Intervenção de

Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre a situação orçamental do País<br />Intervenção de Bernardino Soares

  Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Penso que lhe podemos dizer, pois não levará a mal, que a surpresa que apresenta com estas contas é uma falsa surpresa. Tem de ser uma falsa surpresa! Isto porque, mesmo que o Sr. Primeiro-Ministro invoque as declarações que fez durante a campanha eleitoral, lembro-lhe que, no último debate do Programa do Governo de Santana Lopes, em Julho do ano passado, o líder parlamentar da sua bancada disse o seguinte: «Nós estamos convictos de que, neste momento, o défice real em Portugal é superior a 6%.» Disse-o ele, e todos nós sabíamos. E o Sr. Primeiro- Ministro também sabia. Não quero atribuir esta questão, que, de resto, não é a mais importante, a qualquer dificuldade de comunicação entre o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Deputado em causa, mas, na verdade, o PS sabia disto. E também sabia do «buraco» da saúde, porque o Partido Socialista disse, nesse mesmo debate, que faltavam 1200 milhões de euros no orçamento da saúde. Bem sei que não é a totalidade do que agora foi detectado, mas era uma fatia substancial. O que há, pois, aqui é uma encenação de surpresa para aplicar medidas de fundo, algumas das quais, como, aliás, o Sr. Primeiro-Ministro disse, já previstas pelo Governo. De facto, este programa de medidas não é só para cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Este programa é também para impor medidas que o Governo já tinha previstas e que são medidas negativas e de retrocesso. É uma espécie de «cavalo de Tróia», dentro do qual vão coisas que não deviam lá estar, que não têm ligação ao problema do défice e que são negativas. Quanto à questão dos sistemas de segurança social e dos vários sistemas públicos de saúde, do que se trata — o Sr. Primeiro-Ministro não o disse mas é isso — é de um nivelamento, por baixo, dos direitos, é de encontrar um ponto de equilíbrio, diz o Sr. Primeiro-Ministro, que é sempre mais próximo dos direitos mais baixos e mais distantes dos direitos mais elevados. É isso que está em causa. Na área da saúde, vê-se bem que o Governo está a preparar um corte na despesa. Aliás, o Sr. Primeiro- Ministro devia ter reparado naquela parte do relatório da «Comissão Constâncio» em que se comprova — aliás, o anterior ministro da Saúde ontem confirmou-o — que tem havido um subfinanciamento na saúde. Então, o que propõe o Governo? Propõe uma cativação de 5% nos hospitais, que já estão depauperados de recursos pelo anterior governo. É errado, Sr. Primeiro-Ministro! O Sr. Primeiro-Ministro devia, sim, olhar para as despesas com os sectores privados por transferência do Orçamento público, com as convenções, com os meios de diagnóstico, com a fixação de preços de medicamentos, contornando a lei que muitas multinacionais estão a fazer, com grave prejuízo para o erário público. Sr. Primeiro-Ministro, em relação às medidas que anunciou, foi concreto para os fracos e vago e indeterminado para os fortes. No que diz respeito a tudo o que são restrições aos direitos sociais, há medidas concretas e à vista; todavia, para os administradores de empresas públicas fala-se em limitar, em restringir, mas nunca em eliminar esses privilégios. Quanto a medidas fiscais, compreenda a nossa dúvida. É que já vimos um governo do Partido Socialista aprovar medidas contra a injustiça fiscal e de maior tributação dos rendimentos financeiros e, antes que elas entrassem em vigor, revogar as próprias medidas que o governo e a bancada do Partido Socialista tinham aprovado! Sr. Primeiro-Ministro, do que precisamos não é só de mais transparência fiscal, com a qual concordamos, é também de mais justiça fiscal. Não basta dizer que vamos rever os benefícios fiscais, não se sabendo quais nem quanto. Não basta dizer que se vão impor novos limite à transmissão de prejuízos e à reestruturação de empresas no que toca aos benefícios fiscais, pois não sabemos quanto. Não basta dizer esta coisa extraordinária de que vão eliminar a possibilidade de reduzir por despacho a percentagem de lucro tributável das empresas do offshore da Madeira. Mas ela continua a existir no Orçamento, só deixa de ser possível por despacho. O que devia fazer era passar a eliminar definitivamente essa percentagem no próprio Orçamento. Ora, isso o seu Governo não tem coragem para o fazer. Para os fracos os sacrifícios estão aí; para os fortes ainda são, e continuam a ser, uma miragem.

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