Intervenção de

Defesa Nacional - Intervenção de António Filipe na AR

Debate sectorial com o Ministro da Defesa Nacional

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,

Na segunda intervenção que farei terei oportunidade de me referir a questões que o Sr. Ministro suscitou na sua intervenção inicial, mas, para já, quero colocar-lhe algumas questões muito concretas e para as quais gostaria de respostas o mais concretas possível.

A primeira questão tem a ver com o Arsenal do Alfeite. É sabido que está em curso um processo de reestruturação e o Sr. Ministro já informou esta Assembleia, na Comissão de Defesa Nacional, que ainda não recebeu o relatório, que está em curso. A questão que quero colocar-lhe é a seguinte: que garantias é que o Sr. Ministro nos dá de que o País e os trabalhadores do Arsenal do Alfeite não serão confrontados com uma situação de facto consumado, isto é, que não serão ouvidos quando já tudo estiver decidido?

E gostávamos de saber que participação é que o Sr. Ministro entende que lhes deve ser dada. Como é que esses trabalhadores devem ser chamados a participar - e parece-nos que é obrigatório que assim seja -, atempadamente, e não depois das decisões tomadas, na definição do que vai ser o futuro desta importantíssima unidade industrial, enquanto tal, e para a própria defesa nacional?!

Que participação dos trabalhadores? Que garantias temos de que não vai acontecer uma segunda OGMA, de que o Arsenal não acabe por ser, agora, transformado em SA e, mais tarde, daqui por uns anos, privatizado, deixando de estar em mãos portuguesas? Que garantias nos dá de que os trabalhadores do Arsenal não vão ver os seus direitos postos em causa?

A segunda questão que lhe quero colocar diz respeito à Manutenção Militar. A Manutenção Militar é uma empresa de defesa nacional muito antiga, que tem vindo a degradar-se de uma forma insuportável.

Há mais de 30 anos que não há investimentos na Manutenção Militar e que esta está a acumular prejuízos.

É uma empresa importante, emprega mais de 1000 trabalhadores, tem como único cliente o Exército, tem um parque industrial que se tem vindo a degradar, foram, inclusivamente, alienados, recentemente, imóveis do Carregado e a Messe dos Descobrimentos, sem qualquer concurso e por um valor muito mais baixo do que o da avaliação que havia sido feita há quatro anos.

Penso que esta empresa tem condições para fazer muito mais e, por isso, aquilo que queremos saber é o que o Governo entende quanto a esta empresa.

É que há, inclusivamente, condições para que as Forças Armadas Portuguesas, e não apenas o Exército, possam recorrer à Manutenção Militar, que é uma empresa que tem know-how e condições para abastecer militarmente todas as Forças Armadas Portuguesas e não apenas o Exército.

Gostaria, pois, de saber se a perspectiva do Governo é a de desenvolver esta empresa, aproveitando as suas capacidades, ou fazer como tem feito até aqui, isto é, fazer de conta que não existe e obrigá-la a acumular dívidas e a degradar a sua situação.

Agradecia uma resposta muito concreta.

A terceira questão que lhe coloco diz respeito à disciplina. É conhecido um texto, aprovado em Conselho de Ministros, relativo ao estatuto dos dirigentes associativos.

Quanto à questão dos recursos das decisões disciplinares, há uma proposta de lei e teremos oportunidade de a discutir na altura própria, mas relativamente ao estatuto dos dirigentes associativos o que sucede é que o Governo terá aprovado um texto para ser publicado como decreto-lei, o que, Sr. Ministro, devo dizer-lhe, é inacreditável. E é inacreditável, porquanto o texto aprovado configura novas restrições, que não estão previstas na lei, aos direitos dos militares, o que é matéria de reserva absoluta da Assembleia da República e, mais, tem de ser decidida por maioria de dois terços da Assembleia. Portanto, é inacreditável que o Governo pense que pode aprovar uma matéria destas por decreto-lei, porque isso seria de uma inconstitucionalidade orgânica absolutamente grosseira.

Mas o que acontece é que também há inconstitucionalidades substantivas, ou seja, o Governo quer restringir direitos a militares na reserva e na reforma, quando a Constituição só admite que haja restrições de direitos de militares no activo.

Depois, o Governo pretende colocar as chefias militares a dirigir as associações, porque, inclusivamente, está previsto que se a Comissão de Defesa Nacional propuser a uma associação que seja ouvida, nesta Assembleia, essa associação tem de fazer um requerimento à respectiva chefia, com 20 dias de antecedência, e sujeitar-se à resposta. E, entretanto, tem de dizer o que vem cá fazer, qual o objecto da reunião, enfim, é absolutamente inacreditável. É inacreditável que o Governo queira aprovar um decreto-lei que, no fundo, o que visa, na prática, é proibir a actividade associativa dos militares.

Uma última questão tem a ver com a Lei de Programação Militar. É público e notório que a execução desta Lei está a derrapar. Já não falo do caso da arma ligeira, que está nos tribunais e, portanto, o Governo não pode ser responsabilizado por isso, mas falo do atraso da modernização dos F16, o chamado MLU (Mid Life Upgrade), dos patrulhões, que continuam a marcar passo, de receitas vultuosas que o Governo previa para poder financiar a LPM, com alienações, mas não sabemos o que é feito dessas alienações, designadamente de património, de infra-estruturas, da venda dos F16. Não sabemos de nada disso e, portanto, não temos qualquer garantia de que esta derrapagem da LPM venha a ter recuperação.

Uma última questão: a manutenção dos helicópteros EH101. O Sr. Ministro, na Comissão de Defesa, na última reunião em que cá esteve, lamentou que a solução de manutenção dos EH101 não tenha passado pela OGMA. Foi feito um contrato provisório, esperando - o Sr. Ministro nos afirmou - que, no fim destes seis meses de contrato, se possa encontrar uma solução em que a OGMA venha a estar efectivamente envolvida na manutenção dos helicópteros EH101. A pergunta que faço é a seguinte: que diligências estão a ser feitas para que isso seja possível e que garantias é que o Governo nos pode dar de que, daqui a seis meses, terminado este contrato, não vem lamentar, mais uma vez, que a situação continue na mesma e que a OGMA continue a estar arredada de qualquer possibilidade de intervenção na manutenção dos helicópteros EH101?

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Defesa Nacional,

V.ª Ex.ª falou da presença de militares portugueses em vários países do mundo, mas esqueceu-se de um, do Iraque, porque há oito militares portugueses no Iraque.

O Sr. Ministro dirá que são poucos, que é uma presença simbólica, mas não é uma presença tão simbólica quanto isso. O Sr. Ministro falou aqui de cooperação militar com vários países. Pois bem, estão menos militares envolvidos em cooperação militar em alguns desses países do que aqueles que estão efectivamente no Iraque. A presença destes oito militares, ainda que seja reduzida, é um sinal claro de envolvimento de Portugal na situação do Iraque.

Neste momento, em todos os países se discute a retirada dos militares do Iraque. Nos Estados Unidos, está na ordem do dia a calendarização da retirada do Iraque e, inclusive, na Grã-Bretanha sabe-se que uma das bandeiras do futuro primeiro-ministro Gordon Brown é a retirada da tropas britânicas do Iraque.

Pergunto, Sr. Ministro, do que está à espera para mandar regressar os oito militares portugueses que estão no Iraque. Está à espera que saiam os norte-americanos primeiro e que sejam os portugueses a «fechar a porta»?

Gostaria de saber se o Sr. Ministro convive bem com este aval do Estado português à situação criada no Iraque com a ocupação, que é uma situação de absoluta barbárie e de violações sistemáticas dos direitos humanos.

A pergunta muito concreta é esta: quando é que os oito militares portugueses regressam do Iraque?

Sr. Ministro, passemos à questão do Afeganistão. O envolvimento de Portugal no Afeganistão é significativo em termos militares e está sujeito a enormes perigos, como o Sr. Ministro reconheceu.

Ora, o Afeganistão tem um ponto em comum com o Iraque: também é um desastre do ponto de vista político e do ponto de vista militar não tem qualquer progresso significativo. As tropas que estão no Afeganistão, não apenas as portuguesas mas as de todos os países que estão envolvidos nessa operação, estão lá não para garantir a segurança de mais ninguém mas apenas a sua própria, como podem.

E o Sr. Ministro não ignora isso!

Os objectivos políticos e militares da guerra no Afeganistão estão completamente fracassados e num impasse absoluto. Não há progressos nem políticos nem militares, e o Sr. Ministro não ignora que, mesmo que houvesse algum progresso militar, seria efémero, não havendo qualquer progresso político na situação.

O Sr. Ministro disse aqui que Portugal é um aliado credível, é um aliado fiável, e eu pergunto se esse aliado não pensa pela sua própria cabeça, se Portugal, enquanto Estado soberano, entende que a sua única missão, no plano internacional, é a de fazer aquilo que os aliados, ou seja, os Estados Unidos, mandam que Portugal faça.

Pergunto se é essa a visão que o Sr. Ministro tem relativamente à política externa portuguesa e ao envolvimento de militares portugueses.

O Sr. Ministro vai perguntar-me qual é, então, a minha alternativa, se defendo uma retirada das tropas portuguesas, e eu ao Sr. Ministro pergunto qual é a sua. A sua alternativa é a de ficar indefinidamente, repito, indefinidamente, a dar aval e a envolver perigosamente militares portugueses numa guerra que está absolutamente perdida e que é um verdadeiro fiasco do ponto de vista militar e, fundamentalmente, do ponto de vista político?! Pergunto-lhe: qual é a sua alternativa? Como é que o Sr. Ministro entende que vai ser a saída - porque, esperemos, um dia haverá uma saída! - dos militares portugueses do Afeganistão?!

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