Intervenção de

Declaração política na Comissão Permanente da Assembleia da República<br />Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente, Senhores Deputados, A decisão do Governo de impedir a entrada em Portugal do Borndiep é absurda, arrogante e inaceitável.Ela traduz a obstinada intolerância que a maioria de direita, comandada pelo zeloso Ministro Paulo Portas, usa nesta matéria. Mas foi esta maioria que em 3 de Março, no debate agendado pelo PCP, e depois de mais uma vez ter anunciado falsas aberturas para a alteração da lei e hipócritas comiserações com as mulheres levadas a julgamento, chumbou todas as propostas de alteração da iníqua lei que entre nós continua a reger a interrupção voluntária da gravidez.As portuguesas e os portugueses já perceberam que sempre que o assunto se torna mais visível a direita que quer manter a lei que trata as mulheres como criminosas e determina a sua prisão, aparece com um discurso aparentemente tolerante para logo desmentir na prática aquilo que insinua no discurso. O mesmo acontecerá provavelmente com as declarações de ontem do Primeiro-ministro. Elas serão mais um episódio de uma anunciada abertura que depois não se concretizará e que acabará por manter uma clara opção pela continuada perseguição judicial das mulheres que tenham de recorrer ao aborto, cujas consequências políticas o Primeiro-ministro e a maioria pretendem atenuar.Não tardará aliás que voltem os compromissos com a necessidade de promover a educação sexual e o planeamento familiar, logo esquecidos na primeira oportunidade.Como aliás aconteceu com a resolução aprovada pela direita nesta Assembleia no dia em que rejeitou a alteração da lei.A disparatada intervenção militar imposta pelo Governo face ao navio da organização “Women on Waves” não tem fundamento legal nem político. Os argumentos são inacreditáveis.O Secretário de Estado dos Assuntos do Mar justificou a presença de uma embarcação de guerra junto do Borndiep dizendo que “por acaso estava naquela área”, afirma que a organização que envia o navio em causa visava “promover a prática do aborto” em debates, reuniões e através da comunicação social, e admite ponderar a proibição de anúncios de clínicas espanholas em jornais portugueses.Para este governante, debater a questão da interrupção voluntária da gravidez e defender a sua despenalização significa promover a prática do aborto, como se as mulheres que decidem recorrer a este último recurso, em difícil e violenta decisão, o fizessem estimuladas por qualquer debate ou campanha e não por sua íntima convicção.Entretanto o Governo tentou invocar o facto de a pílula RU486 não estar licenciada em Portugal. Mas isso não significa que ela seja um medicamento clandestino. Ela foi aprovada pela Agência Europeia do Medicamento, é utilizada na maioria dos países da União Europeia por ser um método seguro de interrupção da gravidez.Invocou ainda argumentos de saúde pública. Mas como bem lembrou a Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, tratou-se de um argumento de “propaganda” porque a situação nem de perto nem de longe corresponde àquilo que tecnicamente é o risco para a saúde pública, nem tem o Ministério da defesa e dos assuntos do mar qualquer competência nessa matéria.Ao contrário, o que é um verdadeiro problema de saúde pública é a continuação do aborto clandestino para que a actual lei empurra as mulheres que não podem deslocar-se ao estrangeiro. O que é um verdadeiro problema de saúde pública são os milhares de mulheres que acabam por recorrer às urgências hospitalares por complicações pós-abortivas. O que é também um verdadeiro problema de saúde pública é a taxa de gravidezes indesejadas que continuamos a ter.Esta decisão e atitude do Governo e da maioria de direita que aqui por ele responde, é sobretudo um grave atentado à liberdade de expressão e de informação, que o executivo continua a negar a esta iniciativa. O Governo sabe que o objectivo fundamental desta iniciativa era o alerta sobre a situação medieval a que continuam a estar sujeitas as mulheres portuguesas. É isso que o governo quer impedir. Mas não consegue, porque é insuportável a situação em que a lei coloca as mulheres portuguesas perante a hipocrisia dos que a defendem e nada nem ninguém pode esconder isso dos olhos dos cidadãos portugueses e agora também de muitos outros na Europa e no mundo.Pela nossa parte continuaremos a intervir na exigência da alteração desta lei, indispensável para a dignidade das mulheres portuguesas e para resolver o grave problema de saúde pública que constitui o aborto clandestino. Disse.

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