Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Debate sobre assuntos europeus

Debate sobre assuntos europeus: apreciação do Conselho Europeu de 16 e 17 de Dezembro, balanço da Presidência belga da União Europeia e análise do Programa de Trabalho da Comissão Europeia para 2011

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
O Conselho Europeu de Dezembro passado mostra, cada vez mais, que a União Europeia anda à imagem e semelhança dos países mais fortes, em particular da Alemanha.
Cada vez mais podemos dizer que a União Europeia é o que interessa à Alemanha, traduz o interesse nacional alemão e dos grupos económicos e financeiros. É a isto que estamos a assistir, desde a introdução da moeda única, pode dizer-se — lamento ter de o dizer — perante a complacência e a passividades dos sucessivos governos portugueses.
Repare que a moeda única foi concebida segundo as imposições alemãs: ou era aquilo ou não era nada; a morda única era forte para servir a economia alemão; a moeda única tinha de ter associado o pacto para servir a competitividade alemã.
Repare também que o alargamento aos países de Leste foi feito daquela forma rápida, sem colher os impactos, necessariamente para responder aos interesses da economia alemã e dos grupos económicos e financeiros alemães; a alteração do Tratado de Lisboa foi concebida para dar voz e peso determinante aos países mais fortes, com a Alemanha à cabeça; o modelo de governação económica, Srs. Deputados, impondo austeridades, violando, eventualmente, normas constitucionais, substituindo-se às competências nacionais, é concebido para responder às imposições e aos interesses alemães; e, finalmente, é também imposta pela
Alemanha, e só depois pela França, é verdade, uma nova alteração do Tratado de Lisboa — o tal que era para 50 anos… — e que agora está, ou, pelo menos, julga-se estar, em debate. Naturalmente, traz atrelada a esta alteração a ideia de transformar uma espécie de protectorado os países que venham a necessitar do chamado «mecanismo de apoio permanente».
Gostaria de perceber o que o Governo quer fazer, designadamente, sobre esta última matéria. Como pensa o Governo lançar o debate sobre esta alteração ao Tratado? Como pensa o Governo dar conta ao País e a esta Assembleia do debate sobre as disposições que estão a ser feitas e que condicionarão a utilização do mecanismo financeiro permanente? Vai o Governo colocar o País perante factos consumados, como fez relativamente à governação económica?
Finalmente, Sr. Ministro, faço uma pergunta que cada vez mais entra na ordem do dia. Tem o Governo pensada alguma estratégia de resposta nacional e comunitária, nacional ou comunitária, perante um eventual cenário de saída controlada e/ou negociada do nosso País da zona euro?
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Registei que o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não quis responder a duas questões que lhe coloquei, mas vou repeti-las.
Como pensa o Governo lançar o debate sobre a alteração do Tratado que está em discussão e, sobretudo, sobre as disposições que vão condicionar a aplicação do mecanismo europeu?
E lancei-lhe um repto, que não vou deixar de repetir: o Governo tem pensada alguma estratégia, nacional ou comunitária, perante um cenário eventual de saída negociada da zona euro?
Sr. Ministro, nesta minha intervenção, quero também abordar o Programa da Comissão. Quem lê o Programa da Comissão parece estar perante um conto de fadas. Lendo e relendo o documento, parece nada se passar à volta dos corredores em que se continua a congeminar o pensamento único sobre o futuro da União Europeia. Ali está toda a retórica que nos conduziu a esta crise, toda a panóplia de promessas adiadas de crescimento e de criação de emprego, retórica que, se não for erradicada, nos conduzirá, inevitavelmente, às crises seguintes.
Fala-se de governação económica e passa-se uma «esponja» sobre os mecanismos em aprovação, os quais, para além da colisão com princípios constitucionais ou com competências deste Parlamento, podem determinar, no caso português, a aplicação de multas anuais, que variam entre 175 e 850 milhões de euros anuais, a reverter para os chamados países cumpridores, de uma forma proporcional à sua riqueza. Isto é, para quem nos ouve, o quinhão maior do dinheiro das nossas multas será dado aos países mais ricos.
Fala-se de completar a reforma da regulação financeira e fica para a história a prometida proibição de todos os mecanismos de investimento especulativo, de criação de um imposto sobre transacções financeiras, passando-se uma outra «esponja» sobre a anunciada restrição do funcionamento de paraísos fiscais, de offshore e de zonas francas, permitindo-se, por exemplo, que o reforço dos sistemas legalizados de fuga aos impostos — passe a expressão —, que estiveram na base de fraudes no BCP, no BPP e no BPN, possa ser defendido, como o foi anteontem, pelo candidato Cavaco Silva num comício de campanha eleitoral realizado
na Região Autónoma da Madeira.
Fala-se do novo orçamento comunitário — até se lhe chama moderno, veja-se! — e passa-se uma «esponja» sobre o anunciado congelamento das perspectivas financeiras até 2020, já apresentadas pelo trio do directório europeu, constituído pela Alemanha, pela França e pelo Reino Unido.
No Programa da Comissão, Sr. Presidente e Sr. Ministro, parece que se fala de tudo mas, na verdade, omite-se o essencial. É que, com políticas de austeridade impostas de forma arbitrária e violenta, em especial aos países mais débeis, não se promove a recuperação nem o crescimento, não se combate o desemprego, antes se fomenta a estagnação e a recessão, quando muito o crescimento medíocre ou pífio, e, em consequência, gerar-se-ão inevitavelmente novos desequilíbrios orçamentais e maiores dependências externas.
No Programa da Comissão, Sr. Ministro, omite-se até a nova revisão para alterar o Tratado, que era para durar 50 anos.
Importa, por isso, urgentemente, mudar de políticas e de orientações. Neste contexto, como eu disse ao Sr. Secretário de Estado hoje de manhã, mas ele não me ouviu e preferiu dar a volta às minhas afirmações, importa «dar um murro na mesa» e fazer com que a construção europeia seja feita para os povos e não continue a ser feita para os países mais poderosos ou em nome daquilo que são os interesses dos grupos económicos e financeiros.

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