A proposta de Lei que criava o Banco Nacional de Terras e o Fundo de Mobilização de Terras bem como a Lei que cria o Sistema de Informação Cadastral Simplificado partem de um pressuposto errado, ou seja, é incorreto concluir que a causa dos incêndios florestais e dos problemas da floresta reside no tipo de propriedade - o minifúndio - e nas ditas terras sem dono conhecido, ou nas terras ditas abandonadas.
Essa proposta apresentada em 2017 revela que o interesse aí subjacente era a entrega de todas as terras que não estivessem cadastradas aos interesses da concentração fundiária da terra, com o Estado de permeio. O que se pretendia era constituir não um Banco Público de Terras mas sim um mecanismo de esbulho de emigrantes e de idosos que, sem as necessárias estruturas no terreno que ajudassem a fazer o cadastro, poderiam ver as suas terras ocupadas ficando depois com o ónus de as retomar, com os custos e os problemas inerentes.
Não tendo conseguido aprovar a proposta do Banco Público de Terras, surge agora a publicação de um diploma, o Decreto-Lei n.º 15/2019, de 21 de janeiro, que, à boleia da implementação do Sistema de Informação Cadastral Simplificado, prevê que os prédios rústicos ou mistos que não se encontrem registados, nomeadamente segundo o sistema simplificado, sejam de imediato considerados como prédios sem dono conhecido e passíveis de registo provisório de aquisição a favor do Estado, com possibilidade de cedência a terceiros.
Mas é preciso referir que o Governo, no âmbito do processo de cadastro simplificado, ficou de fazer uma avaliação da situação no fim do primeiro ano. E dessa avaliação pode concluir-se que o fundamental está por fazer, registando-se resultados muito distintos entre os diferentes concelhos já analisados, onde se destaca o de Caminha onde praticamente todo o território foi possível rastrear, sem que ali se registem terras sem dono, enquanto que para outros concelhos muito trabalho ainda falta realizar, nomeadamente junto de entidades detentoras de informação relativa a prédios. Tais resultados tão distintos impõem que primeiro se avalie e situe a realidade de que se está a falar e dimensionar a questão dos denominados prédios sem dono conhecido e então depois se faça a lei.
Tendo presente os resultados conhecidos até ao momento não se percebe a fobia à pequena propriedade que o Governo revela, e que está tão expressa na entrevista do Secretário de Estado das Florestas ao jornal “Público”.
Assim, a pretensão emanada no Decreto-Lei n.º 15/2019, de 21 de janeiro e iniciativas daí decorrentes levantam um conjunto de preocupações que o PCP não pode deixar de colocar no sentido de salvaguardar os justos direitos dos cidadãos, dos pequenos proprietários e produtores, situação para a qual o PCP já tinha anteriormente alertado. Este diploma vem dar justificação e concretizar a preocupação avançada pelo PCP quando da discussão na generalidade da Proposta de Lei n.º 161/XIII/4.ª (GOV) — Mantém em vigor e generaliza a aplicação do sistema de informação cadastral simplificada, ocorrida em 21 de dezembro de 2018.
Já nesse momento o PCP alertou que quando o Governo coloca como elemento central na realização do cadastro a existência de declaração dos proprietários, o PCP não pode aceitar que, quando não for apresentada esta declaração, as terras sejam consideradas sem dono.
Por isso, desde logo se identifica a fragilidade do argumento de que a inexistência de registo de um prédio rústico ou misto tenha como corolário o desconhecimento do dono da mesma. Tal assunção demonstra a falta de conhecimento em profundidade da realidade dos territórios e aldeias do interior do país, ancestralmente habituadas ao amanho das suas propriedades, em que em muitos casos a “oficialização” registral era secundarizada.
O que resulta do Decreto-Lei n.º 15/2019, de 21 de janeiro é uma transferência para a população de responsabilidades no processo de elaboração de cadastro, sem o devido acompanhamento e recolha de informação no terreno por parte das entidades do Estado responsáveis pela sua elaboração. Mais uma vez são os pequenos proprietários, idosos, emigrantes e população em geral que, sendo vítimas das políticas de sucessivos Governos do PS, PSD e CDS, foram afastados dos seus territórios de origem e que serão penalizados e espoliados do que é seu por direito.
A falta de referência explicita de proteção aos baldios e da exclusão dos terrenos baldios à aplicação deste regime é no entender do PCP uma lacuna grave, que o PCP não pode de forma alguma acompanhar. Os baldios têm uma lei própria, recentemente aprovada, pelo que não se venha agora tentar alterá-la ou contorná-la.
Acresce ainda que o processo de publicitação que o Decreto-Lei n.º 15/2019, de 21 de janeiro vem apresentar não garante a ampla informação que procedimentos desta natureza requerem, nem salvaguarda os direitos dos proprietários sobre os seus terrenos.
A possibilidade que agora se pretende abrir, do Estado requerer para si a posse, ainda que provisoriamente por 15 anos, dos denominados prédios sem dono conhecido e possibilitar por intermédio da criação de uma nova entidade gestora, do arrendamento ou cedência de gestão desses terrenos, é uma nova tentativa despudorada de espoliação de pequenas propriedades para as entregar a interesses monopolistas do grande capital, tentativa já por diversas vezes denunciada pelo PCP e que demonstra os reais objetivos que este diploma encerra.
Mais admite este diploma que, no caso do legítimo dono aparecer passado um ano, no caso do prédio usurpado estar já arrendado, o legítimo proprietário não apenas tem de assumir um contrato em que não teve intervenção, como ainda terá que pagar benfeitorias que não pediu.
Não é, pois, aceitável que, depois das populações do interior e do mundo rural terem sido abandonadas à sua sorte, de lhes terem sido roubados os serviços públicos, os empregos, e até as juntas de freguesia, depois de as terem empurrado para a emigração, agora até as parcelas de terreno, que gerações tentaram amealhar, lhes sejam agora retiradas.
Nada do que é conhecido das informações dos projetos piloto de cadastro já realizados infirma as declarações avulsas que se vão fazendo sobre o problema das terras ditas sem dono conhecido.
Assim sobre o cadastro rustico e misto, os resultados conhecidos até ao momento, E uma vez mais se reforça que no que ao cadastro rústico e misto os resultados conhecidos até ao momento, impõem que primeiro se avalie e situe a realidade de que se está a falar em termos de registo dos prédios, se dimensione a questão dos denominados prédios sem dono conhecido e então depois se faça a lei.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 4.º, n.º 1, alínea h) e 189.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP vem requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 15/2019, de 21 de janeiro, que procede à concretização do disposto no artigo 1345.º do Código Civil, aprovado pelo
Decreto Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, na sua redação atual, estabelecendo o procedimento de identificação e reconhecimento da situação de prédio rústico ou misto sem dono conhecido, adiante designado por prédio sem dono, e o respetivo registo, publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 14 — 21 de janeiro de 2019.
Assembleia da República, 26 de fevereiro de 2019