Intervenção de

Declaração política verberando a falta de elementos fornecidos pelo Governo acerca da Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio que se iniciou em Hong Kong<br />Intervenção de Agostinho Lopes

Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Poderíamos hoje, em Dezem-bro de 2005, infelizmente, repetir a intervenção que nesta Assembleia fiz a 25 de Novembro de 1999 sobre a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio que ia então realizar-se em Seattle. Seis anos são passados sobre esse debate requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP e temos de constatar que a justeza das questões que então levantámos, as razões das críticas que então fizemos ao governo do PS e de António Guterres na abordagem da Conferência, podem hoje continuar a ser levantadas e a ser feitas. Vale a pena referir os avisos que então fizemos relativamente aos problemas do têxtil e da agricultura por-tugueses. Lembro que estávamos em vésperas de início do processo de liberalização total do comércio têxtil e recordo o questionamento que então fizemos ao ministro da Economia sobre o significado e as con-dições da entrada da China na Organização Mundial do Comércio. Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados:Mais uma vez, uma negociação internacional, como aquela que ontem se iniciou em Hong Kong, uma ronda do ciclo de Doha da OMC, passa completamente ao lado desta Assembleia. E, no entanto, é relevante e evidente a sua importância para o País e para os povos e paí-ses do planeta, em particular para os que sofrem de fome, doenças e epidemias terríveis, têm níveis de mortalidade infantil, esperança de vida e pobreza inaceitáveis e enfrentam enormes carências nos serviços de saúde e educação. Mais uma vez, um Governo do PS, como, aliás, fizeram os governos do PSD, subtraiu a esta Assem-bleia e aos partidos da oposição uma informação adequada e o direito de se pronunciar sobre o conteúdo da condução governamental das negociações. Mais uma vez, um assunto com uma relevância que nin-guém pode contestar é tratado pelo Governo, na União Europeia e na própria Conferência Ministerial, sem que o País conheça a sua estratégia. Conhecemos apenas, através de algumas poucas notícias de órgãos de comunicação social, as generalidades sobre a liberalização e os necessários equilíbrios proferidas pelo Ministro da Economia, que, aliás, nada disse, apesar de questionado sobre o assunto nesta Assembleia durante o debate do Orçamento do Estado. Juntam-se a estas generalidades algumas palavras ontem pro-feridas pelo Ministro da Agricultura. Não conhece esta Assembleia nem o País a composição da delegação do Estado português, não sabe-mos que organizações sociais de trabalhadores, agricultores, empresários, quadros técnicos e homens da cultura ouviu o Governo na preparação do trabalho dessa delegação. Não sabemos o que o Governo pensa relativamente aos principais dossiers em debate em Hong Kong. Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados:Quais foram, então, as orientações para as nego-ciações da Organização Mundial do Comércio defendidas por Portugal nos diversos órgãos da União Euro-peia? Foram as mesmas que levaram os Deputados do PS no Parlamento Europeu a aliar-se com os Depu-tados do PSD e do CDS-PP (e os respectivos grupos parlamentares, o PE, PSE, PPE, UEN e ALDE) numa resolução comum. Resolução que reafirma a liberalização do comércio mundial, ou seja, a abertura dos mercados à completa concorrência entre países com enormes disparidades nos níveis de desenvolvimento económico, para alegria e lucro dos grandes grupos económico-financeiros. Uma resolução que insiste na mistificação de que é pela liberalização do comércio, no quadro da ofensiva de globalização capitalista neo-liberal, que será assegurado o desenvolvimento, quando, pelo contrário, se têm acentuado a pobreza e as desigualdades a nível mundial, tendência que piorará, a continuarem as actuais políticas, como alertou recentemente o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). A liberalização, por seu turno, significa o ataque a conquistas dos trabalhadores e à soberania dos povos, a apropriação por parte das grandes multinacionais dos recursos naturais e da biodiversidade, a destruição ambiental, o aumento do desemprego, a ruína de milhões de pequenos agricultores e o colocar em causa a soberania e a segurança alimentares. Sr. Presidente e Srs. Deputados, no actual quadro das negociações de Hong Kong, o PCP considera que Portugal e a União Europeia deveriam defender uma real política de desenvolvimento e de relações comerciais coerentes com esse objectivo e atender às preocupações da maioria dos cidadãos europeus em matéria de desemprego, como as deslocalizações, a redução de direitos sociais e outros. Na nossa opinião, Portugal e a União deviam ainda pugnar por que os direitos à soberania e segurança alimentares fossem reconhecidos como prioridades absolutas para todos os países, opor-se à insistência na liberalização dos serviços a nível mundial e considerar que os serviços públicos devem, no mínimo, ser excluídos de quais-quer acordos comerciais, excluindo explicitamente, em todo o caso, desses acordos a saúde, a educação, a cultura (incluindo o sector audiovisual) e o ambiente (incluindo a gestão da água). Deviam a União e Portugal, no quadro destas negociações, propor que a reforma dos acordos sobre a propriedade intelectual permita e facilite o acesso dos países menos desenvolvidos aos medicamentos para a luta contra as epidemias, tais como VIH, tuberculose, malária e outros, apoiar a pro-posta dos países em desenvolvimento de proibir a possibilidade de patentear a vida e proteger a biodiversi-dade e defender amplamente a prática do princípio da precaução, particularmente no que se refere à pro-pagação de organismos geneticamente modificados. Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: O PCP continua a defender e a reclamar um acordo geral e glo-bal do comércio internacional, dando um conteúdo, objectivos e funcionamentos novos a uma Organização Mundial do Comércio reformada e integrada nas estruturas da ONU. Um acordo precedido por um largo debate, permitindo a real intervenção dos povos e países e das organizações sociais. Um acordo que asse-gure a democraticidade e a transparência das negociações e funcionamento das instituições da Organiza-ção Mundial do Comércio. Um acordo que tenha por objectivo a construção de uma nova ordem internacio-nal justa, equilibrada e democrática, assente na cooperação entre povos e países soberanos e iguais em direitos, orientada pelos valores da paz, da democracia, do progresso social e da amizade entre os povos, recusando a globalização comandada pelo capital transnacional e ofensiva dos direitos dos povos e dos equilíbrios ambientais.

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