...transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852”
(Publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 239 — 10 de dezembro de 2020)
Exposição de Motivos
O Governo fez publicar, em 10 de dezembro de 2020, o Decreto-Lei n.º 102-D/2020, que vem proceder à revisão do regime geral da gestão de resíduos e do regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e procedendo a alterações ao regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, tendo como justificação a alteração do quadro jurídico da União Europeia neste domínio e a necessidade de proceder a alterações no âmbito da gestão de resíduos capazes de dar resposta a uma maior gestão sustentável dos materiais.
O diploma legal referido, agrupando um conjunto muito alargado de aspectos relacionados com a gestão de resíduos, indo desde elementos de planeamento, até à regulamentação da deposição de resíduos em aterro, incluindo também elementos relacionados com a gestão de fluxos específicos resíduos, é de grande complexidade, densidade e abrangência, o que, por si só, justificaria a promoção de uma discussão alargada em torno das múltiplas matérias apresentadas, envolvendo um conjunto de entidades interessadas e de cidadãos.
Contudo, tal como referido no seu enquadramento, o referido Decreto-Lei foi submetido a consulta pública por um escasso período de 15 dias, prazo esse claramente insuficiente para permitir uma análise reflectida e cuidadosa do diploma, avaliar as suas diversas implicações e tecer propostas de alteração que se entendessem necessárias. Neste sentido entende-se que não foram reunidas as condições necessárias para o exercício de participação pública pelos interessados, quer no que respeita a entidades, quer no que respeita aos cidadãos, condicionando, de forma inaceitável, este direito.
A política de resíduos deve considerar as componentes da prevenção, da produção e da gestão, respeitando as prioridades estabelecidas pela hierarquia dos resíduos, considerando a sua eliminação como operação de último recurso.
É sabido que no caso dos resíduos urbanos, a generalidade das metas nacionais estabelecidas para 2020 estão ainda longe de serem cumpridas, situação em que se destacam os indicadores “reparação para reutilização e reciclagem”, cifrada em apenas 41 % e a “deposição de resíduos urbanos biodegradáveis em aterro”, que representa 45 %, requerendo-se como tal a adoção de medidas capazes de inverter a situação.
Em matéria de recolha diferenciada de resíduos e seu encaminhamento segundo fluxos específicos, a predominância do sector privado na constituição das entidades gestoras de resíduos tem mostrado ser ineficaz para se poderem atingir os objectivos traçados em matéria de resíduos.
A opção de manter sob gestão privada o sector dos resíduos urbanos, não tem contribuído para a melhoria do desempenho ambiental do sector, que assente na perspectiva do “negócio”, deixa para trás a execução de medidas capazes de responder às necessidades e ao propósito da prevenção da produção e da valorização dos resíduos.
A continuada transferência de custos da gestão dos resíduos para os cidadãos, por via da crescente aplicação de taxas, sem que lhes sejam apresentadas alternativas credíveis ao nível do consumo de produtos e de deposição diferenciada, é outro dos aspectos que tem de ser objecto de análise e de correcção para que as soluções de eliminação por deposição em aterro sejam de facto reduzidas.
Nesta matéria é de salientar que o novo Regime Geral de Gestão de Resíduos constante do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, apresenta uma valorização acentuada da Taxa de Gestão de Resíduos que terá impactos profundamente negativos sobre as autarquias e por sua vez sobre as populações, pretendendo o Governo aplicar um aumento de 263,6% no valor da TGR, entre 2020 e 2025.
Esta medida tem sido amplamente criticada por diferentes entidades, dos quais se referem a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Área Metropolitana de Lisboa e a Associação de Municípios da Região de Setúbal, estando demonstrado que o aumento de taxas e tarifas por si só não conduzem a qualquer alteração de comportamento da população, sendo uma medida ineficaz e até com efeitos perversos, nomeadamente sobre as famílias com mais baixos rendimentos.
Importa também referir que o produto resultante da cobrança da taxa de gestão de resíduos, na sua esmagadora maioria, constitui receita da Agência Portuguesa do Ambiente, não tendo sido aplicada em investimentos em soluções que assegurem maior qualidade e racionalidade na gestão de resíduos.
O Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, incrementa a responsabilidade dos municípios no que concerne ao planeamento da gestão de resíduos e à sua recolha, sem que esta extensão de atribuições e responsabilidades seja acompanhada por um reforço de meios para o efeito, promovendo-se antes que estes custos sejam imputados às populações. Estas medidas fomentam o aumento das assimetrias e desigualdades entre regiões e municípios, mercê das capacidades de cada um para executar o que lhes é solicitado, prejudicando os municípios mais vulneráveis.
A transferência de competências, para o âmbito regional, no que respeita ao licenciamento de determinados aterros associados a estabelecimentos industriais, pode também comprometer a harmonização de critérios e de medidas de protecção do ambiente e da qualidade de vida das populações.
Neste sentido, o novo regime geral de gestão de resíduos não garante a harmonização de práticas e de opções de gestão, necessárias para uma gestão de resíduos mais racional e sustentável em todo o território nacional.
A adequada, racional e sustentável gestão de resíduos e a salvaguarda do ambiente requer o diálogo, discussão, concertação e envolvimento de todos os intervenientes no processo, envolvendo nomeadamente os municípios e as populações. Este processo não pode ser realizado contra as pessoas, mas sim com as pessoas, envolvendo, discutindo e sensibilizando, numa atitude pedagógica e de investimento em soluções ambientalmente adequadas e consistentes com as realidades concretas de cada concelho.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, que “Aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852”, publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 239 — 10 de dezembro de 2020.