvir o Sr. Deputado Santana Lopes, percebi. Percebi que se pretendia discutir «para a frente» e deixar apenas o diagnóstico como referência em relação ao passado. E percebe-se porquê. Mas nós temos de ir buscar o passado - o passado dos governos do PS, o passado dos governos do PS com o PSD, o passado do governo do PSD com o CDS, o passado do governo do PS com o CDS.

Enfim, tivemos aqui as fórmulas quase todas. E tivemos três quadros comunitários de apoio, Sr.as e Srs. Deputados!

Mas, de eleição para eleição, pergunto: algum dos Srs. Deputados que teve oportunidade de participar nos debates políticos em vésperas de eleições ouviu algum dos partidos concorrentes às mesmas dizer que não conhecia a realidade do País, que não tinha soluções para o interior do País?

O que é que temos de novo no debate de hoje? Um Governo de maioria absoluta do Partido Socialista, com a frente do interior, pela primeira vez, na primeira fila da bancada, e esperamos ouvir o nosso querido amigo e Deputado Mota Andrade afirmar aqui, com a mesma veemência com que o ouvi afirmar em Trás-os-Montes, aquando de uma visita aí efectuada pela Comissão de Economia, as reivindicações do interior e a condenação das políticas.

Só que, desta vez, não! Desta vez, há aqui uma tónica mais de justificação e de tentar apontar para a frente.

Ó Sr. Deputado, nós temos um Governo há três anos! Há três anos! Se fosse um mandato normal, estava quase a entrar no último ano de mandato. E o Sr. Deputado sabe, como eu, o que dizem hoje os cidadãos do interior: «Eh pá, se houvesse eleições todos os anos, talvez eles fizessem alguma coisa pela gente!»

É que, de resto, o que nós temos é aquilo que foi dito. O que temos é muita demagogia, muita promessa... E obra concreta, onde é que está?! Vozes do PCP: - Zero! O Sr. José Soeiro (PCP): - Quais são os indicadores?

Espero que o Sr. Ministro, que já abalou, não se tenha assustado! Espero que ele volte e nos venha dar algumas explicações!... É que, três anos depois, para um Governo e uma maioria ... Quem é que não tem presente os discursos do Eng.º José Sócrates? «O interior, comigo, nunca será esquecido!» - esta era a grande frase!

Mas três anos depois, para além dos papéis, o que é que temos? Temos mais desertificação, mais gente envelhecida, mais estagnação económica... Espero que o Sr. Ministro, depois, nos venha dar os indicadores, porque, ainda recentemente, tivemos aqui um debate importantíssimo, em relação ao qual havia até uma certa expectativa de que, através do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), tivéssemos finalmente uma estratégia de desenvolvimento que equilibrasse o País e combatesse as assimetrias.

No entanto, Srs. Deputados, o PNPOT está aí, os senhores votaram-no e o que é que está lá consagrado? É um Portugal litoralizado, um Portugal metropolizado, um Portugal que, no ano de 2025, a concretizarem-se os grandes objectivos estratégicos do Partido Socialista, terá ainda mais gente no litoral e menos gente no interior.

É esta a aposta no futuro do interior?! É isto que os senhores propõem como soluções para o interior?! A verdade é que, quando os senhores falam do Alqueva, disto ou daquilo estão a falar de projectos que, há muito, podiam e deviam ter sido feitos. E os senhores sabem disso. Sabem que, por exemplo, o Alqueva esteve 15 anos parado, com governos do PS e governos do PSD. Sabem, e bem, que as acessibilidades eram do PRN 2000 - de 2000! - e não tarda muito estamos em 2010! Porém, continuamos a apostar num PRN que ainda há-de ser cumprido, um dia - um dia!... -, porque as obras hão-de ser feitas...

Percebo a preocupação do Partido Socialista, mas é o PS que está no Governo, é o PS que tem de responder também pelas políticas de agora.

Quanto ao passado, não vale a pena falarmos muito mais, até porque temos todos os indicadores disponíveis. Mapas de Portugal como este que aqui temos podíamos ir buscá-los há 5, 10 ou 15 anos, porque, sistematicamente, as políticas seguidas têm sido para liquidar - e não para ajudar a desenvolver - postos de trabalho no interior, para liquidar pequenos agricultores no interior. Daí, vermos, cada vez mais, a nossa juventude a sair do interior para a emigração, para Lisboa ou para o Porto.

Esta é a realidade que os senhores não podem contornar. E é sobre isto que esperamos que o Sr. Ministro, depois, na sua intervenção - e tem bastante tempo para falar -, nos dê números concretos. E desde já, desafio-o a dizer algo do género: «não, em três anos de Governo de maioria absoluta do Partido Socialista, temos menos desertificação, menos envelhecimento e o PIB no interior aumentou».

É que estes são os indicadores concretos que podem sustentar a argumentação. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro, quando vem cá, tem o hábito de dizer: «números concretos». Então, venham lá esses números concretos em relação ao interior!

É que se formos, hoje, da serra do Algarve por Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Guarda (e passamos um pouco ao lado de Viseu, porque Viseu tem duas correntes) e chegarmos a Vila Real e a Bragança, o que é que temos nas nossas aldeias, quem é que lá encontramos? Reformados, no essencial, velhotes! Temos, hoje, concelhos com 50% e 60% da população reformada, com reformas baixas.

O que ainda equilibra alguma coisa nesta realidade é a existência, apesar de tudo, de alguns serviços da função pública. E aí o que é que podemos dizer?

Que a ofensiva deste Governo contra os trabalhadores da Administração Pública, que não tem paralelo em 34 anos de democracia, está a originar congelamento de salários, despedimentos, encerramento de serviços e deslocalização de serviços, ao contrário do que está a ser dito. Se formos agora avaliar o próximo QREN, com o quadro que aqui está, o que é que encontramos? Um QREN centralista, governamentalizado, e a continuidade de uma política cujos resultados estão à vista.

Quem queira observar com atenção o que se verificou no I, no II e no III Quadro Comunitário de Apoio, verá que a estratégia deste Governo é dar continuidade à estratégia dos governos anteriores, logo, uma estratégia condenada ao fracasso.

Cá estaremos para pedir contas!

(...)

Sr. Presidente,

Em relação ao Alentejo, gostaria de dizer que, na verdade, se o Sr. Ministro nos der aqui hoje os indicadores do Alentejo, verificaremos que o Alentejo cresceu.

Cresceu em população, cresceu em PIB, ...

A sério! Sr. Presidente, não querem ouvir! Então Santarém não é agora a maior cidade do Alentejo?

É que, se juntarem o Alentejo a Lisboa e Trás-os-Montes ao Porto, alteram os indicadores todos!

Mas a verdade está lá! É preciso ir lá vê-la! Mas os senhores, isso, não querem ver!

A Sr.ª Deputada Paula Nobre de Deus veio aqui dizer-nos: «Atenção, que nós retomámos o aeroporto». O aeroporto foi apontado pela CDU há 18 anos, deveria estar pronto há 16 anos, e a Sr.ª Deputada vem aqui falar do aeroporto?!

Sr.ª Deputada, tenha um bocadinho de pudor! Só o PSD é que parou o Alqueva? Quem parou o Alqueva foi o Dr. Mário Soares, no tempo do governo do Partido Socialista. Sabia? Não sabia! Fica a saber!

Já agora, quero dizer-lhe uma coisa que esta manhã não tive oportunidade de dizer ao Sr. Ministro. De qualquer forma, fica aqui o recado.

Em 7 de Dezembro, repito, a 7 de Dezembro de 2004 (não é de 2005, nem 2006, nem 2007, estamos a falar de 2004), quem fosse ao site da EDIA e olhasse para o cronograma relativo à execução das redes primárias e secundárias do Alqueva, já encontrava lá a famosa antecipação dos 10 anos!

Os senhores apresentam coisas «requentadas», conhecidas e reconhecidas. O concreto é que os alentejanos continuam a não ter emprego, os alentejanos continuam a não ter centros de saúde e continuam a não ter acessibilidades e os alentejanos continuam a ter de emigrar para Espanha, para França, para a Alemanha e para a Suíça.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Percebo a dificuldade do Governo e do Sr. Ministro em defenderem uma política que está a conduzir o País, e sobretudo o interior, ao estado em que se encontra, e que está retratado. Não posso deixar de sublinhar algumas questões. Primeira: disse o Sr. Ministro, deturpando aquilo que aqui afirmei, que o envelhecimento é uma coisa boa.

Sr. Ministro, seria uma coisa boa se o envelhecimento neste país, e sobretudo no interior, não se verificasse nas condições em que se verifica, com o dramatismo de os idosos não terem, muitas vezes, o rendimento suficiente para sobreviver ao longo do mês, se não vivessem com a angústia de pensar que se tiverem alguma doença não têm um transporte ou um serviço de saúde para os atender, se não tivessem o drama de ver os seus familiares partir, seja para Lisboa, seja para o Porto, seja para a emigração, e de viverem na solidão, no isolamento, como, infelizmente, vive hoje uma grande parte dos idosos neste país, em particular no interior.

Se isto não fosse assim, Sr. Ministro, se tivéssemos bons rendimentos, se olhássemos à volta e víssemos empregos, se, na verdade, víssemos o desenvolvimento que se apregoa de ano para ano mas que não se verifica na prática, então seria bom envelhecer, envelhecer com a tranquilidade de quem trabalha uma vida inteira e não de quem chega ao fim da vida e nada tem para olhar a vida com esperança, com confiança e, sobretudo, com alegria. Daí que não possa aceitar a visão de o envelhecimento ser sempre uma coisa boa. Infelizmente, aqui não é. Concluo, Sr. Presidente, com uma segunda questão.

Sr. Ministro, fugiu-lhe a boca para a verdade e depois corrigiu, dizendo que as pessoas não são números, mas não resistiu a invocar os rácios para justificar os encerramentos dos centros de saúde, não resistiu a invocar os rácios para justificar os encerramentos dos serviços!

Termino dirigindo-me ao Sr. Deputado José Junqueiro, que está com muita vontade de falar e de se fazer ouvir, para que reflicta.

Creio que uma maioria absoluta que não sabe ouvir as minorias, respeitar e inserir os contributos das oposições na construção, sobretudo de políticas estratégicas, como o é, por exemplo, o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, é uma má maioria absoluta, é uma maioria absoluta que não sabe respeitar a democracia.

Talvez o Governo esteja a tempo de reflectir naquilo que aqui foi dito, de corrigir as políticas e de, efectivamente, retomar um caminho que permita ao interior, amanhã, não estar cada vez mais afastado do litoral.

 

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