Senhor Presidente Senhores Deputados
Num quadro de agravamento da situação nacional, particularmente no plano social, o Governo continua a acreditar que pela via da encenação e da propaganda é possível esconder os efeitos nefastos da sua política.
Com pompa e circunstância foi anunciado pelo Primeiro Ministro que finalmente se chegou ao almejado deficit de 2,8% irritando-se pela ingratidão manifestada por diversas forças da oposição que espelharam bem os sentimentos que prevalecem no seio da maioria do povo português.
O problema maior não está no exercício de engenharia contabilística que, aliada à venda de algumas “jóias da família”, permite esse resultado oficial.
A questão central continua a ser a opção de políticas económicas e sociais que, mediante a sacralização do deficit, e com a sua cobertura visa concretizar a mais vasta e profunda ofensiva contra os direitos e as legítimas aspirações dos trabalhadores e de outros sectores e camadas sociais mais vulneráveis desde o 25 de Abril de 1974.
É que assim, com o custo de vida a aumentar, com os salários a desvalorizarem, com o desemprego a disparar, com as precariedades e inseguranças a proliferar, com a saúde, o ensino, os serviços públicos a privatizar, bem pode pregar este Governo contra a desconfiança, o descontentamento e a luta social. Bem pode proclamar a necessidade de pactos e compromissos que em última análise colidem insanavelmente com a realidade e com as suas práticas e políticas.
Neste quadro de grandes encenações juntaram-se algures no Convento do Beato uns quantos banqueiros, grandes empresários mais uns dirigentes partidários, acolitados por um destacamento de tecnocratas e gestores formados na cartilha neo-liberal.
Aprovaram 30 medidas! Trinta! Onde não se enxerga quase nada sobre gestão, organização e os verdadeiros factores de impulso do aumento da produtividade e competitividade e da produção nacional.
Como alguém já afirmou não descobriram petróleo no Beato. Descobriram a pólvora!
Mas estavam animados de um triplo objectivo:
1º A tentativa de absolver a política de direita de sucessivos governos e em particular as suas políticas económicas pelo estado em que o país se encontra.
2º Procurar garantir no actual momento de crise e de dificuldades que a factura continue a sobrecarregar os trabalhadores, os reformados, os pequenos e médios empresários, amassando o lucro ao lucro para o capital financeiro e especulativo.
3º Assegurar mais à frente e ao abrigo de sobressaltos eleitorais, a continuidade das políticas de direita e enraizamento da ideologia neo-liberal na configuração de um modelo sócio-económico para o País à revelia da Constituição da República. Inquieta é saber que alguns dirigentes do PS possam considerar um acontecimento interessante e cheio de modernidade que propõe a liberalização selvagem dos despedimentos, o agravamento do Código do Trabalho, o garrote por mais 3 anos nos salários da Administração Pública, maior redução da despesa pública, diminuição dos serviços de justiça pela subida dos custos judiciais, o agravamento do princípio de que quem quer saúde e educação paga! Juntando as reclamações privatizadoras e descontando a conversa fiada e adjectivada, tais exigências e reivindicações têm barbas!
Com empresários e gestores destes não admira, senhor Presidente e senhores Deputados, o estado das condições de vida e de trabalho e o grau de efectivação dos direitos dos trabalhadores, os atrasos da produtividade e da competitividade nas empresas.
Mas o conclave do beato teve um quarto objectivo. Dar campo de manobra ao Governo para prosseguir a sua ofensiva legislativa e permitir alguma recuperação da imagem do Ministro do Trabalho que se esforçou em tudo o era televisão, rádio ou jornal, para vender a ideia salomónica de que corta a meio. É claro, lá vai afirmando que a culpa é da Constituição!
A realidade é bem diferente! O Governo já fez agendar para 4 de Março, aqui na Assembleia da República, a discussão e votação na generalidade do segundo pilar do Código do Trabalho que traz no bojo mais mutilações aos direitos dos trabalhadores particularmente no plano dos direitos colectivos, já anuncia cortes no subsídio de desemprego na linha do que vai fazer a partir de Abril com o subsídio de baixa por doença. Na Administração Pública inicia-se o emprateleiramento de trabalhadores classificados como supranumerários, no sector privado assiste-se ao bloqueamento da contratação colectiva visando mais à frente a sua caducidade, começa a sentir-se agora com mais dureza o aumento do custo de vida e a perda do poder de compra dos salários, prosseguem os despedimentos, as deslocalizações e as falências, com o desemprego a aumentar.
Os que no Governo, e não só, propõem pactos, consensos e diálogo estéril, esperavam o quê, senhores Deputados da direita, senhores membros do Governo?
Que os trabalhadores não reagissem e não lutassem pelos seus direitos? Nós sabemos que são muitos os trabalhadores pressionados por muitas inseguranças e incertezas que, por exemplo, nas empresas deslocalizadas julgaram que se não se sindicalizassem, se não reivindicassem, se não lutassem, a empresa não encerrava e os seus direitos estavam assegurados. Às vezes descobrem tarde demais!
Mas mais são aqueles que ganham consciência desta ofensiva, dos efeitos que provoca, das responsabilidades do Governo PSD/CDS-PP e das suas opções políticas e de classe, com a convicção de que se lutarem nem sempre vencerão mas que se não lutarem perderão sempre.
Que é urgente não a mesma política com outra forma e outros rostos. Que é preciso e é urgente uma outra política e um outro Governo num rumo de progresso e desenvolvimento.