Intervenção de

Debate sobre o Programa de<br />Intervenção do Deputado Honório Novo

Senhor Presidente Senhoras e Senhores DeputadosAssente a poeira levantada pela rábula, pretensamente teatral, da surpresa causada pelo valor do défice orçamental herdado, começa a perceber se a gravidade e dimensão das malfeitorias que o Governo do PS quer implementar para dar cumprimentos às orientações neoliberais que continuam a soprar de Bruxelas e a ser obsessivamente aplicadas em Lisboa.Quatro ideias centrais resultam de uma reflexão sobre o conteúdo do Programa de Estabilidade e Crescimento.Primeira ideia. O PEC não é um programa de crescimento, é antes um programa de recessão ou, quanto muito, de estagnação económica.Também a Dra. Manuela Ferreira Leite apostara num “boom” exportador, na contenção das importações, na diminuição do consumo interno e na contracção do investimento público. Os efeitos são infelizmente conhecidos, especialmente pelos trabalhadores deste País que passaram quase três anos a apertar o cinto!...O irrealismo das previsões para o crescimento das exportações é apontado por todos. Até o próprio governo o admite quando cria cenários alternativos àquele em que baseou o seu próprio programa. E a verdade é que os últimos dados do INE começam desde já a indiciar a mais que provável falência das previsões do Governo.Num quadro económico em que o Governo “permanece a leste” do encerramento e deslocalização de empresas, e da destruição do que ainda resta do aparelho produtivo nacional; num contexto em que o Governo continua paralisado perante uma globalização sem regras que mina e compromete boa parte da nossa capacidade industrial; num processo em que o Governo vai optar pela diminuição em termos reais do investimento público, torna-se mais que provável que o crescimento económico não atinja valores aceitáveis e suficientes para enfrentar os desafios do desenvolvimento e da melhoria das condições de vida de Portugal e dos Portugueses!Assim irá cair por terra um dos compromissos centrais da campanha socialista que prometia (sic) “aumentar o crescimento da nossa economia para 3% durante a próxima legislatura”. Durante a próxima legislatura e não apenas em 2009, como agora se diz no PEC, mas o mais certo é que isso não suceda, nem em 2009!Outra miragem será, neste contexto, a tão reclamada convergência com a União Europeia. Bem se entende o desejo depois de anos sucessivos de divergência e de já termos sido ultrapassados por dois dos novos Estados-membros da União. Só que, mesmo nas previsões do Governo, isso só sucederá em 2008 e, nessa altura, as estimativas de crescimento do PIB da Comunidade são completamente falaciosas, sem o mínimo de sustentação, nem qualquer justificação credível!Uma segunda ideia mostra que o PEC é um verdadeiro programa de instabilidade e desemprego.E são as próprias previsões governamentais que confirmam que a maior das promessas eleitorais deste Governo vai direitinha para o caixote do lixo. O desemprego vai aumentar durante toda a legislatura, vai ser em 2009 superior ao que era no final de 2004! Não serão criados os tais 150.000 postos de trabalho que o PS prometia! Seria bom que o Governo, em vez de perder tempo com a obsessão do défice, começasse finalmente a apresentar medidas para combater e impedir o alastramento de um flagelo social que, segundo as últimas estimativas, se aproxima rapidamente dos 10% da população activa. Mas não é no PEC que estão as soluções para combater o desemprego; no Programa que o Governo nos apresenta o que consta, sem qualquer dúvida, são as medidas para continuar a fazer aumentar o desemprego.Em terceiro lugar, este PEC é um programa para o reforço e o agravamento das injustiças sociais em Portugal.De um lado, temos o ataque feroz aos direitos dos trabalhadores e dos funcionários públicos. Temos a eliminação de direitos, o aumento da idade da reforma, a diminuição do valor das pensões, temos os cortes brutais nas comparticipações dos medicamentos em geral e nos genéricos em particular, o congelamento de carreiras, a não contagem de tempo de serviço, temos um conjunto de medidas que visa de facto despedir funcionários públicos, temos uma política salarial que impõe uma sistemática perda de poder de compra e que quer condenar Portugal a um modelo de desenvolvimento baseado nos baixos salários e na desqualificação.Do outro lado, temos um conjunto de medidas paliativas, um sem número de grupos de trabalho e de comissões que no fundo, e no fundamental, visam tão somente adiar (para poder aligeirar ou esquecer) a urgente tomada de medidas concretas que ataquem os benefícios individuais e colectivos dos verdadeiros privilégios instalados neste País. Não tentem enganar ou iludir a opinião pública com as anunciadas medidas para cortar nas regalias dos titulares de cargos políticos. Se tivesse havido vontade, há muito que tais regalias não existiriam, bastaria que tivessem ouvido e aprovado muitas das propostas que durante anos e anos fizemos, infelizmente sem resultados.Não tente o Governo esconder o sol com a peneira ou atirar areia para os olhos dos portugueses. É que a verdade, tal como o azeite, acabará por aparecer com nitidez. E a verdade é que o PEC se baseia em duas opções centrais: tentar responsabilizar os trabalhadores e os funcionários públicos pela situação orçamental e transformá-los em bodes expiatórios, manter o essencial das regalias para os “trutas” deste país, não combatendo com vontade e eficácia a evasão, a fuga, os benefícios, os privilégios fiscais, não eliminando o sigilo bancário e mantendo intocável o regabofe dos paraísos fiscais!Uma última ideia permite concluir que o Programa de Estabilidade e Crescimento do actual Governo é uma espécie de edição revista e aumentada da colecção de receitas e medidas que em 2001 a dupla Durão Barroso/Ferreira Leite aplicou aos portugueses.Tal como então, os seus efeitos e consequências vão de novo abater-se sobre a generalidade dos trabalhadores deste país. E, tal como em 2002, não irão resolver os problemas que se propõem superar.Em vez de crescimento, quando muito teremos estagnação.Em vez de emprego, teremos mais desemprego.Em vez de convergência teremos mais divergência.Em vez de maior capacidade produtiva e exportadora, teremos uma maior dependência externa.O programa de privatizações anunciado – cuja concretização e explicitação o Governo curiosamente omite – a par da crescente desresponsabilização do Estado na Economia, e de orientação cada vez mais nítidas e claras de diminuição do papel do Estado na Segurança Social e na Administração Pública, (visando privatizar as suas funções e degradando – ao contrário do que é anunciado – a generalidade dos serviços públicos), constituem opções bem claras que unem os fundamentos e fazem convergir as práticas governamentais de 2002 com as que são hoje as prioridades centrais do actual Governo.A realidade é que, e tal como já aconteceu com o PEC de Durão Barroso e Ferreira Leite, também o PEC de José Sócrates e Campos e Cunha acabe por não conseguir controlar o défice. E, mais cedo do que tarde, lá teremos que voltar a discutir novas medidas adicionais – que aliás o Governo já anuncia mas não explicita – para que se continue a fazer pagar ainda mais aos Portugueses em geral, e aos trabalhadores em especial, as nefastas consequências das políticas neoliberais, que nos são impostas por Bruxelas e que pouco ou nada tem a ver com as necessidades de desenvolvimento e crescimento do país.Mas amanhã, tal como no passado recente, os portugueses saberão encontrar uma resposta firme que permita criar uma verdadeira alternativa para Portugal.

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