Intervenção de

Declaração Política sobre o combate à droga e à toxicodependência<br />Intervenção de Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,De quando em quando, de acordo com a gestão dos calendários mediáticos, o Governo interrompe o ensurdecedor silêncio que vem guardando em matéria de combate à droga e à toxicodependência. Estas “provas de vida”, ciclicamente cumpridas, acabam por ser a resposta do Governo às inevitáveis interrogações suscitadas de cada vez que alguém insiste em não deixar cair no esquecimento a situação do nosso país – cada vez mais grave e preocupante – em matéria de toxicodependência.Esta semana, mais uma etapa se realiza deste calendário. Com as visitas, as inaugurações, as sessões de abertura que ao longo destes cinco dias vão tendo lugar, poderá ficar na opinião pública, na melhor das hipóteses, a justa imagem da iniciativa, do empenho benévolo e generoso de tantas comunidades educativas, das associações de pais e encarregados de educação e das suas estruturas, neste indispensável combate.Mas um olhar mais atento não pode deixar de observar a lamentável tentativa de operação de relações públicas, ensaiada pelo Governo, à boleia destes projectos, desta participação, desta iniciativa. Mesmo o destaque atribuído a este périplo dos responsáveis governativos não pode fazer esquecer este aspecto indesmentível: a “extraordinária novidade” que o Governo pretende apresentar, com estas iniciativas na prevenção primária, mais não é senão o simples cumprimento (parcelar, limitado) de orientações traçadas na Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Inclusive na vertente relacionada com a Educação para a Saúde.O que é espantoso, aliás, não é obviamente o facto de se organizar um ciclo de iniciativas – é a pompa e circunstância, é o carácter supostamente inédito que o Governo em seu torno vem reivindicar.O que é de estranhar não é a realização de actividades de prevenção – é elas começarem a surgir na agenda do Governo agora, ao cabo de ano e meio de exercício de funções.A própria apresentação de informações e elementos indicadores da situação nacional em matéria de droga e toxicodependência, resulta de estudos, de inquéritos, de programas de investigação que se verificaram antes deste Governo iniciar o seu mandato. Que foram desenvolvidos em serviços que este Governo entretanto extinguiu.O inquérito nacional relativo ao meio escolar, divulgado pelo Governo há poucos dias, teve os seus dados recolhidos e o seu processo desencadeado em 2001. Situação que em si nada tem de errado. Mas é preciso que o Governo diga qual a continuidade que se está a dar ao nível destas investigações, que novas informações estão a ser recolhidas, que estudos estão a ser iniciados. Sob pena de não haver seguimento em programas que, nalguns casos, duram já há mais de uma década!E fazemos esta referência porque nos assiste a legitimidade e a autoridade moral de quem desde a primeira hora vem levantando, também junto do Governo, a inadiável necessidade de tomar medidas nesta área, inclusivamente aos níveis da prevenção e da investigação. De resto, como a vida já tantas vezes demonstrou, não é com aparições mediáticas e agendas de circunstância que se conseguirá ultrapassar o problema estrutural que resulta da acção política errada e perigosa do Governo nesta matéria.Porque a verdade é que, neste ano e meio de governação PSD/CDS-PP, as respostas aos problemas regrediram de forma preocupante nesta área.Ao analisarmos a actuação deste Governo, deparamo-nos com a elucidativa constatação de que a medida de longe mais significativa, levada a cabo pela tutela até agora, foi a fusão do IPDT e do SPTT, dando origem ao Instituto do Droga e da Toxicodependência.A realidade e a experiência concreta vieram dar razão aos alertas do PCP. Afinal, essa que foi a “grande decisão” do Governo nesta matéria, justificada com o argumento da suposta economia de escala, conduziu, isso sim, a uma total paralisia dos serviços.Os critérios economicistas do Governo; a desesperante lentidão de um processo de fusão de institutos que demorou perto de um ano; a concepção centralista e partidarizada de direcção (atribuída não a uma equipa técnica mas a núcleo de comissários políticos); tudo isto contribuiu para mergulhar a área da toxicodependência na desorientação, na estagnação e na mais profunda instabilidade.Entretanto, durante os meses que foram passando, as equipas dirigentes do SPTT e IPDT foram penosamente mantidas em gestão corrente, na impossibilidade de apontar planos para o futuro ou mesmo de dar continuidade aos processos em curso, dada a total ausência de orientações políticas.Aos cerca de 1600 funcionários do SPTT juntaram-se os pouco mais de 300 do IPDT; hoje assiste-se à delapidação de preciosos recursos humanos, profissionais com uma incomparável experiência alcançada no terreno. É aliás particularmente elucidativo que se deixem expirar os contratos, se promova a instabilidade laboral, se empurre para a porta de saída os técnicos altamente qualificados – pondo-se em causa o funcionamento dos serviços pela via da sua desarticulação.Talvez assim se consiga a propalada “economia de escala”, mas a verdade é que alguns CAT têm já a sua continuidade em risco por desmembramento das suas equipas.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores DeputadosSão já evidentes as linhas de orientação para progressivamente ir deixando cair as responsabilidades do Estado na rede pública de atendimento e tratamento e para privilegiar as “parcerias” e a “complementaridade” com os privados.A gritante ausência de respostas às solicitações e necessidades urgentes; o atraso ou mesmo a ausência do cumprimento de compromissos; o desinvestimento e o sub-financiamento e a deliberada hemorragia dos seus preciosos meios humanos; são orientações que claramente servem para concretizar a privatização progressiva dos meios do Estado, e caminhar para uma mera coordenação dos meios privados – subvertendo, paulatinamente e de modo infame, o fundamental princípio da universalidade do acesso dos toxicodependentes aos cuidados de saúde.É grave, por exemplo, que o projecto do Casal Ventoso, que teve um significativo custo financeiro e tem uma grande importância para o presente e o futuro das políticas de prevenção e resposta à toxicodependência no nosso país, tenha estado quase paralisado mais dum ano e esteja ainda longe da intervenção necessária.Situação, de resto, a que não é alheia a alarmante evolução que a este nível se tem registado na área metropolitana e na cidade de Lisboa. E aqui mais uma vez se comprova que o Governo não pode tapar o Sol com a peneira: é preciso enfrentar a realidade e agir com coerência.Aqui fica o nosso desafio ao Senhor Ministro da Saúde: dê um ponto final a esse retiro eremita, a esse voto de silêncio. Faça como fez o PCP – veja com os seus próprios olhos o que se passa aqui mesmo na cidade de Lisboa. Percorra a pé a zona dos Anjos e Intendente.Na passada semana, o Partido Comunista Português voltou a chamar a atenção para o que se está passar naquela zona de Lisboa. Contactámos com as populações e verificámos no terreno a impressionante degradação da qualidade de vida que ali se tem registado.São já conhecidos nesta área os problemas acumulados de longa data: no tecido social, na malha económica, na degradação urbana, na segurança das populações.Mais recentemente, a estes problemas veio juntar-se o do tráfico e consumo de drogas, importado massivamente de outras áreas da cidade, a par de um novo surto de prostituição e marginalidade.Tudo isto gerou uma situação complexa e grave. Já houve agressões e confrontos físicos, problemas de racismo e xenofobia, actos de vandalismo diversos. Toda a vida social e económica da área está profundamente afectada.As populações têm-se movimentado e exigido respostas. Mas torna-se evidente que as escassas medidas até agora tomadas, pela autarquia ou pelas autoridades de segurança pública, não estão de forma nenhuma à altura da gravidade do problema, nem conseguem impedir o seu agravamento – muito menos começar a resolvê-lo.Perante este quadro, é indispensável uma imediata e efectiva responsabilização do Estado, que responda à dimensão e gravidade da situação existente. E é fundamental uma disponibilização dos meios humanos e materiais, das verbas e apoios necessários para estancar e fazer regredir o problema.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Pela nossa parte, como sempre foi a nossa prática, o PCP apresenta a sua contribuição, responsável e construtiva, para uma resposta necessária a este problema.Foi nesse sentido que já deu entrada na Mesa da Assembleia da República, igualmente na passada semana, um Projecto de Resolução deste Grupo Parlamentar que propõe a criação de uma estrutura específica de intervenção nesta área da cidade – um Gabinete Multidisciplinar de Intervenção nos Anjos e Intendente.Trata-se de uma resposta organizativa que deverá avançar na concretização de um processo, necessariamente conduzido pelo Governo, mas que permita articular a participação corresponsável da própria Câmara Municipal de Lisboa, no exercício das respectivas atribuições e competências – salvaguardando sempre que a responsabilidade do Estado seja integralmente assumida.Porque temos a consciência que um fenómeno tão grave e tão complexo não se resolve com medidas limitadas, pontuais e isoladas (como tem vindo a acontecer), defendemos que se tomem medidas de forma integrada, no acompanhamento e tratamento à toxicodependência, na prevenção e combate ao problema da prostituição, no combate ao tráfico de droga e à criminalidade associada, na qualificação da rede pública local dos cuidados de saúde, na reabilitação urbana.Na cidade de Lisboa como em todo o país, é urgente que o Governo passe das palavras aos actos.É importante a afirmação da vontade do Senhor Ministro em cumprir a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. É importante que o Senhor Presidente do IDT se desloque pelo país a presidir a inaugurações e colóquios.Mas é indispensável que o Governo assuma plenamente as suas responsabilidades e encare o problema da toxicodependência como uma questão verdadeiramente nacional, em todas as suas vertentes – incluindo evidentemente o firme e sistemático combate aos barões do tráfico e do branqueamento de capitais.Da parte do PCP, continuaremos a intervir e a trabalhar para travar o agravamento da situação e para conter e regredir os problemas da toxicodependência no nosso país. Assim o Governo e a maioria que o suporta se decidam a responder a esta urgente necessidade.

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