Intervenção de João Amaral na Assembleia de República

Debate de urgência sobre o "aumento da insegurança e da criminalidade no pais"

Senhor Presidente,
Senhor Ministro da Administração Interna,
Senhores Deputados:

Começo por cumprimentar o Senhor Ministro e desejar-lhe, em nome da minha bancada, completo restabelecimento do seu estado de saúde. Isto apesar do ambiente pouco propício... O Senhor Ministro já foi obrigado a ouvir aqui o Senhor Deputado Carlos Encarnação e o seu estilo mórbido e desesperado. Foi um estilo que lhe ficou desde o tempo em que era Secretário de Estado com o então Ministro da Administração Interna Dias Loureiro, quando viam os índices de criminalidade a subirem dia a dia, e os relatórios da segurança interna a trazerem com regularidade o panorama de um país cada vez mais assustado. Muitas vezes aqui criticámos a política do PSD. Porque o PSD tinha de facto uma política fortemente negativa, mas tinha uma política que se percebia e que punha em execução como um caterpiller... O PSD odeia polícia de proximidade. O PSD abomina pequenas esquadras de bairro, teme mais que tudo polícias inseridas na comunidade a partilharem os problemas, e só a ideia de ver cidadãos a participarem na execução de medidas de prevenção deixa-o prostrado e à beira de um ataque de nervos. O que o PSD gosta mesmo é de polícias acantonados em divisões concentradas, as famosas super-esquadras, polícias armados até aos dentes, enquadrados militarmente, espreitando o mundo pelas frestas dos seus quartéis, e fazendo surtidas no exterior para arrebanharem suspeitos, criminosos e, à cautela, alguns sindicalistas e anarquistas... Isto é o PSD no seu melhor. Com a política das super-esquadras, até poupou no sector da segurança interna. Nos tempos do Senhor Ministro Dias Loureiro, o Orçamento corrente do MAI desceu vários anos seguidos em termos reais. Esta política do PSD era muito adequada para usar a polícia como uma força de ocupação, como sucedeu na Marinha Grande no caso da Pereira Roldão. Ou para as chocantes cenas das cargas policiais para defender as portagens (as portagens sociais-democratas, claro!), decretadas pelo então Ministro Ferreira do Amaral. Mas uma polícia assim nem dava segurança aos cidadãos, nem tinha eficácia na prevenção do crime.

A política de segurança interna do PSD foi uma das que mais contribuiu para o seu afastamento do poder em 1995. E, se havia política onde legitimamente fossem esperadas mudanças, esta era uma delas. O PS fartou-se de fazer promessas. Falou, falou, falou, até 1995. Depois, de 1995, falar, vai falando, mas agir em coerência, aí é que está o problema.

O Ministério da Administração Interna faz a política do "pára-arranca". Parece um táxi. Se alguém faz um qualquer sinal, um artigo no jornal, uma intervenção aqui no Plenário, um protesto algures, o táxi imediatamente faz uma corrida, cheio de medidas e estatísticas. Mas, se esse alguém se apeia e vai a outra quinta, por exemplo, se aqui na Assembleia se está uns tempos sem falar de segurança interna, então o Ministério da Administração Interna entra de sopetão em estado de letargia, e deixa as coisas correr.

O Governo PS já devia ter desmantelado as super-esquadras e todo o seu aparelho de aparato repressivo - mas não o fez.

Já devia ter apresentado aqui a lei de orientação da política de segurança interna, que prometeu há dez meses, mas não o fez.

Já devia ter resolvido o problema da ocupação dos milhares de agentes policiais da PSP e GNR em missões dos tribunais, mas não o fez.

Já devia ter apresentado o relatório sobre a formação inicial e permanente dos agentes, mas não o fez.

Já devia ter melhorado as condições de vida dos agentes, por exemplo com o mais que prometido subsídio de risco, e com a eliminação do absurdo horário de trabalho da GNR, mas não o fez.

No fundo, a equipa do Ministério da Administração Interna limita-se a gerir o aparelho de Dias Loureiro, retocando-o aqui e ali, mas foi incapaz de fazer a sua reforma e de lhe dar um novo rumo.

As consequências da política do ziguezague são mais que conhecidas. O caso da direcção superior da polícia pelos vistos não serviu de ensinamento. Fazer um decreto-lei a permitir a nomeação de um não-militar para comandante geral da PSP e logo a seguir nomear um general foi um tiro no pé. Ou melhor, nos dois pés, no do general e no próprio. O resultado foi terrível. No termo dos acontecimentos de Évora e dos seus desenvolvimentos, o PCP agendou para aqui, para o distante dia 4 de Janeiro, o projecto de grandes opções da política de segurança interna, que se pode resumir a uma grande opção: polícia de proximidade, de características cívicas, bem preparada, disponível para as suas missões, privilegiando a prevenção. O Governo falou de apresentação próxima de uma lei de orientação, por isso o projecto do PCP baixou à Comissão, a aguardar a proposta do Governo. Como é costume, depois do susto e do solavanco, o MAI entrou novamente em letargia e a proposta não apareceu.

Porquê? Porque é que não veio a lei de orientação? Porque o Ministério não tem orientação! O PSD tinha, queria repressão e militarização. O PS anunciou o contrário. E quando o coração do Senhor Primeiro Ministro se comove a pensar nas pessoas, volta a falar em proximidade. Mas as comoções do Senhor Primeiro Ministro são passageiras, trata-as a ácido acetilsalicílico. Isto é: o coração do Governo, balançando, acaba por pender para o lado da política velha, a do PSD, a dos tabefes dados a tempo. Não veio a lei de orientação, mas está a toque de caixa, a lei dos cortes de estrada. É uma orientação de truz!

É por isso que lhe trago aqui hoje, em forma completa, uma proposta para uma reforma de fundo. Não há nada que justifique que a GNR seja um corpo militar e os seus agentes sejam apelidados de militares. Numa sociedade aberta, a militarização da segurança, no estilo sul-americano, não tem sentido. O primeiro desafio que lhe faço é este: dê um único argumento, um único, para justificar que a GNR seja militar. Não diga que em tempo de guerra, a GNR fica subordinada às Forças Armadas. Isto também sucede com a PSP e esta não é militar. E, com franqueza, um Governo que quer desmantelar o SMO considerando-o desnecessário, querer manter uma polícia cuja função é policiar, com estrutura militar?

A GNR deve deixar de ser militar, porque as forças de segurança devem ter estrutura e filosofia civilistas, num quadro de proximidade aos cidadãos.

Enquanto o PS navega aos ziguezagues e prefere penalizar os cortes de estrada, isto é, as lutas populares, em vez de prevenir o crime dar segurança aos cidadãos, reformando as polícias e o seu aparelho, o país continuará a viver em situação de insegurança. E o Senhor Ministro continuará a ser aqui interpelado pelo ex-Secretário de Estado de Dias Loureiro, não pela política que faz, mas por não fazer devidamente e de forma completa a política do PSD.

É obra!

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