Intervenção de

Declaração política - Intervenção de Jorge Machado na AR

Declaração política manifestando solidariedade para com os trabalhadores da Opel e solicitando esclarecimentos por parte do Governo relativamente ao tema abordado na declaração política anterior (existência de prisões secretas da CIA), tendo, para tal, insistido na necessidade de a Assembleia ouvir o director do SIS  

 

Sr. Presidente
Sr.as e Srs. Deputados

Embora não seja este o tema da nossa declaração política, não podemos, face às notícias, deixar de manifestar a nossa solidariedade para com os trabalhadores da Opel na luta pelos seus direitos.

Recentes notícias e informações colocam o tema dos voos secretos da CIA na agenda política.

Importa relembrar que esta actividade terrorista da CIA consiste no envio de agentes em aviões civis que, circulando livremente pelo mundo, sequestram «suspeitos» para, posteriormente, os enviar para prisões secretas sem qualquer acusação ou garantia dos seus mais elementares direitos de defesa.

Hoje mesmo, a administração Bush reconhece a existência de prisões secretas, nas quais a CIA submete os «suspeitos» a bárbaros métodos de tortura, que violam, de forma flagrante, os direitos humanos.

Em Setembro de 2005, isto é, há um ano, denunciámos a utilização deste método denominado «rendições extraordinárias» e questionámos o Governo sobre estes voos.

Nessa altura, perguntámos que conhecimento tinha o Governo sobre este assunto e que medidas iria tomar para impedir a utilização do nosso espaço aéreo nestas actividades ilegais da CIA.

Posteriormente, já em Novembro de 2005, o PCP dirigiu um segundo requerimento. Desta vez, enumerámos um conjunto de aviões suspeitos de estarem ao serviço destas actividades ilegais da CIA e questionámos novamente o Governo sobre que investigações estavam ou iriam ser feitas.

Já em Abril de 2006, voltámos a questionar o Governo sobre que investigações estavam em curso, quantos aviões tinham sido fiscalizados e qual era o resultado dessas fiscalizações.

A todos estes requerimentos o Governo foi respondendo que não existiam indícios de voos ilegais da CIA em Portugal.

Apesar de um conjunto de evidências, o Governo, qual fiel amigo, lá foi defendendo os Estados Unidos da América, nomeadamente a CIA, e, além de não divulgar nenhuma informação, foi tentando menosprezar as denúncias entretanto feitas.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Hoje existem novos factos que, infelizmente, provam que o PCP tinha razão quando afirmava que os aviões da CIA utilizavam o espaço aéreo nacional.

Dados da EUROCRONTROL, que chegaram a esta Assembleia da República via Parlamento Europeu, demonstram que houve voos da CIA em Portugal e que alguns destes tinham como destino a base da vergonha, a base militar de Guantanamo.

Na verdade, numa listagem exaustiva de 131 voos que passaram por Portugal, encontramos voos da CIA que tinham como destino, entre outros, Cabul, Bagdade, Cairo, Zagrebe, Luxor, Alger, Bósnia e Guantanamo.

Além destes dados, temos ainda a carta enviada pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Prof. Dr. Freitas do Amaral, a alguns Deputados do Parlamento Europeu. Esta carta, que até ontem não tinha sido enviada à Assembleia da República, contém um conjunto de anexos. Entre eles consta uma lista de voos da CIA que passaram por Portugal. Nesta lista de voos importa destacar que os aviões suspeitos da CIA passaram por Portugal em voos de ligação para destinos como o Azerbeijão, o Sudão, a Roménia, o Cairo, o Qatar, Marrocos e, entre outros, novamente, Guantanamo.

Assim, por muito que o Governo afirme que não há novos indícios e que tudo não passa de ruído, a verdade é que os factos desmentem estas afirmações.

A verdade é que a CIA utilizou, e não sabemos se continua ou não a utilizar, o nosso espaço aéreo.

A verdade é que existem fortes e sustentadas suspeitas de que o nosso espaço aéreo tenha sido utilizado para o transporte ilegal de prisioneiros.

Face a estes factos, o Governo «assobia para o lado», diz que nada sabe e, ao mesmo tempo, promete intensificar a fiscalização, promessa essa já feita em Dezembro de 2005, sem efeitos práticos conhecidos.

Este comportamento do Governo só pode ser entendido e explicado como um sinal da subserviência do Governo português face à politica externa dos Estados Unidos da América.

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Face a estes factos, a Assembleia da República não pode ficar indiferente.

Depois da recusa, por parte do PS, do requerimento apresentado pelo PCP, que solicitava a vinda do Ministro dos Negócios Estrangeiros, do Director do INAC e do Director do SIS, registamos uma evolução na posição do Partido Socialista.

Ouvimos ontem o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Quanto à posição do Governo, já sabemos que nada sabe, que não existem novos indícios - nem que estes «caiam do céu» e sejam do tamanho de um elefante -, não existem medidas para impedir a utilização do nosso espaço aéreo e, na nossa opinião, não existe nem vontade nem empenho do Governo em realizar uma investigação e fiscalização eficazes.

Importa, assim, concretizar as audiências já agendadas. Insistimos ainda na necessidade de ser ouvido o Director do SIS para que a Assembleia da República possua os elementos necessários com vista a uma cabal fiscalização da actividade do Governo.

A preocupante notícia de hoje de que a administração Bush reconhece a existência de varias prisões secretas à margem do direito internacional, tal como Guantanamo, reforça a necessidade de um total esclarecimento sobre esta matéria e exige medidas claras e enérgicas por parte do Governo para que Portugal deixe de constar no mapa vergonhoso da tortura e do terrorismo de Estado praticado pelos Estados Unidos da América.

(...)

Sr. Presidente,

Quanto à questão que nos trouxe cá e que motivou a nossa declaração política, gostaria de dar nota de que é curioso que o Sr. Deputado Vera Jardim tenha referido a questão da chicana política e tenha dito que se trata de uma questão séria.

É evidente que é uma questão séria e é por isso que lhe temos dado a atenção que temos dado.

O Sr. Deputado diz que o Governo está disposto a prestar todos os esclarecimentos, mas a verdade é que, em sede de Comissão dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Ministro fez tudo menos prestar esclarecimentos.

Confrontado directamente sobre voos altamente suspeitos que ligam Portugal a Guantanamo, o Sr. Ministro disse nada. E o esclarecimento foi zero! Portanto, o Governo mostra-se muito disponível para prestar os esclarecimentos, mas na «hora H», no momento concreto de prestar o esclarecimento, o Governo diz nada.

E é claramente isso que tem pautado toda a intervenção do Governo.

Há um ano que andamos a lutar com este problema. Há um ano! Um ano não é suficiente para o Governo mostrar algo sobre a fiscalização destes voos?! O que é que se fez para impedir o acesso ao espaço aéreo nacional destes voos claramente ligados a actividades terroristas por parte da CIA?

Nada!

Nada, Sr. Deputado! Portanto, a postura do Governo só pode ser claramente entendida como de subserviência face aos Estados Unidos.

Depois, registamos a evolução do Partido Socialista. O PCP já tinha apresentado um requerimento solicitando a vinda do Director do INAC, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, bem como do Director dos Serviços de Informação e Segurança. Agora o PS, depois de ter recusado o nosso requerimento, vem propor a audição dessas entidades. Mas falta uma, Sr. Deputado, que é o Director dos Serviços de Informação e Segurança, que é absolutamente fundamental para que esta Assembleia fique esclarecida.

Se a vontade de esclarecer é tanta, então que a Assembleia oiça também o Director do SIS.

Quanto às questões da FARC, tenho de partir de um ponto prévio, que é o seguinte: os Srs. Deputados da direita, nomeadamente os da bancada do CDS-PP, são extremamente previsíveis e, por isso, já sabíamos que a questão iria ser colocada.

Mas importa dar um pequeno esclarecimento de rigor: não foram as FARC que estiveram na Festa do Avante. A entidade que foi convidada foi o Partido Comunista da Colômbia, que trouxe também uma publicação.

Mas a questão essencial não é esta. Ao contrário de outros partidos, nomeadamente do CDS-PP e do PSD, não aceitamos a catalogação do que é ou deixa de ser uma organização terrorista por aquilo que é ditado pelos EUA.

Se formos a ver o que é uma organização terrorista face aos interesses dos EUA, teríamos de dizer que a ANC e a OLP já foram organizações terroristas, e contra as quais os vossos partidos se manifestaram, e hoje são movimentos democráticos de emancipação do povo. Ora, é essa catalogação que não aceitamos.

Quanto à Colômbia e ao facto de ser uma democracia avançada, há que recordar que esse país assassinou nos últimos tempos cerca de 150 militantes comunistas que eram candidatos às eleições.

É este o modelo de democracia que VV. Ex.as defendem!

Portanto, não confundimos movimentos terroristas com movimentos justos de emancipação, de luta dos povos, confusão essa que VV. Ex.as querem trazer a esta Assembleia, o que não é correcto.

 

 

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