Foi publicado o Decreto-Lei n.º 100, de 28 de novembro de 2018 que “Concretiza o quadro transferência de competências para os órgãos municipais no domínio das vias de comunicação”.
É um diploma que se apresenta como decorrendo da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, que determina o quadro de transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, desrespeitando os prazos nela previstos.
Um processo de descentralização no país implica observar a organização administrativa do Estado como um todo e não de forma parcelar como ocorreu.
Um processo de descentralização não se resume à transferência de competências entre a Administração Central e Local.
Um processo de descentralização implica a preservação da autonomia administrativa, financeira, patrimonial, normativa e organizativa interna das autarquias locais; a garantia de acesso universal aos bens e serviços públicos necessários à efetivação de direitos constitucionais e a universalização de funções sociais do Estado; a coesão nacional, eficiência e eficácia da gestão pública; a unidade do Estado na repartição legal de atribuições entre as entidades públicas e administrativas e a adequação do seu exercício aos níveis de administração central, regional e local; a clareza na delimitação de responsabilidades; a adequação dos meios às necessidades; e a estabilidade de financiamento no exercício das atribuições que lhes estão cometidas.
Um processo de descentralização implica o poder de execução, mas implica igualmente o poder de decisão, planeamento, programação, e quando aplicáveis, de fiscalização e demais de natureza similar necessários à concretização da atribuição, bem assim dos bens públicos, móveis ou imóveis, e demais meios que lhes estejam afetos.
Não é perante um processo desta natureza que se está presente. Não há conhecimento da realização de algum estudo que fundamente a transferência das competências identificadas na Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, bem como não se conhece qualquer avaliação rigorosa do impacto das transferências destas competências para as autarquias ao nível financeiro, técnico, de recursos humanos e organizacionais.
A legislação aprovada não garante a transferência dos meios adequados. A Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto refere que os montantes integram o Orçamento do Estado, tal como remete a regulamentação para os diplomas setoriais. Entretanto é criado o Fundo de Financiamento da Descentralização que remete o modelo de distribuição das verbas para os diplomas setoriais e estes por sua vez remetem para posterior regulamentação. Os mapas referentes ao Fundo de Financiamento de Descentralização não constam do Orçamento do Estado para 2019, em violação da atual Lei das Finanças Locais.
Portanto, está-se perante uma inaceitável desresponsabilização do Governo e não um processo de descentralização, antes de transferência de encargos para as autarquias.
São ainda transferidas competências da Administração Central diretamente para as entidades intermunicipais, que não são autarquias, nem integram a organização administrativa do Estado, o que discordamos totalmente.
No caso da rede viária, estamos perante uma situação de particular melindre e gravidade que deve suscitar as maiores preocupações. O presente decreto-lei passa a competência dos órgãos municipais a gestão de praticamente toda a rede viária que não corresponda a Itinerário Principal ou Complementar.
No preâmbulo do diploma em apreço, o Governo afirma: «Os municípios têm vindo a desempenhar um papel essencial na administração das estradas sob sua gestão, face à sua relação de proximidade. Este modelo deve ser replicado nas vias rodoviárias integradas em perímetro urbano que ainda não estão no domínio público municipal.» A experiência concreta e a evidência trágica com que o País tem sido confrontado neste mês são a demonstração bastante da falsidade desta afirmação do Governo. O que se tem verificado ao longo dos anos e das décadas, em matéria de desclassificação de estradas e transferências de competências para a sua gestão e manutenção, justifica e exige uma profunda reflexão crítica sobre as opções políticas que têm sido seguidas, e não a sua generalização por via destes procedimentos.
Curiosamente ou talvez não, é excluído da transferência para os municípios o chamado “canal técnico rodoviário”, infraestrutura que é a base material da atividade económica de enorme rentabilidade e potencial na área das telecomunicações, afeta à IP Telecom e que esteve (e está) permanentemente soba a mira dos interesses dos grandes grupos económicos do sector.
Pela relevância e complexidade deste processo, consideramos que a Assembleia da República não pode ser colocada à margem, por isso nos defendemos que os diplomas setoriais que desenvolvem a transferência de competências em cada uma das áreas não deveriam assumir a figura de decreto-lei, mas sim de proposta de lei para serem apreciados e discutidos na Assembleia da República.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 100/2018, de 28 de novembro de 2018, que “Concretiza o quadro transferência de competências para os órgãos municipais no domínio das vias de comunicação”, publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 229 — 28 de novembro de 2018.
Assembleia da República, 29 de novembro de 2018