Intervenção de

Desenvolvimento económico e o investimento em Portugal - Intervenção de Odete Santos na AR

Redução
do capital social de sociedades comerciais, eliminando a intervenção
judicial obrigatória, enquanto medida integrada nas iniciativas de
simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e
registrais, para fomentar o desenvolvimento económico e o investimento
em Portugal
 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado, Serei brevíssima, para respeitar o tempo global de 8 minutos de que dispõe o PCP neste debate. Faço-lhe duas perguntas. Em
primeiro lugar, por que é que, havendo um programa de simplificação
legislativa, o Governo alterou, em 29 de Março deste ano, o artigo 95.º
do Código das Sociedades Comerciais e agora vem alterá-lo outra vez? E
fá-lo substancialmente! Não poderia tê-lo feito de uma só vez? Seria
uma simplificação legislativa. Em segundo lugar, V. Ex.ª tem toda a razão, não pode haver aqui interesses de grupo, muito
menos daqueles que pretendem fazer investimento beduíno… Assim, nesta
dissolução da empresa na hora, pergunto-lhe como garante aos
trabalhadores, por exemplo, as indemnizações e os salários em atraso.  (…) 

 Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,  Corre
há alguns dias, com insistência, pela baixa pombalina, que o Sr.
Primeiro-Ministro, atentando no êxito das deslocalizações na hora,
desejoso de encontrar uma estátua onde possa indicar o seu domínio
sobre o mundo do Direito, tornando-o torto, terá descoberto novos
processos para introduzir no Simplex — por acaso tem um nome latino e
poderá dar ainda a ideia de que nos radicamos na tradição romanista,
até pode usar-se o genitivo, o simplicis —, que, dizem, vão
simplificar a vida das empresas. Interessa saber é se simplificará
tanto e, em segundo lugar, a quem é que vai dificultar a vida. 

Efectivamente,
não somos contra a desburocratização. O Sr. Deputado Diogo Feio estava,
aliás, a referir-se a um princípio e eu, em aparte, estava meramente a
dizer que também me iria referir a esse princípio, mas o CDS não
entendeu o meu aparte.

 De
facto, aprendemos na Faculdade de Direito (se calhar agora, daqui para
diante, só haverá Faculdades de Economia, uma vez que até se diz para
aí que pode haver «economistas juízes»…), que há um princípio que
impede não todas mas muitas conflitualidades e que é o princípio da
segurança jurídica. Esta proposta de lei, como as outras a que V. Ex.ª
se referiu a respeito de segurança jurídica, faz dela «gato sapato». Mas
como parece que o Simplex também não serve ao Primeiro-Ministro, em 29
de Março de 2006, alteraram o artigo 95.º do Código das Custas
Judiciais para suprimir a escritura e, agora, um mês e meio depois,
estão novamente a alterar o mesmo artigo… Sim, sim, tenho aqui o diploma e dou-lhe no final o Diário da República, se não oconhece!… Como
eu dizia, um mês e meio depois, estão novamente a alterá-lo para lhe
dar uma redacção que faça com que não seja precisa autorização judicial
prévia para a redução dos capitais sociais — «bom» exemplo de
desburocratização e simplificação este de duplicar iniciativas
legislativas com um mês e meio de diferença…! A
verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputado do Partido Socialista, que me
chamaram de conservadora e o Secretário de Estado… Olhe, desculpe, a
«desconsideração» que lhe fiz, pois, de facto, foi o primeiro a
chamar-me conservadora! Devo
dizer que, perante aquilo que estão a fazer, tenho muito orgulho em ser
conservadora, porque ser conservadora é ser progressista neste momento
da vida portuguesa e do mundo! Devo
dizer ainda, Sr. Secretário de Estado, que onde se encontram normas
para desburocratizar desta maneira — é a «empresa na hora», é a
«deslocalização na hora», é a «dissolução na hora», é a «redução do
capital na hora»… —, onde se encontram práticas destas é em paraísos
fiscais, onde, até ao mínimo, é reduzido qualquer controlo, porque o
que interessa é proporcionar aos capitalistas um maior enriquecimento e
«quem vier atrás que feche a porta»!… São os offshores! Isto são medidas copiadas. 

Leia
o parecer, Sr. Secretário de Estado! Já sei que vai dizer que são
corporações, mas é convosco que fica essa afirmação que já ouvi noutros
tempos a pessoas de outro partido… Leia o parecer e as informações
concretas que constam desse parecer do Sindicato dos Magistrados do
Ministério Público, que até chama a atenção para convenções europeias e
internacionais que ditam exigências para impedir que a lei possa ser
utilizada facilmente para crimes tão graves como o branqueamento de
capitais, através de umas sociedades a que eles chamam
sociedades-écrans, que tornam muito mais fácil o cometimento desses
crimes.

 

Daí
perceberão (se é que, efectivamente, não perceberam, porque percebem,
fazem-se é desentendidos e «assobiam para o ar»…) que estas medidas são
tipicamente neoliberais, por isso é que a direita está de acordo. Isto
não lhe diz nada?! 

São medidas tipicamente liberais que não servem para defender os cidadãos.

 

Aliás,
o modesto, o pequeno empresário vai ser atolado nas conservatórias dos
registos prediais e comerciais… Leia também o parecer dos conservadores
do registo predial e comercial (se calhar, alguns até seguem a vossa
ideologia), que dizem que na situação actual das conservatórias,
nomeadamente naquelas que têm anexados o registo civil e o notariado, vai ser impossível responder «na hora» aos actos de registo de que os senhores aqui falam. Para
além de que há uma questão de inconstitucionalidade nalgumas
disposições, porque os conservadores não têm a função jurisdicional e
não podem decidir algumas coisas que os senhores colocam no diploma
para serem decididas por um conservador e não por um juiz. Portanto,
nos termos da Constituição, que penso que ainda tem valor, essas
funções de decisão de conflitos pertencem ao juiz e não ao conservador. Antes de terminar, com a licença do Sr. Presidente…(…)Concluo já dizendo só três coisas, Sr. Presidente. Este é, de facto, o modelo das sociedades offshore. Esta alteração não contribuirá significativamente para aliviar o trabalho nos tribunais e sobrecarregará as conservatórias. Esta
alteração não contribui para uma economia saudável. De facto, nós
precisamos de investimento, mas não de investimento «beduíno».
Precisamos de uma economia, não de uma qualquer economia, mas de uma
economia saudável!! O
notário era uma garantia acrescida da legalidade, porque nas
conservatórias não conseguem ver muitas coisas…! Só quem não trabalhou
já com as conservatórias é que não sabe das dificuldades na análise de
tantos documentos. Por
fim, direi que o Sr. Primeiro-Ministro José Sócrates parece ter
descoberto uma nova corrente político-filosófica: a do anarquismo
capitalista!

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