Intervenção de

Declaração política sobre a Polícia Judiciária Militar<br />Intervenção de António Filipe

Senhor Presidente, Senhores Deputados,Na reunião da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional realizada ontem, dia 30 de Setembro de 2003, os partidos da maioria juntaram os seus votos para rejeitar uma proposta do PCP para que fossem ouvidos nessa Comissão o Coronel Alcino Roque, sub-director da Polícia Judiciária Militar durante 16 anos e demitido pelo actual Ministro da Defesa Nacional e o Major General Governo Maia actual Director dessa Polícia, sobre quem recaem acusações de graves irregularidades no exercício das suas funções.Trazemos esta questão ao Plenário da Assembleia da República porque entendemos que esta atitude da maioria tem de ser publicamente denunciada e não pode passar sem um veemente protesto da nossa parte.Ao impedir, sem qualquer justificação aceitável ou sequer plausível, que a Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia procure esclarecer o fundamento das acusações de graves irregularidades que foram publicamente imputadas ao funcionamento da Polícia Judiciária Militar, a maioria está a impedir, de forma prepotente, a Assembleia da República, de exercer as suas atribuições constitucionais de fiscalização da actividade do Governo e da Administração Pública, e está a contribuir, de forma irresponsável, para que se mantenha em torno da Polícia Judiciária Militar um clima de suspeição que é a qualquer título indesejável.Em Julho deste ano, já depois de encerrados os trabalhos da sessão legislativa, o Coronel Alcino Roque enviou a esta Assembleia uma exposição, que havia enviado um ano antes ao Ministro da Defesa Nacional, contendo acusações de graves irregularidades praticadas pelo Major-General Governo Maia enquanto Director da Polícia Judiciária Militar.Depois de ler essa exposição, ninguém pode ficar tranquilo. E não há ninguém, que tenha responsabilidades públicas e que tenha algum sentido da responsabilidade, que possa ignorar a gravidade das acusações que aí são feitas e que não considere indispensável apurar a sua veracidade e exigir um sério e rigoroso apuramento de responsabilidades. É que, de duas uma: Ou as acusações feitas pelo Coronel Alcino Roque são falsas, e nesse caso estaremos perante um ou vários crimes de difamação; ou as acusações são verdadeiras e nesse caso estaremos perante graves ilícitos criminais e disciplinares, envolvendo a chefia da Polícia Judiciária Militar e pelo menos um magistrado judicial que aí presta serviço.Perante isto, impunha-se obviamente que a Assembleia da República, através da Comissão de Defesa Nacional, assumisse as suas responsabilidades e procurasse apurar da veracidade dos factos imputados, ouvindo o Coronel Alcino Roque e as entidades visadas pelas suas acusações. Seria esse o único caminho responsável a seguir. Mas foi esse o caminho que a maioria não permitiu que se seguisse.As acusações de que estamos a falar, são muito graves.Estamos a falar de eventual tratamento ilegal de escutas telefónicas. Refere-se na citada exposição, que toda a prova gravada por via de escutas às comunicações relativa a um processo de crime internacional organizado foi transferida para a guarda de um major da confiança pessoal do Director, a quem está vedado o acesso ao material das escutas, e que a audição, registo e recolha das conversações escutadas foi confiada a um aspirante a oficial miliciano e a um praça da armada, ambos sem a menor qualificação ou credenciação para efectuar esse trabalho altamente sensível.Estamos a falar de eventuais violações do segredo de justiça, traduzidas na reprodução através da comunicação social do conteúdo de interrogatórios a arguidos, efectuados pela PJM, com a presença de pessoas não autorizadas por lei.Estamos a falar de alegadas intromissões do Director da PJM na condução de processos e na selecção de diligências a efectuar e de acusações de uma inaceitável promiscuidade na condução de processos, envolvendo esse director, pessoas da sua confiança e um magistrado judicial.Estamos a falar de vultuosas obras desnecessárias alegadamente efectuadas no edifício da PJM, com eventuais prejuízos para a actividade operacional, privada dos recursos financeiros assim desviados.Estamos a falar de alegadas mordomias, desproporcionadas, conferidas a pessoas da confiança pessoal do Director da PJM.Estamos a falar de eventuais gastos sumptuários e supérfluos, determinados pelo Director da PJM, contrariando orientações ministeriais de contenção de gastos e envolvendo relações menos transparentes com empresas fornecedoras.Estamos a falar de alegadas despesas exorbitantes com refeições oferecidas pelo Director da PJM, envolvendo milhares de contos e centenas de convidados, no espaço de poucos meses.Estamos a falar de uma alegada paralisia da actividade operacional da Polícia Judiciária Militar susceptível de paralisar a investigação de processos de grande importância e complexidade.Apesar da exposição que foi enviada à Assembleia da República conter provas documentais de muitas das acusações formuladas, ignoramos em absoluto se tais acusações têm fundamento. Por muito impressivas que sejam algumas provas, ninguém deve precipitar qualquer juízo condenatório sem ouvir as razões de todas as partes envolvidas. E por isso mesmo, entendemos que tendo a Assembleia da República o dever constitucional de fiscalizar a actividade do Governo e da Administração, temos não apenas o direito, mas também o dever, de tentar apurar a veracidade dos factos que são imputados.Não existe a mínima afinidade política entre o PCP e o Coronel Alcino Roque. Quem conhece o passado de ambos sabe isso perfeitamente. Aliás, basta ler a exposição a que me refiro nesta intervenção, para verificar, pela terminologia que é utilizada, que o ex-subdirector da Polícia Judiciária Militar e o PCP se situam em campos políticos diametralmente opostos.Só que o que está aqui em causa não são as convicções ou simpatias políticas de cada um. O que aqui está em causa é o funcionamento do Estado de Direito Democrático e a legalidade da actuação de quem dirige superiormente a Polícia Judiciária Militar.A Assembleia da República, enquanto órgão representativo dos portugueses, tem o dever de averiguar se é verdade ou não que o material relativo a escutas telefónicas é tratado de forma ilegal pela PJM; se é verdade ou não que o Director da PJM interfere na investigação de processos em curso e se conta com a cumplicidade de algum magistrado judicial; se é verdade ou não que o director da PJM atribui missões ilegais e mordomias desproporcionadas a pessoas da sua confiança pessoal; se é verdade ou não que a Direcção da PJM promove directamente violações do segredo de justiça; se é verdade ou não que o dinheiro dos contribuintes posto à disposição da PJM é gasto em obras desnecessárias, em aquisições supérfluas, e em convites para almoços e jantares para além de tudo o que é razoável.Dir-se-á que não se pode acreditar em tudo o que nos dizem. Nem sequer em tudo o que se vê. Mas daí não podemos tirar a conclusão da falsidade de tudo o que nos dizem ou procuram demonstrar. Não sabemos quais das acusações do Coronel Alcino Roque são verdadeiras: Se todas, se algumas, ou se nenhumas. Não sabemos se estamos perante justas denúncias ou graves difamações. Mas temos a estrita obrigação de tentar saber.Mas mais ainda: Temos o direito e o dever de questionar a actuação do Governo e em particular do Ministro da Defesa em todo este processo. Senão vejamos: O Coronel Alcino Roque enviou a sua exposição ao Ministro da Defesa em Julho de 2002. A resposta que obteve não foi a abertura de qualquer processo de averiguações. Foi a sua exoneração, comunicada pelo telefone, cerca de um mês depois. E só cinco meses depois é que o Ministro da Defesa Nacional determinou uma inspecção ordinária à PJM, a efectuar pela Inspecção-geral da Defesa Nacional, que nem sequer incidiu sobre as acusações mais graves que constam da referida exposição.Ou seja: o Ministro da Defesa recebeu denúncias de graves irregularidades cometidas na PJM, feitas por alguém que foi durante 16 anos subdirector desse Serviço. E a primeira atitude que tomou não foi mandar averiguar a veracidade das acusações. Foi demiti-lo. E entretanto, as denúncias feitas continuam sem ser cabalmente averiguadas.Diz a sabedoria popular que quem não deve não teme. Perguntamo-nos por isso, o que teme a maioria para impedir que a Comissão Parlamentar de Defesa Nacional promova a audição do anterior Subdirector e do actual Director da PJM. Não se trata seguramente de preservar o prestígio da PJM, porque não há nada que mais abale o prestígio da PJM do que a continuada suspeição da prática de irregularidades e de actuações ilegais por essa instituição. O que exige o prestígio da PJM é o esclarecimento da verdade. E é esse esclarecimento que a maioria impede, impondo a “lei da rolha” no funcionamento da Comissão de Defesa Nacional.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Saúde
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • Polícia Judiciária