Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
No passado dia 13 de Maio, foi eleitoralmente inaugurado, pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra da Saúde, o novo edifício do Hospital do Serviço Nacional de Saúde de Braga, substituindo o velho Hospital de S. Marcos — necessidade com mais de 30 anos a que a decisão do segundo Governo PS Guterres/Correia de Campos, de entregar a uma parceria público -privada (processo prosseguido pelo Governo PSD/CDS e concluído pelo actual), acrescentou mais atraso (mais de 6 anos), além de evidentes e enormes prejuízos para o Estado.
No dia da inauguração, funcionários do novo hospital exibiam um colete onde se podia ler «ao serviço dos clientes». É a imagem de marca e o conteúdo central das políticas de saúde que PS, PSD e CDS querem para o País: os doentes e utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) transformados em clientes, naturalmente em clientes do negócio de saúde dos Grupos Mello, Espírito Santo e outros mais.
A inauguração foi precedida de um inaceitável processo de exclusão de 39 trabalhadores que prestavam serviço no Hospital de S. Marcos e de alguns mais que se encontravam em casa por baixa prolongada.
Em 9 de Maio, esses trabalhadores reuniram com a Administração Regional de Saúde do Norte. Para lá de uma lamentável convocatória feita telefonicamente, nalguns casos com três horas de antecedência, julgavam os trabalhadores que lhes iria ser explicada a razão e informados dos critérios que, entre centenas de trabalhadores, determinou a sua escolha como «dispensados». Julgavam que lhes ia ser entregue um documento da sua entidade patronal — o Ministério da Saúde/Administração Regional de Saúde do Norte —, onde se explicava e justificava o facto de, após vários anos de bons e leais serviços ao serviço do Estado português, na unidade hospitalar do Serviço Nacional de Saúde, de S. Marcos, em Braga, ser interrompida a sua carreira profissional hospitalar, numa unidade que continua a integrar o SNS, e serem adstritos a uma outra qualquer unidade da administração regional de saúde. Não houve um qualquer documento que lhes
permitisse o que a Constituição da República e todo o ordenamento jurídico português, nomeadamente o laboral, garantem a todos os cidadãos portugueses: o direito de contestarem a decisão tomada pelo Estado/Ministério da Saúde e defenderem os seus direitos, por simples reclamação administrativa, via hierárquica, judicial ou qualquer outra.
Gostava de saber se algum Deputado, algum dia, aceitava ser tratado assim, na sua carreira profissional!?
Mas não! Num incrível e kafkiano processo, não havia, e continua a não haver, explicações, justificações, razões, nem papel a documentar as decisões tomadas. Aparentemente, tudo parece ter acontecido por sorteio numa tômbola gigante, onde, metidos os cartões dos nomes dos cerca de 1200 trabalhadores com vínculo público, coube à sorte escolher aqueles 39. Sabemos que não. O sorteio foi viciado, pois foi o Grupo Mello a meter os 39 nomes, que tinha escolhido por critérios de retaliação, «higienização sindical» e outros, bem mais escabrosos, para sortear os 39, prévia e cirurgicamente escolhidos: os trabalhadores, entre os quais dois dirigentes sindicais que tinham conduzido a luta contra a tentativa do Grupo Mello de pôr fim ao vínculo público na transferência para o novo hospital.
Sabemos mais: não havia justificação para nenhum sorteio ou escolha, pois todos os trabalhadores com vínculo público cabiam na quota dos 95% do mapa de recursos humanos do novo hospital, que, mesmo que ilegalmente, o contrato de gestão, livremente negociado, tinha fixado.
Refira-se a tentativa fraudulenta de justificar a decisão, com base numa leitura que o contrato de gestão não permite: nesse documento, o ponto 2 da cláusula 66 diz que o Grupo Mello deve preencher 95% do quadro do novo hospital — logo, 95% de 1768 profissionais — e não diz que os 95% se referem ao número de pessoal que exercia funções no S. Marcos, como treslêem a Administração Regional de Saúde e o Ministério da Saúde.
Acrescente-se que, aos 39 trabalhadores atrás referidos, o Grupo Mello, com a participação activa da
Administração Regional de Saúde e do Ministério da Saúde, resolveu excluir igualmente trabalhadores em licença por doença prolongada — casos de total desumanidade, como o de uma médica, no topo da sua carreira profissional, após vários anos ao serviço do S. Marcos, em casa, por doença grave!
Mas o problema não é do Grupo Mello, é de um Ministério que, sem qualquer sentido de Estado — pessoa de direito e pessoa de bem que devia ser —, sem qualquer respeito pela dignidade profissional dos seus trabalhadores, competentes e dedicados, sem qualquer pudor na violação da lei e no ultraje da cidadania, trata portugueses e portuguesas como números, numa total e completa subserviência e cumplicidade com um grande grupo económico!
Continua a ser uma urgência que o Ministério da Saúde corrija os brutais atropelos cometidos e explique ao País quantos milhões de euros, e com que justificação, acrescentou nas transferências financeiras para o Grupo Mello, porque é coisa que continuamos a não saber.
(…)
Sr. Presidente,
Venho solicitar à Mesa a distribuição de um documento, no qual está escrito o ponto 2 da cláusula 66.ª do contrato de gestão, segundo a qual «a entidade gestora do estabelecimento se obriga a preencher o respectivo mapa de recursos humanos em pelo menos 95%,…» — do novo hospital — «… com o recurso ao pessoal que exerce actualmente funções no Hospital de São Marcos».
Esta não é a interpretação que está a ser feita pelo Ministério da Saúde, apesar de resultar claro da leitura do contrato de gestão.