Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Debate sobre o plano de construção das grandes obras públicas

Sr. Presidente,
Srs. e Srs. Deputados:
No nosso país, do que mais precisamos neste momento é de uma política que promova o crescimento económico e que aumente o emprego.
Para essa política, em que é indispensável uma linha de aumento da produção nacional, factor fundamental e incontornável para que o País saia do buraco em que 35 anos de governos PS, PSD e CDS o afundaram, é essencial um maior investimento público. E é isso também que está em discussão neste debate: o papel do investimento público na política económica de um país.
É evidente que estamos numa situação em que o endividamento pesa e que é um factor a ter em conta.
Mas, já agora, é preciso dizer — coisa que muitas vezes é escondida — que a maior parte da dívida externa do nosso país é dívida privada. Não é dívida pública, não é dívida do Estado, é dívida da banca e dos grupos económicos. É que isso é muito esquecido com este discurso que põe em cima do Estado todas as responsabilidades. E a verdade é que também boa parte do aumento da divida pública foi feito para injectar dinheiro na banca, que agora exige a intervenção do FMI para lhe serem pagos os empréstimos que concedeu.
Em relação às obras públicas que estão aqui em debate, devem ser distinguidas três questões diferentes.
Primeira questão: o modelo de gestão, o modelo parcerias público-privadas. Trata-se de um modelo
absolutamente inaceitável para o interesse público, pois é mais oneroso para o Estado, não garante a prossecução do interesse público e não pode ser dado como alternativa à ideia de o próprio Estado financiar o avanço destas obras. Mas também é preciso dizer que ele é um bom negócio para o privado, um negócio garantido, sem risco e com uma taxa de rendibilidade bastante satisfatória.
E, verdade seja dita, finalmente o PSD referiu-se a isso, as parcerias público-privadas não foram todas lançadas pelos governos do PS! Não, o PSD e o CDS lançaram parcerias público-privadas, designadamente as parcerias público-privadas na área da saúde, que estão a concretizar-se! Portanto, este discurso que agora fazem de renegar as parcerias público-privadas deve ser um mea culpa, porque no governo PSD/CDS lançaram várias parcerias público-privadas e não lançaram mais porque não tiveram tempo, pois entretanto o Governo foi demitido e a Assembleia da República dissolvida!
A segunda questão consiste em saber se o investimento público é ou não necessário — e nós dizemos que é; saber se ele deve ou não ser aumentado — e nós dizemos que deve; e saber se as grandes obras públicas são importantes neste quadro — e nós dizemos que sim.
O aumento do investimento público é essencial para o crescimento económico, para a criação de emprego e as grandes obras públicas não devem ser excluídas, embora devam ser matizadas com a necessidade de pequenos investimentos que tenham um efeito mais directo na economia e na criação de emprego, particularmente se corresponderem a infra-estruturas importantes para o desenvolvimento do País, para a actividade económica e para a vida das populações; particularmente se tiverem — isto é indispensável também — uma componente de incorporação da produção nacional e se se inserirem num processo de desenvolvimento e de modernização do País e não num processo de abandono e de declínio nacional, como o que está em curso há 35 anos.
A terceira questão que se coloca é a de saber se neste momento concreto, considerando a situação em que o País está, devem ou não avançar as grandes obras públicas. Naturalmente, são obras que têm importância, natureza e prioridade diferenciada entre si: elas não são todas iguais e não são todas tão urgentemente necessárias, há diferenças entre elas. E tendo em conta esta realidade, tem que ser considerada a possibilidade de existir um faseamento e uma reorganização dos calendários, o que não significa o abandono daquelas que são indispensáveis ao aumento da produção, ao aumento do emprego e ao desenvolvimento.
Não aceitamos que alguns, à boleia da situação do País, queiram diminuir pela via deste debate o
investimento público — é o objectivo que alguns têm nesta matéria — ou queiram desvalorizar a importância de algumas infra-estruturas no futuro.
O que vemos também em relação à questão que costuma polarizar este debate, que é a da alta velocidade, é que em todo este processo o Governo desguarneceu completamente a questão da ferrovia tradicional. E basta olharmos para o famoso PEC 4, onde estavam previstos encerramentos de linhas, como estão aliás nos planos da REFER e da CP, para comprovarmos que a política do Governo em relação à ferrovia tradicional é a da sua redução. O Governo tem destruído a ferrovia tradicional em alta velocidade.

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