Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Debate sobre o resultado das negociações entre o Governo e a tróica de elementos da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O pacto feito entre PS, PSD e CDS e a União Europeia e o FMI constitui um acto ilegítimo e antidemocrático.
Ilegítimo, não só pelo seu conteúdo, mas também porque pretende comprometer o País com um conjunto de medidas e opções que vão contra o interesse nacional, violam a Constituição e afrontam o povo português.
PS, PSD e CDS — uma verdadeira tróica da submissão —, na sua obediência reverente ao poder
económico, querem criar um facto consumado para as eleições do dia 5 de Junho, querem garantir que, qualquer que seja o resultado, o que delas resulte seja a continuação e o agravamento da mesma política que nos enfiou no «buraco» fundo onde estamos. As medidas previstas são a maior agressão aos direitos do povo e aos interesses do País desde os tempos do fascismo. É um verdadeiro golpe contra o regime democrático, contra a soberania do povo e contra a independência nacional.
Bem podem agora, PSD e CDS, tentar esquivar-se às suas plenas responsabilidades neste ataque aos
portugueses, neste roubo da riqueza e dos recursos nacionais. PSD e CDS são responsáveis, tal e qual como o PS, por todas e cada uma das medidas que agora pretendem impor ao povo português.
E não venham agora apresentar aqui boas intenções. Cada boa intenção que afirmam é uma mentira
desmentida pela assinatura que fazem do acordo que vos impõem o FMI e a União Europeia.
Bem pode o Ministro das Finanças esforçar-se por fingir que negociou muito, dizendo que o programa não é imposto, é assumido. O Governo fez o que lhe mandaram, aceitou o que lhe impuseram, entregou os interesses do País e os direitos dos portugueses. São todos «farinha do mesmo saco»!
Bem podem agora discutir se é o PEC 4, ou não. É, na verdade, a continuação desse grave pacote de
medidas rejeitado pela Assembleia da República e que agora PS, PSD e CDS recuperam em versão PEC 4.1.
Mas para um povo soberano não há factos consumados. O povo pode e deve rejeitar o conteúdo destas medidas, pode e deve castigar os vendilhões do interesse nacional, da soberania e da independência.
Quanto ao seu conteúdo, depois da ardilosa comunicação ao País do Primeiro-Ministro, já se percebeu que as medidas vão penalizar (e muito!) os rendimentos dos trabalhadores e dos reformados em muito mais valor do que um 13.º e um 14.º mês — e, ainda por cima, fazem-no não só num ano mas com carácter de permanência!
O Primeiro-Ministro escondeu-o, é verdade. Mas o PSD e o CDS confirmam agora, em conjunto com o Governo e o PS, o seguinte:
A facilitação e o embaratecimento dos despedimentos, e o alargamento das possibilidades de
despedimento por uma suposta justa causa;
A redução da duração do subsídio de desemprego, do seu montante, a sua redução sistemática, como instrumento para diminuir sistematicamente os salários;
A flexibilização do horário de trabalho, a redução do valor pago pelas horas extraordinárias aos
trabalhadores portugueses (está lá no acordo!) para diminuir o rendimento de quem trabalha;
O ataque à contratação colectiva e ao papel dos sindicatos na negociação;
O congelamento do salário mínimo (isto é, a sua diminuição real) e a desvalorização geral dos salários, por via da legislação do trabalho;
A diminuição real de todas as pensões — todas, incluindo as pensões mínimas, que vão também diminuir o seu valor real porque vão ter, se tiverem, uma actualização muitíssimo inferior à inflação (as pessoas podem ter uns poucos mais euros, mas terão menos pensão porque as coisas estarão muito mais caras, mesmo nas pensões mínimas) — e o corte nas de valor superior a 1500 €;
O aumento do IVA, designadamente em bens e serviços essenciais (aquele aumento que o PSD renegava no Orçamento do Estado e que, agora, assina, aceita e quer impor aos portugueses);
O aumento do IRS por via da redução e da eliminação de deduções fiscais com saúde, educação e
habitação (o que o PSD também rejeitava no Orçamento do Estado, mas que, agora, assina, aceita e quer impor aos portugueses);
O agravamento da tributação das reformas e a espantosa introdução do pagamento de imposto sobre as prestações sociais (o abono de família agora paga imposto pela mão do PS, do PSD e do CDS-PP!);
A eliminação das isenções de IMI nos primeiros anos após a compra da casa, aquelas isenções que os jovens casais têm quando compram casa, durante os primeiros anos, para começarem a construir a sua vida, e que acabam em 2011, ou seja, para o ano já vão pagar — aliás, todos vão pagar mais, porque vão ser revistos em alta os valores matriciais das habitações e aumentadas as taxas de IMI, significando que, para quase todos os portugueses proprietários de casa, o IMI vai ser um subsídio de férias ou um subsídio de Natal a ser pago a mais, todos os anos, por responsabilidade deste acordo assinado pelo PS, pelo PSD e pelo CDSPP;
O aumento brutal do preço da energia eléctrica, devido ao agravamento do IVA, que passa de 6% para um outro escalão, e à aplicação de um novo imposto, disse-nos, hoje de manhã, o Sr. Ministro das Finanças;
O aumento do valor das rendas e a facilitação dos despejos;
O agravamento significativo das taxas moderadoras, a que o Sr. Ministro das Finanças já se referiu como «financiamento da saúde» (já estando, assim, a introduzir, cada vez mais, a lógica do pagamento directo, contra o que diz a Constituição, contra o Estado social, contra a tendencial gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde);
O congelamento dos salários durante três anos;
A redução de dezenas de milhares de postos de trabalho na Administração Pública;
A alienação de direitos especiais do Estado em empresas como a PT, essenciais para garantir o interesse nacional e para que essas empresas não estejam em mãos de capital e interesse estrangeiro, como parece ser a vontade do Governo;
A privatização de empresas lucrativas, de empresas estratégicas, o que vai tornar a vida de todos os
portugueses mais difícil, como aconteceu em todos os sectores onde anteriormente se privatizaram empresas estratégicas;
A extensão do processo de privatizações às empresas municipais e regionais (criticam-se as empresas municipais, mas, em vez de as converterem noutras formas de organização do Estado, vão entregá-las ao sector privado — nesse caso já não faz mal, porque é para favorecer o lucro privado);
E, finalmente, uma ofensiva geral contra o sector dos transportes e contra as empresas que prestam um serviço à população.
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Continua a haver importantes perguntas por responder.
Afinal, não se sabe qual vai ser a taxa de juro. E, pelos vistos, vai ficar dependente — imagine-se! — do mercado. Portanto, nós teríamos de aceitar todas estas imposições para obtermos um empréstimo em melhores condições, mas, afinal, querem que aceitemos todas as imposições para obtermos um empréstimo sujeito à taxa do mercado ou dependente da taxa do mercado, quando todos sabemos que a tendência do Banco Central Europeu é a de aumentar a taxa de referência para corresponder àquilo que foi a missão que a Alemanha impôs que ficasse no seu estatuto, e isso vai significar o aumento da taxa deste empréstimo.
Entretanto, há quem beneficie muito. Há a banca, que leva 12 000 milhões de euros; há o BPN, vendido «limpinho» a quem o quiser comprar, ficando nós, o Estado, com os milhares de milhões de prejuízos que os senhores quiseram que ficassem do lado do Estado; há os que vão ficar com os negócios privados na saúde;
há os que vão ficar com empresas altamente lucrativas a privatizar, como, por exemplo, a REN; e há os que vão ficar com tudo aquilo que vai resultar da entrega de sectores fundamentais do Estado ao sector privado.
É por isso que este programa é ilegítimo e tem de ser rejeitado. E o povo português pode abrir caminho, rejeitando este programa, a um outro rumo que defenda o interesse nacional, o progresso e a justiça social.

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