Intervenção de

Debate sobre o Estado da Nação - Intervenção de António Filipe na AR

Debate sobre o Estado da Nação

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

A questão que lhe vou colocar tem a ver com liberdades democráticas. É estranho ter de o fazer, mas, infelizmente, tem de ser, porque há factos que, a bem da democracia, não podem passar em claro.

Em Dezembro do ano passado, uma delegação do PCP, com cerca de duas dezenas de elementos, dirigiu- se à residência oficial do Sr. Primeiro-Ministro para entregar uma abaixo-assinado, com cerca de 100000 assinaturas, em defesa do direito à segurança social. As assinaturas foram entregues por dois dirigentes do PCP a um assessor do Sr. Primeiro-Ministro.

Seis meses depois, esses dois dirigentes do PCP foram notificados para comparecer perante as forças de segurança da área da sua residência e foram constituídos arguidos, sob a acusação de manifestação ilegal, tendo ficado com a medida de coacção de termo de identidade e residência.

Sr. Primeiro-Ministro, é preciso dizer nesta Assembleia, que é, muito justamente, considerada como a casa-mãe da democracia, que este facto é intolerável e é um insulto à própria democracia e a todos os que lutaram e lutam pela democracia em Portugal.

Sr. Primeiro-Ministro, não me venha dizer que não sabe de nada, que não tem qualquer responsabilidade pelo ocorrido, porque isso não chega, e não chega porque isso passou-se na residência oficial do Sr. Primeiro-Ministro, pois foi lá que os dois dirigentes do PCP foram identificados. E nestes 32 anos de democracia foram entregues muitos abaixo-assinados na residência oficial do Primeiro-Ministro, a força de segurança tem sido sempre a mesma, passaram por lá 13 primeiros-ministros, mas é a primeira vez que isto acontece.

Portanto, o que se exige ao Sr. Primeiro-Ministro nesta Assembleia é uma condenação inequívoca do ocorrido, é um compromisso de que vão ser apuradas todas as responsabilidades que se impõem, para que não se repitam casos como este, que são, de facto, inaceitáveis, são actos de perseguição política inaceitáveis em democracia.

Estes actos não nos intimidam, mas são uma vergonha para o regime democrático.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, este não é o único caso de violação de direitos democráticos e de cidadania envolvendo forças de segurança. E vou dar mais três exemplos.

Na empresa Lusocider, a GNR foi chamada pelo patronato para pôr fim a uma reunião sindical, que estava a decorrer nos termos da lei. A GNR foi lá, identificou os dirigentes sindicais e expulsou-os das instalações, numa atitude que veio a ser considerada ilegal pelos tribunais, aos quais os sindicatos recorreram.

Na empresa de Transportes Scotturb passou-se o mesmo, só que aqui a GNR prendeu os dirigentes sindicais na empresa e levou-os para o posto da GNR, mas os trabalhadores foram atrás e o plenário sindical acabou por se realizar não na empresa, onde devia ter sido, mas, sim, à porta da GNR.

Na empresa Triunfo Internacional, em Sacavém, os trabalhadores que integravam um piquete de greve foram constituídos arguidos por manifestação ilegal.

Nos hotéis Tivoli e Marriott, a PSP prestou-se a servir de milícia patronal para possibilitar a substituição ilegal de trabalhadores em greve.

E a questão que se coloca, Sr. Primeiro-Ministro, é esta: as forças de segurança que o seu Governo tutela servem, afinal, para garantir a segurança dos cidadãos e o respeito pela liberdade democrática, que é aquilo para que constitucional e legalmente servem, ou para funcionar como milícias do patronato para reprimir e intimidar os trabalhadores que lutam, nos termos da lei e da Constituição, em defesa dos seus direitos?

Sr. Primeiro-Ministro, a resposta que queremos de si é saber qual é a sua posição acerca destes factos inaceitáveis que aqui referi, que são dados muito concretos aos quais o Sr. Primeiro-Ministro não pode fugir.

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