Intervenção de

Debate sobre política de ambiente, ordenamento do território e desenvolvimento regional<br />Intervenção de Miguel Tiago

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo: Quanto à conservação da natureza, são sabidas as dificuldades com que o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) se tem cruzado ao longo do seu tempo de vida, algumas delas bem visíveis, infelizmente, naquilo que é o reflexo da sua actividade, da sua fiscalização. Basta passarmos os olhos por parques naturais e ver o estado em que se encontram e os atropelos à lei cometidos no seio de alguns deles, com o funcionamento de actividades extractivas, a construção desmesurada no âmbito turístico ou de segundas habitações, etc. O Sr. Ministro já teve oportunidade de nos explicar quais seriam as prioridades do Governo no âmbito do ICN, ainda que de forma bastante vaga, tendo começado com esta discussão logo na altura do debate do Orçamento do Estado. Porém, aquilo a que temos vindo a assistir quanto ao ICN é que a sua estrutura essencial mantém-se a mesma, a sua dotação e as suas capacidades de intervenção mantêm-se manifestamente insuficientes e, até agora, não houve qualquer tipo de intervenção. A única intervenção que se adivinha é a chamada reestruturação do ICN, nesta formulação suficientemente vaga para que ninguém desvende o que daí possa advir. Até já foi considerada a hipótese de empresarialização do ICN, portanto, da sua transformação em entidade pública empresarial (EPE). Ora — e esta é a minha primeira pergunta —, se uma empresa visa, no essencial (é esse o seu objectivo primário) o lucro, e tendo em conta que a actividade principal do Instituto da Conservação da Natureza será o licenciamento, então, passaremos a ter um ICN que, sustentado agora num novo plano sectorial também ele suficientemente vago (já vou a este assunto), passa a licenciar com critérios cada vez mais duvidosos, ou, pelo menos, agora assumidamente duvidosos, passa a poder vender o licenciamento. Esta seria a visão de um ICN empresarializado. Quanto ao plano sectorial da Rede Natura 2000, acabado de divulgar e, julgo, ainda em processo de discussão pública, este documento assume, pela primeira vez, que o Governo não tem e que o Estado não está munido do conhecimento mínimo para poder proceder à fiscalização e ao licenciamento em sede de Rede Natura. Neste documento assume-se que, nos últimos 30 anos, o ICN não cumpriu a sua missão essencial, que é a de conhecer e proteger os valores da Rede Natura 2000, nomeadamente os habitats e as espécies. Este documento chega ao ponto de afirmar que não existe a cartografia necessária, que não se conhecem as características essenciais dos valores, e ainda assim apresenta os critérios para o licenciamento. O documento aponta também um prazo de 5 anos, segundo é do meu conhecimento, para efectuar esse cadastro, para completar a cartografia necessária para a intervenção coerente do ICN. Como é que o Governo tenciona fazer isto, tendo em conta que, até agora, não houve nenhum reforço para que o ICN pudesse proceder a esta cartografia? Aos técnicos do ICN, como sabemos, em grande parte, é-lhes limitado o acesso ao terreno, sendo fomentado um estilo de trabalho à distância. Os quadros do ICN continuam sem admitir novo pessoal, ainda que, em muitos casos, já estejam criadas as condições para essa admissão. Portanto, como pensa o Governo cumprir este prazo de 5 anos para que o ICN disponha efectivamente de uma cartografia? Gostaria ainda de saber se isto está inserido nessa estratégia de empresarialização. Para terminar, gostaria de deixar mais duas questões. O Sr. Ministro, numa reunião da 7.ª Comissão Parlamentar, afirmou que daria aos vigilantes da natureza a dignidade que este corpo merece. Segundo sabemos, não tem havido qualquer alteração na relação entre o Governo e os vigilantes da natureza, não tem havido o investimento que consideramos necessário para que estes possam efectivamente cumprir o seu papel, continuando a existir situações de parques naturais inteiros, com quilómetros e quilómetros de extensão, em que existem dois vigilantes da natureza, que utilizam os meios precários que sabemos e que funcionam nas condições precárias que conhecemos, as quais, obviamente, não garantem a consequência da acção deste corpo de protecção da natureza. Por último, sobre a água, vemos hoje nos jornais que o Governo não pensa privatizar o sector da água,o que também já foi várias vezes dito. No entanto, e para que nos entendamos, quando começarão as concessões a 75 anos? O Sr. Ministro já disse por várias vezes que vai começar de baixo para cima, pelo que gostávamos de perceber o que significa isso. E se me vai dizer que não vai privatizar o sector, perguntamos desta forma: quando começará a concessionar, por 75 anos, a gestão exclusiva da água para os privados, em de Portugal?

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