Projecto de Resolução N.º 2248/XIII/4.ª

Declaração da atribuição de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura como meta a atingir no sentido da democratização cultural

Exposição de motivos

O PCP defende que a Cultura tem de ser considerada como componente essencial da democracia conforme, aliás, está consagrado na Constituição da República Portuguesa ao nível das tarefas fundamentais do Estado, dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos e deveres culturais.

No entanto, o desrespeito pela Constituição, o abandono de políticas culturais do Estado e a negação do serviço público de cultura, apanágio de sucessivos Governos da política de direita, afundou o tecido cultural português numa profunda crise.

Anos a fio de cortes brutais no apoio às artes levaram ao fecho de dezenas de estruturas, ao aumento do desemprego e da precariedade, ao diminuir dos salários. A tímida recuperação registada nesta legislatura não chega para fazer face aos danos infligidos, nem tão pouco para respeitar o direito à criação cultural constitucionalmente consagrado. Mais ainda, só pela força da luta e pela proposta insistente do PCP foi possível ir mais longe no sentido da reversão dos resultados do concurso de apoios sustentados que, a concretizar-se nos termos inicialmente previstos, redundaria num perfeito desastre para as companhias e criadores.

Cenário que se coloca, igualmente, quanto ao cinema, área que deixou de receber apoios à produção por via do Orçamento do Estado - que o atual Governo não repôs -, ficando dependente das taxas pagas pelos operadores de televisão e comprometendo o desenvolvimento da produção nacional e da pluralidade estética, em termos de livre criação. Por esse mesmo motivo, observou-se o estrangulamento financeiro e burocrático da Cinemateca, encontrando-se em risco hoje parte substancial da sua atividade, designadamente, do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (ANIM).

No que concerne ao Património Cultural, mais do que salvaguardar, recuperar, estudar e divulgar, a opção dos sucessivos governos tem passado pela incúria de décadas, deixando o património ao abandono e, face ao dano, escolhendo a saída fácil da desresponsabilização, alienação e privatização. A entrega, a patacos, da exploração de património classificado a grupos privados conheceu, aliás, um novo episódio com o Programa REVIVE – que, não fora a atenção de alguns e, nomeadamente do PCP, a esta altura estaria transformado em alojamento turístico e não em Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.

Se, por iniciativa do PCP, foi possível recuperar a existência de bolsas de criação literária, a verdade é que continua a ser um programa muito limitado, com escassas verbas, necessitando de aprofundamento em termos de abrangência e de alteração do próprio funcionamento. De referir ainda a falta de medidas que apoiem efetivamente as pequenas editoras e as livrarias independentes, designadamente, ao nível da esmagadora concorrência sofrida em virtude concentração editorial na indústria livreira e dos circuitos de distribuição.

Também a enorme e gravíssima falta de trabalhadores nos serviços públicos e, especificamente, nos que se enquadram na tutela do Ministério da Cultura e respetivos organismos dependentes, é marca comum que urge contrariar. A situação na Direcção Geral do Património Cultural e dos Museus, Palácios, Monumentos e Sítios Arqueológicos, ao nível de pessoal, tem vindo a ser caracterizada como uma verdadeira “bomba-relógio”. No entanto, não é este caso único: em todo lado faltam trabalhadores da Cultura – no Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), na Cinemateca, no OPART (Teatro Nacional São Carlos e Companhia Nacional de Bailado), na Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), na Direção Geral das Artes, na Biblioteca Nacional de Portugal, na Direção Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB), nos Teatros Nacionais.

Falta também a devida valorização dos trabalhadores, com um sério e consequente combate à precariedade, o respeito pelos direitos, salários e horários dignos – situação que ficou bem patente, por exemplo, com o processo de luta dos trabalhadores do OPART ainda em curso.

A aparente “falta de política para a Cultura” é uma opção política – e é uma opção da política de direita. Foi o que sucessivos governos aplicaram ao longo de anos: desinvestimento e ataque às funções constitucionais do Estado; abandono de qualquer elemento de serviço público; esvaziamento da diversidade e destruição do tecido cultural; privatização, mercadorização e mercantilização.

Os resultados que advêm destas práticas e desta opção não são despiciendos. Daqui resulta o predomínio e massificação de uma determinada cultura, promovida pelas chamadas «indústrias culturais», transformando a cultura numa imensa área de negócio, num mercado, e promovendo uma hegemonização cultural ao serviço da ideologia dominante, promovendo os seus valores e condicionando gostos, receando a participação e a criação. É uma flagrante tentativa de aniquilação da democratização cultural.

Todos estes elementos são traços das políticas seguidas e demonstram a necessidade de uma rutura com esta política, particularmente exigindo a estruturação de um Serviço Público de Cultura e um aumento orçamental significativo, atingindo o objetivo mínimo de 1% do OE, condições para uma outra política de criação e democratização cultural, de afirmação da soberania e da identidade nacional, de respeito e valorização dos trabalhadores da cultura.

Para o PCP, a Cultura é um pilar da democracia e não pode ser tratada como componente menor. Exige uma política de forte responsabilidade e capacidade de ação e intervenção. Requer a existência de um Ministério da Cultura digno desse nome, com a reformulação das suas estruturas e quadros, com a efetiva dotação dos necessários meios orçamentais, técnicos, políticos e humanos, com capacidade e flexibilidade de intervenção tanto nos planos nacional, regional e local como no plano da articulação interministerial de políticas.

Para isso, o PCP propõe que a Assembleia da República declare a existência de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura como uma meta que deve ser alcançada a breve trecho, para que seja possível a estruturação de um verdadeiro Serviço Público de Cultura em todo o território nacional. Um Serviço Público de Cultura que garanta o acesso de todos, em todo o território nacional, à experiência da criação e da fruição cultural e artística, com especial enfoque na componente de acesso às formas, meios e instrumentos de criação.

O PCP considera que é urgente consagrar este objetivo para:

  • Combater a precariedade
  • Contratar, com vínculo estável, os trabalhadores em falta para os vários organismos públicos da Cultura;
  • Valorizar salários e reduzir os horários de trabalho;
  • Aumentar os apoios públicos às Artes;
  • Recuperar, salvaguardar, conservar, estudar e divulgar o Património Cultural;
  • Desenvolver a criação cinematográfica
  • Aumentar os apoios à criação literária;
  • Promover o Livro e a Leitura;
  • Salvaguardar o carácter integralmente público dos vários organismos sob tutela ministerial;
  • Garantir o acesso de todos a toda a cultura.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, declarar a atribuição de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura como objetivo mínimo a atingir no sentido do cumprimento da responsabilidade do Estado para a promoção, nos termos da Constituição, da “democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural”.