Intervenção de

Declaração política sobre a política educativa<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor PresidenteSenhoras DeputadasSenhores Deputados A definição e a execução de qualquer medida política por mais restrita que possa parecer implica por parte de quem governa – competência e esta só se adquire com o conhecimento. Naturalmente que a ausência de ambos não pode disfarçar-se durante muito tempo com o autismo, a arrogância e o autoritarismo. Primeiro porque são disfunções comportamentais que, pela reincidência, se evidenciam; segundo porque as técnicas do disfarce, vulgarmente enunciadas na política pelo faz de conta, têm sempre os dias contados. Mas há áreas que pela sua importância estratégica para o ser humano, enquanto cidadão individual e para a sociedade no seu conjunto deveriam possuir sistemas de imunidade que impedissem os responsáveis pela acção política de concretizar verdadeiros atentados ao desenvolvimento. A educação é exactamente uma dessas áreas. Chegam e partem os ministros sem que se conheça o projecto educativo que tinham ou têm para o país. Falam de qualificação há décadas. Anunciam combates contra o abandono e o insucesso, reduzindo-os ao espaço da escola. Culpam pais e professores das políticas que os próprios gizaram. Defendem exames desde a mais tenra idade porque as crianças e os jovens não estudam, nem trabalham. Fazem e desfazem circulares, portarias, decretos e leis sempre e só com um único objectivo – deixar a chancela de quem acabou de chegar e apagar a existência de quem acabou de sair. E neste insano trabalho, não admite o Governo, o ministro que é primeiro ou a ministra, que, talvez, só por uma vez, não sabem tudo das escolas, dos alunos e dos pais. Se o voluntarismo é sempre perigoso, em política e na educação é um verdadeiro desastre. Mas não é a educação que preocupa o Governo. O sistema educativo é um mero instrumento, enquanto serve como cenário para anunciar medidas que tão cedo não serão avaliadas e que de forma ligeira e aritmética se transformam em estatística. O ensino do inglês no 3º e 4º anos do ensino básico foi repetentemente anunciado. Diz o Governo que a cobertura é quase total. Não é verdade. Hoje sabe-se que muitas crianças, pelo simples facto desta área disciplinar ser extra-curricular e por isso facultativa, não a frequentam. Para além disso a organização existente nas escolas do 1º ciclo do ensino básico condicionou os horários do ensino da língua inglesa em tempos e espaços incompatíveis com a vida das famílias. Mas não só. Hoje também já se sabe que esta oferta em muitas escolas públicas ou é privatizada ou transferida para a tutela autárquica. O Estado desresponsabiliza-se totalmente pelos processos de ensino-aprendizagem. Mas ao Governo o que interessa são os números e a diminuição dos recursos humanos e financeiros. A qualidade é para os governantes uma nota de rodapé. Recentemente, uma professora destas “inovadoras” aulas de inglês, contratada verbalmente e à hora por uma empresa, cuja sede se situa entre Odivelas e Funchal e que nem o contrato verbal cumpria, denunciou as irregularidades à respectiva autarquia, neste caso Amadora. É, no mínimo interessante, a resposta que obteve e que passo a citar:

“Não temos nada a ver com o assunto, isso é com a sua entidade patronal”; “Nós pagamos as aulas aos professores como pagaríamos qualquer produto ou serviço – aglomerado de madeira… ou… uma dúzia de ovos”; “A única coisa que nos interessa é que as coisas funcionem pedagogicamente”.

Mas as soluções sérias e não discriminadoras eram possíveis, se o Governo quisesse. Os agrupamentos de escola reúnem condições para garantir a leccionação desta área dentro do âmbito curricular e por isso de acesso para todos os alunos. E se houvesse necessidade, a escola poderia recrutar docentes, dos milhares que estão desempregados e profissionalizados. Senhor PresidenteSenhoras DeputadasSenhores Deputados Mas o mais preocupante voluntarismo da governação está em curso. É o abate indiscriminado das escolas do 1º ciclo do ensino básico e dos Jardins-de-infância. Todos os métodos são válidos. Desde faltar à verdade até ao incumprimento da Constituição da República Portuguesa. O encerramento de escolas não se iniciou com este Governo. Este processo decorreu, durante alguns anos, sem grandes sobressaltos e sem desrespeito pela comunidade educativa e pelas autarquias. Entretanto, o Governo anterior decidiu criar agrupamentos na 5 de Outubro, contrariando a legislação em vigor. Decretaram-se armazéns de milhares de alunos e agruparam-se centenas de escolas. O objectivo, dizia o Governo, era permitir melhores condições de trabalho e acabar com escolas de quadro e giz. Nada menos verdadeiro. As responsabilidades aumentaram mas as exíguas contrapartidas financeiras e humanas mantiveram-se. E as autarquias, resolveram como puderam, às vezes mal, os transportes, as refeições, os auxiliares de acção educativa, as actividades extra-curriculares, a acção social escolar e tudo o mais que era preciso. E os Governos o que fizeram? Acusar as autarquias de endividamento e puxar-lhes o tapete do financiamento. Mas os contornos da extinção que está em curso das escolas do 1º ciclo ultrapassam e muito as razões tornadas públicas. Disse o Governo que seriam 500, depois 1.000, logo em seguida 4.000 e recentemente 4.500 até ao fim desta legislatura. Disse o Governo que seriam exclusivamente escolas com insucesso escolar superior à média nacional. Disse o Governo que só seria encerrada uma escola desde que existisse alternativa com condições. Disse o Governo que seriam encerradas escolas com 10 ou menos alunos. Mas o mais grave o Governo não disse. O que o Governo não disse é que 4.500 escolas encerradas até 2009, significa mais de 60% das escolas básicas do 1º ciclo que funcionam em 2005/2006. O que o Governo não disse é que o sucesso e o insucesso das crianças não será determinante. Há escolas com 100% de sucesso que vão ser encerradas. O que o Governo não disse é que serão encerradas milhares de escolas com mais de 10 alunos. O que o Governo não disse é que não ouviu a maioria das escolas, dos agrupamentos, das autarquias, dos pais e dos professores. O que o Governo não disse é que o concurso de colocação de docentes que decorre neste momento já não conta com os milhares de escolas que segundo o Governo deverão encerrar, independentemente da vontade e da opinião de todos os outros interlocutores que, para o Governo, não existem, mas que a Senhora Ministra, diz ouvir, naturalmente depois da porta fechada. O que o Governo não disse é que em primeiro lugar as escolas são encerradas, os professores ficarão com emprego ou não e as crianças seguirão para uma escola de acolhimento, tipo adopção, havendo ou não melhores condições de aprendizagem. O que o Governo não disse é que esta medida também irá ser tomada para os Jardins de Infância. E antes que algum senhor deputado mais descrente possa considerar esta medida do reino de Ionesco, passo a ler um esclarecimento de uma Direcção Regional dirigido a todos os Conselhos Executivos de Agrupamentos de Escolas:

À semelhança do que está a ser feito com a rede do 1º ciclo do ensino básico, pelas mesmas razões e pretendendo atingir os mesmos objectivos, estamos também empenhados na requalificação da rede da educação pré-escolar, considerando que, quando confrontados, em muitos casos, com reduzidas frequências, julgamos não estar a contribuir para o sucesso educativo das gerações vindouras.”

Claro que a informação não fala de transportes, nem reflecte sobre as consequências sócio-afectivas e sócio-pedagógicas destas crianças de 3, 4 ou 5 anos. Claro que a informação não propõe que os pais e encarregados de educação sejam ouvidos. No entanto, esclarece que todo o processo deverá estar concluído até 31 de Março. Mas o que o Governo não disse também é que o abate das escolas públicas do 1º ciclo do ensino básico, segundo informações veiculadas também pela administração regional de educação, será realizado violando as mais básicas noções pedagógicas e contrariando a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo. Propõem-se transferências compulsivas de alunos do 1º ciclo para as escolas básicas do 2º e 3º ciclos e de alunos deste último ciclo para as secundárias. Um movimento que se denomina em “cascata”, sem a mínima referência ao processo de deslocação dos alunos e dos docentes, ao funcionamento das escolas e à obrigatória alteração do seu quadro de pessoal. O objectivo é claro. Concentrar o maior número de alunos no menor número de estabelecimentos de ensino com o mínimo de professores e outros trabalhadores. Em momento algum se equaciona sequer a qualidade da resposta educativa ou da melhor solução para as crianças e para os jovens atingidos por tão grande e manifesta maldade. Ficamos também a saber que para o Governo socialista não há escola pública e escola privada. Ficamos também a saber que para o Governo socialista há uma nova nomenclatura – os operadores educativos estatais e ou privados com iguais responsabilidades na rentabilização máxima dos equipamentos. Ficamos também a saber que será possível que um aluno seja compulsivamente colocado numa escola privada, ainda que a família pretenda que ele frequente uma escola pública. Percebe-se assim muito melhor o que significa para o Governo socialista a requalificação do 1º ciclo. Encerra escolas públicas e promove a abertura de escolas privadas, desrespeitando a Lei de Bases do Sistema Educativo e o texto constitucional que no seu artigo 75º obriga o Estado a criar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. Não está em causa a necessidade de reestruturar a rede escolar. Mas não é este o objectivo do Governo e por isso optou por uma solução de formato único. O que está na génese deste movimento são opções meramente economicistas de encerramento de serviços públicos, inspiradas na tese de menos Estado, melhor Estado. E nesta azáfama neo-liberal vale tudo. É o desrespeito pelas cartas educativas dos Concelhos. Pelos planos estratégicos de desenvolvimento das regiões. Pelas estratégias de combate à desertificação que muitas autarquias estão a concretizar, diversificando os pólos de atracção do seu território. É o agravamento das assimetrias do país, sobretudo no interior. É a promoção do desenraizamento territorial e familiar das crianças. É por isso que afirmamos que todas as decisões tomadas nesta área têm que resultar de um debate democrático que envolva as autarquias, as populações e as comunidades educativas. A técnica do quero, posso e mando pode disfarçar mas não esconde tudo. Disse. Sr. Presidente, Considero que as questões levantadas quer pela Sr.ªDeputada do Partido Socialista quer pela Sr.ª Deputada do Bloco de Esquerda são extremamente importantes,embora para algumas delas a minha intervenção já contenha as respostas. Mas, porque algumas dúvidas ficaram — nós, na educação, costumamos dizer que pragmatizar o conhecimento com exemplos é a melhor maneira para alguns compreenderem —, vou dar alguns exemplos, Sr.ª Deputada do Partido Socialista. Em primeiro lugar, quero dizer-lhe, com toda a tranquilidade, que é falso, não é verdade, que haja alguma reflexão e algum debate sérios com os interlocutores de toda a comunidade educativa. Estou a falar de pais e de encarregados de educação e estou a falar de professores. Já não falo das estruturas sindicais, que o Partido Socialista não suporta ouvir mas falo dos autarcas. E, Sr.ª Deputada, o que os autarcas dizem é que estão a saber pela comunicação social e pelas direcções regionais, que, como a Sr.ª Deputada sabe, são organizações desconcentradas do Ministério, que as suas escolas vão ser encerradas. Como o Sr. Deputado quer exemplos, eu dou-lhe o exemplo de Santarém, de cuja Câmara Municipal sou vereadora. Nós dissemos à Direcção Regional de Educação de Lisboa que as escolas a encerrar não eram aquelas mas, sim, outras, porque, no concelho de Santarém, havia cartas educativas e estratégias de combate à desertificação que não podiam ser ignoradas. Resposta da DREL: «Quem manda somos nós, as que se encerram são estas e não são outras!». Este é o debate «sério». Esta é a reflexão «séria»!?… Dou-lhe um outro exemplo: os presidentes de câmara informam, através da comunicação social — e a Sr.ª Deputada deve ler, com certeza! —, que, nos seus concelhos, se prevê encerrar escolas que não estão previstas, quer do 1.º ciclo quer jardins-de-infância, sem qualquer discussão entre as respectivas direcções regionais e as autarquias. Isto em Viseu, na Guarda, em Castelo Branco, em Coimbra, no Alentejo, em Beja, em Évora… Quer mais exemplos, Sr.ª Deputada? Então, quanto aos exemplos, estamos despachados. Vamos a uma outra questão. Diz a Sr. Deputada que tudo está a ser discutido. Vamos partir do princípio de que estes exemplos são inventados pelos autarcas e de que é verdade aquilo que diz. Mas não é! E sabe porque é que não é? Porque, neste momento, está a decorrer no País um concurso nacional do ensino básico, como, aliás, a Sr.ª Deputada deve saber, e nesse concurso o Ministério já fez «saltar» todas as escolas e todos os jardins-de-infância que pretende encerrar. Ou seja, os professores que estavam colocados nessas escolas e nesses jardins-deinfância, neste momento, não sabem o que lhes vai acontecer, porque as suas escolas e os seus jardinsde- infância estão encerrados. Portanto, é perfeitamente falso que a Ministra, o Governo ou o Partido Socialista andem a discutir algum encerramento de escolas e algum reordenamento da rede. Não há nada mais falso! Quanto às aulas de Inglês, Sr.ª Deputada, eu pensava que, depois do que eu disse da tribuna, a última coisa que quisesse fosse que eu falasse, novamente, das aulas de Inglês. Tenho comigo uma carta de uma professora que escreveu ao seu camarada Presidente da Câmara Municipal da Amadora e a resposta que a Câmara lhe deu foi a de que dar aulas de Inglês ou vender dúzias de ovos ou aglomerados de madeira é a mesma coisa. Então, a Sr.ª Deputada quer que eu diga isto outra vez para toda a gente ouvir?! Falou, ainda, a Sr.ª Deputada em defesa da escola pública. Sr.ª Deputada, também pensei que, depoisde eu ter dito aquilo que disse da tribuna, ou seja, que há uma nova nomenclatura chamada «operadores educativos», proposta pelo Governo, que põe ao mesmo nível operadores privados e públicos, a Sr.ª Deputada não tivesse sequer a coragem de dizer que o Governo pretende defender a escola pública. O documento, que tenho em meu poder, de uma direcção regional, intitulado Normas regulamentadoras do movimento da rede escolar em cascata — uma terminologia nova que há agora em pedagogia —, diz exactamente que privados e públicos é tudo a mesma coisa. Portanto, promove-se a abertura de escolas e colégios e encerram-se escolas públicas e, se o Governo assim o entender, em nome do reordenamento nacional, propõe-se que uma criança cujos pais queiram que ela vá para uma escola pública o não vá e vá compulsivamente para uma escola privada. É isto que é a defesa da escola pública?! Sr.ª Deputada, se, neste momento, o seu partido e o seu Governo nem a Constituição da República Portuguesa respeitam como podem respeitar as vontades e as necessidades das populações e dos autarcas!?  

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