Intervenção

Declarações do Ministro da Economia - Intervenção de Jorge Machado na AR

Declaração política de critica ao Ministro da Economia Manuel Pinho, que, na China, apelou ao investimento chinês em Portugal argumentando que aqui os custos salariais são inferiores à média dos da União Europeia

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Diz o provérbio Chinês:

"Há três coisas que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida".

O Governo naquilo que intitula a "Missão China 2007" lançou um conjunto de iniciativas e visitas que visam dois objectivos: por um lado reforçar os laços políticos com a China e, por outro, melhorar a relação económica, ou seja, potenciar as relações comerciais.

Para tal, oito membros do Governo e o Primeiro-Ministro fizeram-se acompanhar com representantes de diferentes Universidades e com mais de 70 empresários.

Está portanto a flecha lançada.

Analisemos agora a palavra pronunciada.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

O Senhor Ministro da Economia Manuel Pinho, que também é, ou pelo menos deveria ser, Ministro da Inovação, num Fórum de Cooperação Comercial Portugal - China presidido pelo Senhor Primeiro Ministro e diante de uma plateia de empresários Chineses apelou ao investimento em Portugal.

Disse o Senhor Ministro, por incrível que pareça, que os empresários Chineses devem investir em Portugal porque, e passo a citar, "Somos um país competitivo em termos de custos, nomeadamente os custos salariais são mais baixos do que a média da União Europeia" e que a pressão para a sua subida é muito menor do que nos países do alargamento.

Destas declarações podemos retirar duas ilações.

A primeira é que o Senhor Ministro ainda não percebeu que não podemos competir com a China com base nos baixos salários. O Senhor Ministro parecia um esquimó a vender cubos de gelo em pleno pólo Norte.

O Senhor Ministro ainda não percebeu que dado ao seu patamar de desenvolvimento e tendo em conta um contexto económico totalmente diferente do europeu, a China tem custos salariais muito mais baixos que Portugal ou outro qualquer país da Europa.

A segunda ilação é bastante mais grave, é a de que o Senhor Ministro da Economia e da Inovação e consequentemente o Governo não mudou, nem pretende mudar o modelo de desenvolvimento económico do nosso país.

Afirmar que se deve investir em Portugal devido aos baixos custos salariais, além de um disparate, é o mesmo que afirmar que vamos insistir num modelo de desenvolvimento que aposta em investimento estrangeiro "sanguessuga", "baduíno" que investe em Portugal até que se acabem os apoios financeiros ou os benefícios fiscais e depois parte para qualquer outro país que ofereça salários mais baixos, novos apoios, ou benefícios fiscais mais avultados, não deixando em Portugal nenhuma mais valia para o nosso desenvolvimento, mas sim e apenas, um rasto de desemprego e gravíssimas consequências sociais.

Mas importa aqui salientar os diferentes discursos do Governo.

Se em Portugal o Governo diz que vai apostar na inovação tecnológica e na qualificação dos trabalhadores, no estrangeiro diz precisamente o contrário.

Veja-se os seguintes exemplos:

O programa do Governo diz que "O Governo quer mobilizar os portugueses para o desígnio nacional de Portugal se voltar a aproximar, de forma decidida e sustentada, do nível de desenvolvimento dos países mais avançados da União Europeia.

Para tanto, o Governo assume uma aposta muito forte no conhecimento, na qualificação dos portugueses, na tecnologia e na inovação". No estrangeiro o Governo não diz uma palavra sobre inovação ou qualificação apenas diz que Portugal tem baixos salários.

Diz ainda o programa do Governo "O problema da falta de competitividade nacional tem de ser atacado em duas frentes simultaneamente:

- Através do aumento da produtividade e da produção de bens e serviços com mais valor, por parte do aparelho produtivo já instalado;

- Através da criação de novas unidades empresariais e da instalação de novas competências de maior valor acrescentado".

No estrangeiro apela ao investimento que aposta em indústrias de baixo valor acrescentado.

Nas Grandes Opções do Plano de 2006 e 2007 o Governo afirma que é preciso atrair investimento estrangeiro de base tecnológica e que induza a melhoria do perfil de especialização da economia. No estrangeiro o Governo diz: invistam em Portugal porque temos baixos salários.

A verdade é que estamos face a uma aparente contradição.

Na verdade, os anúncios de baixos salários no estrangeiro encontram correspondência na acção política deste Governo. Importa lembrar os sucessivos aumentos salariais abaixo da inflação e a contínua perda de poder de compra dos Portugueses e assim facilmente se percebe que o Governo está seriamente empenhado em baixar ainda mais os custos salariais para se apresentar no estrangeiro como um país competitivo apostando num modelo falido e que acarreta gravíssimas consequências para o desenvolvimento económico e social do nosso país.

Face a este comportamento e uma vez tornada clara a opção do Governo, iremos questionar o Sr. Ministro da Economia e Inovação na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional sobre as declarações prestadas, sobre qual o modelo económico que o Governo defende e se vai ou não continuar a financiar investimento estrangeiro de baixo valor acrescentado que depende, ou de baixos salários, ou de avultados apoios financeiros do Estado e que trazem um baixíssimo grau de incorporação nacional.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

De acordo com o provérbio Chinês a terceira coisa que nunca volta atrás é precisamente a oportunidade perdida.

O Governo, o Senhor Ministro da Economia, tinha a oportunidade de apelar ao investimento estrangeiro que introduz mais valor acrescentado, que aposta na qualidade, na tecnologia e na inovação. Em vez disso optou por estimular e tentar captar o investimento industrial de baixo valor acrescentado.

O Governo perdeu uma oportunidade para apostar no desenvolvimento económico sustentado, perdeu uma oportunidade para valorizar e modernizar o nosso sistema produtivo.

O Governo perdeu uma oportunidade para mudar o modelo de desenvolvimento que tem acarretado consequências desastrosas para o nosso país quer do ponto de vista económico quer do ponto de vista social.

O Governo podia ter dado um sinal de que não queremos salários de miséria, de que não queremos um modelo de desenvolvimento que aposta no trabalho sem direitos mas sim que queremos e apostamos na qualidade dos nossos produtos, na qualidade dos nossos trabalhadores e que apostamos no trabalho com direitos. Esta oportunidade, infelizmente, nunca mais volta atrás.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Afonso Candal,

As suas declarações confirmam o provérbio chinês: de facto, «palavra pronunciada não volta atrás»!

Ora, o Sr. Deputado veio confirmar na íntegra as palavras do Sr. Ministro da Economia, o que é duplamente grave.

Não venha dizer, por outro lado, que as palavras foram vãs, de improviso e descontextualizadas, porque não é verdade. As palavras foram bem pensadas, reflectidas e proferidas, na conferência em causa, numa intervenção escrita, ao que sabemos.

Nesta medida, o que é particularmente grave é que o Sr. Ministro tenha apresentado como trunfo para os empresários chineses os baixos salários. E isso o Sr. Deputado não consegue contornar, por mais voltas que dê! A verdade é que o Sr. Ministro, ao apontar os baixos salários como factor de competitividade, está claramente a dizer que quer manter o modelo de desenvolvimento económico.

Esta é que é a questão central!

O Sr. Deputado fala ainda do problema com o investimento estrangeiro, mas a verdade é que não temos qualquer problema com o investimento estrangeiro, bem pelo contrário.

O problema em causa, sobre o qual V. Ex.ª não disse uma palavra, é o tipo de investimento estrangeiro. Na verdade, se esse investimento vier para Portugal utilizar fundos, apoios e benefícios fiscais, explorar mão-de-obra barata e, depois, sair para qualquer outro país, deixando um rasto de desemprego, miséria e problemas sociais, não o queremos, muito obrigado! Todavia, se for investimento que aposte na tecnologia, na inovação e que seja sério, estamos claramente a seu favor. Não é esta, contudo, a questão em causa.

Respondendo à questão colocada pelo Sr. Deputado Miguel Frasquilho, não só penso que o Governo não acredita nas suas políticas como não quer mudar o modelo de desenvolvimento. Esta é que é a questão central que as declarações do Sr. Ministro deixam bastante claro. O Sr. Ministro esclarece, de forma frontal, que não quer mudar o modelo de desenvolvimento do País, o que, para o PCP, não é uma novidade. Basta analisar o comportamento do Governo quanto aos aumentos salariais dos trabalhadores, claramente abaixo da inflação, para perceber facilmente que a aposta do Governo vai no sentido de reduzir os custos salariais para, depois, fazer este discurso no estrangeiro.

E o que é lamentável é que este modelo, que está claramente falido, que tem prejudicado tanto os portugueses, continue a ser a aposta do Governo. Esta é que é a vergonha das declarações do Sr. Ministro!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado João Semedo

- e peço desculpa por estar de costas -, V. Ex.ª referiu a questão dos direitos humanos. Por várias vezes o PCP afirmou aqui, e podemos reafirmar as vezes que forem necessárias, que defende os direitos humanos em qualquer parte do mundo, seja em que país for. Não temos qualquer problema na defesa intransigente dos direitos humanos.

Quanto aos salários, colocou claramente uma questão que merece um comentário: é que o Sr. Deputado e a Assembleia sabem que a China tem um patamar e um contexto de desenvolvimento económico claramente distintos do europeu, o que claramente tem consequências, nomeadamente quanto à política salarial, que permite esta distinção.

Mas, deixe-me dizer-lhe uma coisa: a verdade é que o Sr. Ministro não fugiu à verdade, e «quem diz a verdade não merece castigo».

Não fugiu à verdade quando disse e tornou claro aquela que é a opção do Governo quanto ao modelo de desenvolvimento.

E essa é que é a questão mais grave e central das declarações do Sr. Ministro.

O Sr. Deputado Diogo Feio fez referência a um conjunto de disparates, mas eu diria que o primeiro disparate do Sr. Ministro foi o fim da crise imposta por decreto e o segundo disparate é, além da falta de inteligência, o Sr. Ministro dizer que «os sindicatos são forças de atraso». Ora, isto faz-me lembrar o Sr. Prof. Cavaco Silva, que falava nas «forças de bloqueio». Agora o Sr. Ministro parece ser mais cavaquista do que o Prof. Cavaco, isto é, os sindicatos já deixaram de ser «forças de bloqueio» e passaram a ser «forças de atraso».

Estas declarações vergonhosas são claramente uma fuga em frente para uma declaração claramente infeliz, que é muito sincera, e isto é que importa centralizar no debate. Esta posição do Governo de aposta no investimento com baixo valor acrescentado é a aposta deste Governo. E, quanto a isso, não há qualquer novidade no discurso do Governo.

Apesar do caricato de algumas intervenções do Sr. Ministro, a questão preocupante, a que o Sr. Deputado também fez referência, é a de que o Governo não disse uma palavra sobre inovação, não disse uma palavra sobre qualificação, não disse uma palavra sobre a melhoria do nosso tecido produtivo, sobre a qualidade dos nossos produtos, que têm capacidade para competir em qualquer parte do mundo, e sobre a qualidade dos nossos trabalhadores, que têm capacidade para competir em qualquer parte do mundo.

O Sr. Ministro deixou isso para as calendas gregas.

O Sr. Ministro falou, sim, e salientou, como trunfo, os baixos salários. Ora, isso tem uma leitura e só uma: a manutenção de um modelo de desenvolvimento, que está ultrapassado, que está falido e que, infelizmente, o governo PSD/CDS-PP seguiu e o Governo do PS pretende continuar a seguir.Aplausos do PCP.

 

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