Declaração política sobre a política do Governo e as suas deslocações<br />

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

À falta de melhor, o Governo e o Primeiro Ministro insistem em organizar pretensas deslocações ao país real, numa fórmula que aliás já baptizaram como “governação aberta”.

Há uma marca bem típica destes périplos em que o Primeiro Ministro se está cada vez mais a especializar. Em vez de tentar ouvir as pessoas, de contactar com os problemas reais, de inventariar os constrangimentos existentes, de procurar dar voz aos sectores e actividades em risco, as “governações abertas” do Governo do PSD/CDS ou preferem cortar fitas, (mesmo que o que houver para inaugurar seja obra alheia), ou organizar operações mediáticas para anunciar (e sempre que possível voltar a anunciar) obras e projectos que um dia, não se sabe bem quando, serão concretizados.

Foi isso que aconteceu em Tomar, em Fronteira e no Porto, foi isso que mais uma vez sucedeu com a deslocação do Primeiro Ministro, e de mais alguns dos seus Ministros, neste último fim-de-semana prolongado.

Fim-de-semana que também serviu, “en passant”, para tentar calar algumas vozes discordantes e incómodas e para tentar fazer as pazes com (e entre) protagonistas locais cujas ambições não se medem pela distância que separa as duas margens do Douro.

Fim-de-semana que também mostrou ao País que as oposições, pelos vistos, não têm razão, pois Amílcar Theias continua afinal a ser titular do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. Na verdade, lá apareceu o Ministro ao lado de Durão Barroso, até parece ter respondido, em almoço à porta fechada, às dúvidas levantadas sobre a exiguidade dos investiments governamentais previstos no PIDDAC. Ao menos este fim-de-semana prolongado parece ter servido para mostrar que se Amílcar Theias não tem vindo aqui explicar (se fosse possível…) as políticas do seu Ministério, isso sucede porque, pelos vistos, é a maioria parlamentar do PSD e do CDS que não o aprecia muito, que não gosta muito de o ver por cá. E por isso, de forma avulsa e sistemática, como ontem se viu mais uma vez, impede o exercício legítimo das competências fiscalizadoras que competem à Assembleia da República.

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

À semelhança do Conselho de Ministros de Julho passado o fim-de-semana prolongado que o Primeiro Ministro e alguns membros do Governo passaram na região do Porto repetiu muitas ilusões mas pode vir a colher uma tempestade de frustrações. O que, diga-se, nem será novo nem inédito para populações que, infelizmente, já se começam a habituar e a desvalorizar operações mediáticas desta natureza.

Vários são os exemplos do que afirmo.

Quanto à rede de alta velocidade pretendeu fazer-se um remake da Cimeira da Figueira da Foz sem a presença do Primeiro Ministro Espanhol.

Novidades nem uma, apenas a confirmação de que a rede nacional se submeteu no fundamental à estratégia espanhola, que a ligação do Norte a Madrid se vai fazer por Lisboa (já que a ligação por Salamanca, mesmo que esteja no papel, tem todas as condições para poder “saltar para o tinteiro”).

Aliás, basta ler o que o insuspeito ex-deputado Manuel Queiró escreveu sobre o assunto. Já percebemos todos quanto o Governo cedeu e quanto alienou interesses estratégicos de Portugal nas decisões relativas a um instrumento fundamental para o desenvolvimento do País a médio prazo.

Quanto à rede viária, o Senhor Primeiro Ministro anunciou o lançamento de concursos para vias rebaptizadas. O IC24 passa a chamar-se A41 e o IC2 tem também novo nome, é agora a A32.

A par do fecho do IP4 e do IC23, todas estas vias sem excepção, deviam já estar a ser construídas, algumas mesmo em vias de conclusão, a ser verdade o que Valente de Oliveira e este Governo aqui nos disseram há pouco menos de ano e meio.

Estes anéis viários fazem aliás parte do Plano Rodoviário Nacional há quase uma dúzia de anos, e já no tempo de Cavaco Silva a sua construção imediata foi manchete de jornais.

Mas no que o Primeiro Ministro não falou, ou se falou foi demasiado baixinho para alguém ouvir, foi que as vias agora rebaptizadas têm novo nome para que o Governo lhes possa colocar portagens, alterando tudo o que aí estava previsto, comprometendo as funções de descongestionamento para que esta rede foi projectada. O que o Senhor Primeiro Ministro esqueceu foi de referir a oposição generalizada dos autarcas e das populações à introdução de portagens em vias suburbanas de desvio de fluxos de trânsito nas quais a circulação era e deveria continuar a ser livre.

Mas o fim-de-semana teve também o condão de nos revelar o conceito de descentralização tutelada que este Governo tem.

Por exemplo, na Área Metropolitana de Transportes com a futura Administração formada por uma maioria nomeada pelo Governo, sem autonomia financeira e, mesmo em fase de instalação, ameaçando já com aumento generalizado dos preços dos transportes públicos.

Por exemplo, com a transformação da Associação de Municípios do Vale do Sousa numa nova forma de associativismo municipal onde só o poder local participa com financiamentos claros e a delegação universal de competências, reservando o Governo para si, caso a caso, as decisões de entregar meios e poderes apenas e só quando entender conveniente.

Por exemplo, “fazendo ouvidos de mercador”, à necessidade tão insistentemente reclamada pelo PCP e rejeitada pelo PSD e CDS, de conferir legitimidade democrática às Áreas Metropolitanas, através de eleição directa dos seus órgãos.

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

Mas o que o vasto programa de itinerância deste fim de semana prolongado não previu, foi o contacto com as realidades dramáticas que se vivem na região.

Em Julho, aquando do Conselho de Ministros no Porto, havia no Distrito 95.000 desempregados. Hoje há 104.000, números oficiais, traduzindo por defeito a realidade.

Em Julho, o Governo responde a este drama com o anúncio de quatro medidas requentadas já previstas no Programa de Incentivos à Modernização da Economia e no Programa de Emprego e Protecção Social.

Ao drama do desemprego o Governo respondeu em Julho com uma mão cheia de nada; ao drama do desemprego responde em Janeiro com o silêncio ensurdecedor.

Foi pena que o Senhor Primeiro Ministro não tivesse aproveitado o fim-de-semana para conhecer a realidade autêntica da região.

Foi pena que logo na segunda-feira não tivesse ido à FINEX, na Maia, em fase de desmembramento, ou à Brax Portuguesa, em Gaia, tudo concelhos por onde passou.

Foi pena que na segunda-feira – em vez de perder tempo em voltar a anunciar o TGV Porto/Salamanca lá para 2015 – o Senhor Primeiro Ministro não tivesse tido tempo para falar com as mais de quatro centenas de trabalhadoras ameaçadas com o desemprego na Brax, que não tivesse tempo para ir a Serzedo dizer à administração desta multinacional que em Portugal não são permitidos lock-outs e que não aceitamos deslocalizações beduínas. Ou será que este Governo as aceita?

Foi pena Senhor Primeiro Ministro.

Assim, o seu fim-de-semana no Porto teria sido bem mais útil.

Disse.

 

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