Pergunta ao Governo N.º 2402/XII/2

Decreto-lei n.º 77/2013, de 5 de Junho, estabelecendo a possibilidade de uso de aguardente de origem vitícola, não vínica, na elaboração do Vinho do Porto e do Moscatel do Douro

Decreto-lei n.º 77/2013, de 5 de Junho, estabelecendo a possibilidade de uso de aguardente de origem vitícola, não vínica, na elaboração do Vinho do Porto e do Moscatel do Douro

O Decreto-lei em epígrafe veio estabelecer a possibilidade de uso de aguardente vitícola na elaboração do Vinho do Porto e do Moscatel do Douro. Tal significa a possibilidade de uso a 100% ou em mistura com aguardentes vínicas, supõe-se, de aguardentes de «borras» e de aguardentes de refinação de aguardentes bagaceiras.
Apesar de tal alteração ter tido o acordo do Conselho Interprofissional do IVDP, os argumentos/razões que suportam tal decisão não são suficientemente desenvolvidas no preâmbulo do Decreto-lei e levantam, assim, justificadas dúvidas a agentes do sector. Dúvidas relativamente aos impactos de tal decisão nas características qualitativas dos produtos finais e nos mercados vitícolas, nomeadamente regional.
Aliás, será a altura para devolver o argumento de autoridade, que foi usado com a invocação da obra de Norman R. Bennett, That indispensable article: Brandy & Port Wine, GEHVID, Porto, 2005 (mesmo que se tenha muitas dúvidas sobre o uso de peritos estrangeiros para cobrir opiniões sobre a portuguesa Região Demarcada do Douro e o seu produto de excelência) na resposta do MAMAOT de 19 de julho de 2012 à pergunta nº 3282/XII/1ª de 19 de junho de 2013, do GP do PCP, sobre o “Abastecimento e preço da aguardente vínica para beneficiar vinhos na próxima vindima”. Diz o citado estudioso, que quando os mercados se complicaram pelo aparecimento da filoxera e do oídio, pelos idos anos de 1850, obrigados pela concorrência, os “fazedores de vinho” (alguns com grande relutância, sublinha o autor) viram-se até forçados a usar “non-grape alcohol” de Inglaterra, Alemanha e Portugal para produzir vinhos do Porto de menor qualidade/”lesser-quality ports”! (Não teremos ainda chegado aí com o DL 77/2013, mas vamos a caminho…)
Percebendo o interesse directo para as grandes empresas (exportadoras) do sector, dispondo certamente de grandes volumes de subprodutos e resíduos (borras e bagaços) provenientes da sua exploração própria de vinhas na região e fora da região (algumas há que são grandes produtoras noutras regiões demarcadas), tal acabará simultaneamente com o que era um dos únicos canais de escoamento de vinhos de pasto / mesa, com produções excedentárias e preços cada vez mais degradados na Região Demarcada do Douro – preços da ordem dos 100/200 euros/pipa. Assim se agrava a situação num segmento do mercado que afecta a generalidade dos pequenos e médios viticultores da Região.Aliás, toma-se a medida, sem, que se saiba tenha havido um balanço vínico, sobre a possibilidade de obter as aguardentes vínicas no Região (como consta da proposta de trabalho da Comunidade Intermunicipal do Douro “Reorganização da Região Demarcada do Douro”), e nas regiões vizinhas!
Por outro lado, teria sido bom referir estudos ou referências (e não a burocrática justificação de que tal é permitido face à legislação comunitária) que assegurassem de facto, a inocuidade de aguardentes não vínicas, na qualidade dos produtos.
É também a altura de dizer que estas decisões, tendo como argumento os custos das actuais aguardentes vínicas e a necessidade de reduzir a sua importação, evidenciam as consequências da má reforma da OCM dos Vinhos final, em 2007, durante a presidência portuguesa da União Europeia, e da responsabilidade do PS, PSD e CDS que a aprovaram.
Como o PCP, que votou contra, atempadamente previu e preveniu, a reforma ia produzir a subida dos preços das aguardentes vínicas, pelo fim dos apoios comunitários à destilação de vinhos, para a regularização dos mercados.
Estamos na primeira campanha (2012/2013) sem apoios à destilação de vinho em álcool de boca. Mas os resultados da reforma já se fazem sentir desde que foi decidida, em Portugal e noutros países. Cá, passou-se de uma média anual de 1020 000hl de vinho destilado no período 2000/2008 para uma média de 551 000hl entre 2009 e 2012. Isto é, num cálculo grosseiro, da produção de 30 mil pipas de aguardente para 15mil. Uma redução superior a 50%.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, solicitamos ao Governo que, por intermédio da Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, nos sejam prestados os seguintes esclarecimentos:
1) Que estudos experimentais foram feitos ou existem, que consigam com relativa fiabilidade demonstrar a inocuidade do uso de aguardentes não vínicas no benefício dos mostos para o fabrico de Vinho do Porto e de Moscatel do Douro?
2) Que subprodutos e resíduos da fileira vitícola vão poder ser utilizados na obtenção da aguardente vitícola autorizada para a beneficiação?
3) É já essa uma prática autorizada para outros vinhos licorosos portugueses, como o Madeira e o Moscatel de Setúbal?
4) Que balanços em volume e em valor foram realizados, no quadro da Região Demarcada do Douro (e das restantes regiões vitivinícolas portuguesas), que permitem justificar o uso de aguardentes vitícolas por contrapartida ao papel regularizador da destilação de massas vínicas sem escoamento e/ou de baixa qualidade?
5) Que volume de aguardentes vínicas foi obtido a partir de massas vínicas da RDD na década 2000/2010, e em cada uma das últimas campanhas, 2010, 2011 e 2012?
6) Que avaliação fez o IVDP/MAMAOT da Proposta de Trabalho da Comunidade Intermunicipal do Douro sobre o tema “aguardente vínica”? Solicitava uma possível contestação fundamentada?
7) Qual é o ponto da situação sobre as instalações da ex-SUBVIDOURO? Quais são os seus actuais titulares? Qual a intervenção e apoio do Estado, relativamente ao processo de insolvência da SUBVIDOURO? Quando estará em condições de reiniciar a destilação?

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