(interpelação n.º 19/XII/4.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Se há matéria que é clarificadora das opções políticas de cada um dos partidos é a da política de rendimentos e a forma como é distribuída a riqueza nacional.
O País, além de necessitar de aumentar a riqueza produzida, está, sobretudo, confrontado com uma gigantesca e insustentável injustiça na distribuição da riqueza nacional.
Portugal cria, por ano, cerca de 165 milhões de euros de riqueza. Para onde vai a riqueza produzida? Como é distribuída entre as classes sociais? E por que é que a riqueza é desta forma distribuída?
No fundamental, são quatros as matérias que influenciam a distribuição da riqueza. Qual a política salarial e quais as diferentes formas de remuneração do trabalho, dos salários e das pensões? Qual é a política fiscal e como são tributados os rendimentos do trabalho e do capital? Qual é a política económica e quais as opções em matéria de privatizações, investimentos, rendimentos da atividades produtiva e financeira, em que se incluem PPP (parcerias público-privadas), swaps e outras formas de transferência de riqueza? E qual é a política de prestações sociais?
A resposta a estas perguntas demonstra como nos últimos 38 anos, e nos últimos três anos em particular, sucessivos Governos promoveram uma política de concentração de riqueza em meia dúzia de grupos económicos e financeiros, recuperando muitos dos que enriqueceram com o fascismo, criando outros e promovendo a acumulação nos grupos transnacionais à custa da miséria e da fome de milhares de trabalhadores.
Concentrar a riqueza nacional à custa da exploração de quem trabalha, eis o eixo central da política de direita.
Por via da não valorização salarial, por via de sucessivas alterações à legislação do trabalho sempre a favor do patronato, por via de impostos e da injusta e excessiva tributação de quem trabalha em benefício do grande capital, por via da entrega das empresas de todos nós a grupos transnacionais, por via dos cortes em prestações sociais, sucessivos Governos, com destaque para o atual, alteraram profundamente a estrutura da distribuição da riqueza nacional.
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Nenhum Governo foi tão longe como o atual no ataque aos salários do setor público e privado e no ataque aos direitos e outras componentes da retribuição.
Seguindo as pisadas do anterior Governo PS, o PSD e o CDS promoveram cortes diretos nos salários e sucessivas alterações à legislação do trabalho, reduzindo a remuneração do trabalho.
Desde 1986, por via dos Orçamentos do Estado e de sucessivos pacotes laborais, os Governos PS, PSD e CDS reduziram a retribuição do trabalho e aumentaram os horários de trabalho, impondo a exploração.
Os Orçamentos do Estado deste Governo PSD/CDS e as suas opções foram particularmente graves a este respeito: congelaram e cortaram salários, congelaram as progressões e promoções, aumentaram os descontos nos subsistemas de saúde. Com tudo isto, confiscaram mais de 30% dos salários dos trabalhadores da Administração Pública.
Não satisfeitos, o Governo PSD/CDS aposta em novas formas de trabalho escravo ou forçado e chegam ao desplante de querer obrigar as pessoas a trabalhar de graça. É isso que acontece com a praga dos ditos «contratos emprego-inserção», que não são nem de emprego, nem de inserção, em que o Estado obriga os trabalhadores desempregados a trabalhar de graça, uma vez que a retribuição pelo trabalho prestado é o subsídio de desemprego para o qual o próprio trabalhador descontou. Hoje, só no Estado temos mais de 30 000 pessoas a trabalhar de graça.
No setor privado e no setor público, crescem também uma outra forma de trabalho gratuito: os ditos «estágios» que, na verdade, significam a satisfação de necessidades permanentes com a prestação de trabalho gratuito. Também é exemplo disto a proposta que o Governo está a discutir e que visa facilitar o uso do dinheiro dos trabalhadores para pagar parte do salário de um trabalhador que aceite trabalhar por um salário mais baixo do que o seu subsídio de desemprego. No fundo, querem que seja a segurança social a financiar os salários de miséria, a financiar a estratégia de fazer baixar os salários no nosso País.
Uma outra forma de agravar a já injusta distribuição de riqueza passa pelas opções em termos de política fiscal. Por via dos impostos, sucessivos Governos PS, PSD e CDS, sobretudo o atual, concentraram a riqueza no grande capital e aumentaram a injustiça.
Bem nos lembramos do CDS, de Paulo Portas bradar aqui, no Parlamento, contra a elevada carga fiscal que pendia sobre os portugueses. Pois o que o Governo fez foi aumentar, de forma brutal e injusta, os impostos sobre quem trabalha para diminuir os impostos que os grupos económicos pagam. Enquanto aumentaram o IRS em 35% — o que significou mais 11 000 milhões de euros retirados aos trabalhadores —, diminuíram o IRC sobre as grandes empresas de 25 para 23%, em 2014, e para 21%, em 2015, com a intenção de o reduzir até aos 17%. A isto temos de somar um aumento de 41% do IVA desde 2000, que penaliza, sobretudo, os trabalhadores e a população com menos rendimentos. Simultaneamente, deram aos grandes grupos económicos milhares de milhões de euros em benefícios fiscais, alguns deles nem sequer declarados pelo Governo.
Também em termos de política económica, este Governo opta por concentrar a riqueza, atacando pequenas e médias empresas e produtores, privilegiando os grandes grupos económicos e financeiros.
Por via das privatizações, sucessivos Governos têm vindo a entregar património que é de todos nós aos grandes grupos económicos, que se apropriam das empresas de onde retiram milhões e milhões de euros de lucros que deveriam reverter para o nosso País. O caso da TAP é apenas o último e flagrante exemplo dessas opções que prejudicam o País para servir os grandes interesses económicos.
Além das privatizações, os grandes grupos económicos têm vindo a beneficiar de gigantescos privilégios e mordomias: regimes fiscais que permitem a fuga, legal ou ilegal, aos impostos; perdões fiscais; reduções da taxa social única; PPP e outros negócios que garantem milhões do Orçamento do Estado. Para estes, não falta dinheiro.
Os lucros dos grandes grupos económicos cá estão para demonstrar que os sacrifícios, ao contrário do que o Primeiro-Ministro afirma, não são para todos e que, ao contrário do «mexilhão», estes não se lixaram com a crise. Pelo contrário, ganharam, e não foi pouco.
O Governo que corta a quem trabalha é o mesmo Governo que garante 12 000 milhões de euros para a recapitalização da banca, 23 000 milhões em juros da dívida, milhares de milhões de euros em benefícios fiscais — 1045 milhões dos quais escondidos da Conta Geral do Estado só em 2012 — e cerca de 5 000 milhões em PPP.
O País que se afunda do ponto de vista social é o mesmo País em que os grandes grupos económicos têm lucros milionários garantidos. Entre 2004 e 2013, a banca acumulou mais de 10 000 milhões de euros; na energia e telecomunicações, onde se inclui a Galp e a EDP, mais de 27 000 milhões de euros; no comércio e serviços, onde se inclui a Sonae e a Jerónimo Martins, mais de 4000 milhões de euros.
Foram 18 empresas — apenas 18 empresas! — que acumularam, em menos de uma década, mais de 48 000 milhões de euros — e isto é apenas uma parte dos lucros dos grandes grupos económicos.
Por outro lado, as pequenas e médias empresas, que são a base da nossa economia, são esmagadas pela política do Governo, definham por falta de procura interna e nem o setor primário, que é tanto alvo de propaganda por parte do Governo, escapa ao processo de concentração de riqueza, com os produtores a receberem uma pequena fração do preço dos produtos que produzem. Enquanto as grandes superfícies aumentam os seus lucros, os preços pagos aos produtores caíram 80% e os produtores ficam apenas com 10% do valor criado; o resto acumula-se nos lucros dos grandes grupos da distribuição.
Por fim, também na política de prestações sociais o Governo agrava a injustiça na distribuição da riqueza. O que devia servir para esbater o fosso de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres e ajudar a combater a pobreza é utilizado como fator de agravamento das injustiças.
Não obstante o Governo cobrar cada vez mais impostos a quem trabalha, estas pessoas ainda beneficiam cada vez menos deles. Além de fragilizar, cortar e diminuir serviços públicos fundamentais, como a saúde, a educação e a justiça, o Governo cortou significativamente nas prestações sociais.
Depois dos cortes do Governo PS, de Sócrates, este Governo foi mais longe e cortou o abono de família a mais de 56 000 crianças, cortou o complemento solidário para idosos a mais de 63 000 idosos e cortou a mais de 120 000 pessoas o rendimento social de inserção.
Queremos destacar que, existindo mais de 1,2 milhões de desempregados, apenas 23% recebem subsídio de desemprego.
Numa frase: os pobres têm condições de recurso para impedir o acesso às prestações sociais de miséria, os ricos têm regimes especiais de regularização tributária para branquear capitais e fugir aos impostos.
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
As consequências destas opções políticas são dramáticas e estão à vista de todos.
Em 1975, fruto da valorização dos salários alcançada com a Revolução de Abril, 73% da riqueza nacional destinava-se ao pagamento de salários. Em 2013, os salários representavam apenas 37% da riqueza nacional. Já os rendimentos de capital sofreram o processo inverso: em 1975, representavam 27%, mas, em 2013, mais de 62% da riqueza nacional foi destinada aos rendimentos de capital.
Hoje, os rendimentos globais dos 10% mais ricos são 10 vezes superiores aos rendimentos dos 10% mais pobres. Ou seja, um punhado de ricos ganha 10 vezes mais do que um milhão de portugueses. Assim se percebe a dimensão do processo de concentração da riqueza nacional e para onde vai a riqueza produzida pelos trabalhadores.
Ao mesmo tempo, e porque a riqueza nacional não é elástica, de acordo com o INE, o risco de pobreza aumentou significativamente em 2012, atingindo o valor mais elevado desde 2005. Em 2012, atingiu 24,7%, ou seja, cerca de 2,6 milhões de portugueses estavam em risco de pobreza e há cada vez mais trabalhadores que, trabalhando, ficam pobres.
Em apenas dois anos, o Governo, ao mesmo tempo que promovia a concentração de riqueza nos já milionários do nosso País, atirou mais 500 000 pessoas para a pobreza.
Estamos face a uma clara opção de classe de sucessivos Governos, especialmente deste último, que tira milhões e milhões de euros a quem trabalha ou vive da sua reforma, criando mais dificuldades, miséria e pobreza, para entregar fatias cada vez maiores da riqueza nacional produzida por quem trabalha a meia dúzia de grupos económicos, aos bancos e aos milionários.
Uma das imagens do definhamento do País e consequência do processo de concentração da riqueza é a emigração, que compromete a breve e a médio prazo as condições necessárias para o nosso desenvolvimento.
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Um país mais justo precisa de uma mais justa distribuição da riqueza. Para que isso aconteça é preciso, com urgência, a demissão deste Governo e a consagração de uma política patriótica e de esquerda, que, como o PCP propõe, valorize salários e reformas, promova justiça fiscal, privilegie a produção nacional e não os grupos económicos e que, efetivamente, proteja quem menos pode e menos tem por via das prestações sociais.
O País precisa de uma política de defesa e de aumento da produção nacional com a recuperação, para o povo português, das empresas estratégicas e do setor financeiro.
O País precisa da valorização dos salários, das pensões e das prestações sociais, que, além de combaterem a pobreza, permitem que a riqueza reverta para quem a produz.
É urgente combater os despesismos e assegurar uma tributação justa do capital para aliviar os trabalhadores, os reformados e as pequenas e médias empresas.
É urgente uma política de investimento público que defenda e recupere os serviços públicos, cumprindo, assim, as obrigações constitucionais do Estado.
Portugal precisa de uma política soberana que coloque em primeiro lugar os interesses do nosso País e do nosso povo.
Em síntese, o País precisa de uma rutura com a política de direita, que o PCP propõe, para assegurar uma política patriótica e de esquerda que recupere os valores de Abril e o seu projeto de justiça social.
Os trabalhadores e o povo saberão sacudir o medo e, com confiança, libertarem-se das correntes que os aprisionam para construir o futuro do nosso País.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Nuno Serra,
Vamos ao que interessa, porque preocuparmo-nos com o nosso País é fundamental.
VV Ex.as não se preocupam com o nosso País, mas o PCP preocupa-se!
Uma coisa é a realidade, outra é a propaganda do Governo, e o problema do seu discurso é que a riqueza nacional não é elástica. Por isso, colocamos a questão central: como é que a riqueza está a ser distribuída?
O Sr. Deputado não encontrou um único argumento para contrariar um simples facto: é que a riqueza nacional no nosso País está a ser concentrada em meia dúzia de pessoas e com isto a pobreza aumenta de uma forma significativa. O Sr. Deputado não disse uma palavra sobre esta matéria.
O INE prova que o nosso País está a definhar, a pobreza está a aumentar, uma em cada três crianças é pobre, a emigração disparou, o desemprego é o que é.
Portanto, Sr. Deputado, não encontra soluções para o nosso País.
Repito: o desemprego está a aumentar, o País está a definhar, a solução não passa pelo seu Governo, passa por uma política patriótica e de esquerda, como o PCP propõe.