Intervenção de

Declaração Política - Intervenção de Bernardino Soares na AR

 

Declaração política sobre a situação que o país atravessa e a política seguida pelo Governo

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

É perante uma situação nacional continuamente degradada que iniciamos esta 2ª sessão legislativa da X Legislatura. O país continua a viver na dramática realidade de um aumento brutal do desemprego, de uma prolongada e profunda crise económica, de um aparelho produtivo e uma economia cada vez mais débeis e dependentes.

O Governo procura contrariar a consciência desta gravíssima situação, agarrando-se a qualquer subida das previsões de crescimento do PIB mesmo que de uma mera décima, como se estivéssemos perante a salvação do país e o desafogo económico. É na verdade um espanto e até um descaramento, que perante o baixo crescimento previsto para este ano e previsível para os próximos, perante a sua insuficiência para a diminuição do desemprego, perante a continuada quebra do investimento, o Governo lance sistemáticas doses de propaganda, cada vez que se altera uma décima.

É claro que se há matéria em que o Governo deve ver reconhecidos os seus méritos é na propaganda. Veja-se por exemplo o desplante com que há poucos dias o Primeiro-ministro e a Ministra da Educação, os mesmos que durante ano e meio trataram de responsabilizar os professores pelos problemas do sistema educativo e atacaram fortemente os seus direitos e condições de trabalho, anunciaram a criação do Prémio do Professor. Se a moda pega a medalhística nacional não terá mãos a medir. É que se o Governo tenciona criar prémios para aqueles que têm sido vítimas da sua política então a lista não tem fim. Lá virá o prémio para os trabalhadores da administração pública, para os agricultores, para os micro, pequenos e médios empresários, para os desempregados, para os reformados, para os estudantes, para os militares, etc., etc.

Apesar de toda a propaganda, o Governo já não vai conseguindo esconder que a sua política é de direita e no fundamental mantém as orientações da política anterior, apadrinhado pelos grandes grupos económicos e pelos propagandistas de turno do capitalismo neo-liberal. É por isso que o PSD e a direita têm tanta dificuldade em engendrar oposição ao Governo em questões fundamentais.

Senhor Presidente,

Nos últimos dias a questão do pacto da justiça marcou a actualidade. Quanto a isso três comentários.

O primeiro para assinalar a inaceitável má-fé com que o Governo procedeu neste processo ao convidar todos os partidos para conversações na área da justiça, em que o PCP participou construtivamente, encenando uma farsa de debate político abrangente, enquanto negociava secretamente com o PSD. Mais uma vez PS e PSD desrespeitam o Parlamento fazendo acordos fora dele para depois o instrumentalizarem na sua confirmação.

O segundo para assinalar que em relação a várias matérias se constata que elas não são prioridades de PS e PSD. É o caso do combate à corrupção tema em relação ao qual o PCP usou, e bem, o seu único debate de urgência potestativo na sessão legislativa anterior e também do apoio judiciário em que sucessivamente foram ultrapassados os prazos em que o Governo se comprometeu a alterar o grave regime em vigor, sendo que a única acção do PS nesta matéria foi chumbar as propostas que o PCP apresentou para a resolução do problema.

Finalmente importa dizer que, para além do acordo anunciado, falta saber o que mais foi acordado e não divulgado, em matéria de condicionamento da justiça e das magistraturas, e por exemplo no que diz respeito ao novo Procurador-Geral da República.

Entretanto vão aparecendo portas abertas ou entreabertas para novos entendimentos de bloco central com graves contornos. É o caso da reforma das leis eleitorais e do velho sonho do PS e PSD de reduzirem ao mínimo a representação plural na Assembleia da República para além dos seus próprios partidos, acrescido do modelo de presidencialismo despótico para os órgãos municipais. Já não basta ao PS e PSD as sucessivas machadadas dadas pelos seus Governos na democracia social, económica e cultural. Já não basta o que fizeram com as leis dos partidos e do seu financiamento. PS e PSD querem atingir o cerne da própria democracia política, amputando a sua pluralidade e garantindo um conveniente regime de duopólio dos seus partidos, perfilhando aliás no fundamental as mesmas políticas.

Ao contrário do que diz hoje em entrevista o Senhor Presidente da Assembleia da República, menos Deputados significa mais poder não para o Parlamento mas para o monopolismo bicéfalo do Bloco Central.

Mas podem, PS e PSD estar certos que se prosseguirem por este caminho terão a nossa oposição, mas também certamente a de muitos democratas que não se deixarão iludir pelos hipócritas argumentos da aproximação de eleitos a eleitores vindos de partidos que quando estão no governo traem sistematicamente os seus compromissos com os cidadãos.

Outro putativo pacto é o da segurança social. Sobre essa matéria dizemos sem equívocos que Sim! É preciso tomar medidas para reforçar e garantir a sustentabilidade da Segurança Social. E dizemo-lo há mais de 4 anos, quando pela primeira vez apresentámos um projecto introduzindo o valor acrescentado bruto das empresas com um novo factor a considerar para as contribuições das empresas.

Mas uma coisa é com realismo discutir a questão da sustentabilidade da segurança social e outra bem diferente é acenar com cenários catastrofistas para justificar a sua privatização ou a severa restrição dos direitos dos trabalhadores. Não sabemos se as altas pressões ao mais alto nível político e económico vão empurrar PS e PSD para mais um casamento de conveniência. Mas seja qual for o resultado final cada um tirará os seus frutos. O PSD pode assim fingir outra vez que é oposição à política do Governo e o Governo pode branquear a sua proposta dizendo que a do PSD ainda é pior.

Numa coisa pelo menos Governo e PSD convergem em absoluto; é que só admitem olhar para a questão na perspectiva de diminuir despesa ou entregar recursos ao sector privado e nunca na perspectiva de diversificar e aumentar as fontes de financiamento. As suas propostas traduzem-se assim ambas, no final, na diminuição das pensões e reformas dos trabalhadores portugueses.

O PSD nunca explica por que razão havemos de entregar uma parte dos descontos aos privados, com sérios prejuízos para a receita da segurança social e uma menorização da função solidária do sistema, se afinal, como reconhecem todos os economistas mas poucos o afirmam, a rendibilidade dos fundos privados é menor do que a da gestão pública. Teríamos assim mais riscos e menores pensões para os contribuintes.

O Governo procura esconder que as suas soluções significariam para uma grande parte dos trabalhadores a obrigação de trabalhar mais anos ou de receber menos reforma, e que mesmo para muitos dos actuais reformados o que se propõe com a indexação ao PIB das actualizações das reformas é uma real diminuição do seu valor pelo menos nos próximos anos.

As alternativas as estas propostas de sentido único mesmo que de velocidades diferentes existem e voltaremos a apresentá-las, confrontando o Governo com as opções que sistematicamente quer ignorar.

O PCP retomará assim nesta sessão a actividade de oposição ao governo, de fiscalização da sua política e de apresentação de alternativas de esquerda para os problemas do país. Continuaremos a cumprir os nossos compromissos. Fazemo-lo hoje mesmo mais uma vez em relação à despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, apresentando um projecto de lei nesse sentido e reafirmando que o exercício pela Assembleia da República da sua competência política e legislativa nesta matéria continua a ser o meio seguro para pôr fim à perseguição das mulheres e ao flagelo do aborto clandestino.

Disse.

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