Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro sobre política de educação

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Neste último debate quinzenal do ano, como tem acontecido anteriormente, o Governo, possivelmente, vai dizer «mais uma vitória.»
Acho que o Sr. Primeiro-Ministro incorre no sério risco de reincarnar aquela figura célebre do General Pirro, que ganhou todas as batalhas, mas perdeu a guerra.
Não seria preocupante se não fosse o País a perder!
Em relação à matéria que nos traz aqui, já ontem a Assembleia da República se pronunciou no Plenário sobre isso, mas queremos sublinhar que a melhoria dos resultados só pode merecer, enfim, um voto de confiança nas escolas, nos professores, nos alunos, nas famílias e nos trabalhadores não docentes. Aí, como actores, mesmo confrontados, por vezes, com uma
ofensiva muito dura por parte do Governo, foram capazes de realizar um trabalho meritório.
É nesse sentido o nosso voto de confiança. Por isso, valorizamos o que deve ser valorizado.
Mas por falar em valorizar o que deve ser valorizado, lembra-se o Sr. Primeiro-Ministro que valorizámos o acordo em relação ao salário mínimo nacional. Ora, um certo extracto do patronato e das suas associações está a pôr em causa o acordado.
Estamos a falar, Sr. Primeiro-Ministro, de um aumento de 82 cêntimos diários, de um custo salarial para as empresas de 0,6%, de 500 000 trabalhadores que levam para casa, ao fim de um mês de trabalho, 403 € líquidos. E a minha pergunta é esta: porque é que o Governo hesita em promulgar o acordo estabelecido de aumento para 500 €, já que estamos a poucas semanas do início do ano? Vai, de facto, concretizar aquilo que está acordado entre as partes?
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
V. Ex.ª deve ter problemas de ouvido ou já vem tão formatado que nem ouve aquilo que se diz. Eu comecei a falar da questão do salário mínimo dizendo que há que valorizar o que deve ser valorizado e que nós valorizámos o aumento do salário mínimo nacional. Foi isto que foi dito, como pode confirmar.
Mas a verdade é que não respondeu direito a uma questão fundamental: então, agora vão fazer um novo acordo para concretizar o acordo já feito?!
Esta é a contradição, Sr. Primeiro-Ministro! Não há nada a acordar!
Há um acordo estabelecido! Há metas claramente definidas! Mas agora parece que não é assim por parte do Sr. Primeiro-Ministro.
Passemos a outra questão importante.
Sr. Primeiro-Ministro, ainda não entraram em vigor as medidas drásticas, duras, que vão afectar
particularmente os trabalhadores e os reformados e já aí está uma nova ofensiva. Foi o corte nos salários, foi o congelamento das pensões, foram os cortes na protecção social e agora aí está, por parte de instituições internacionais e da direita económica portuguesa, claramente, um objectivo de liquidar direitos que estão consagrados na Constituição da República, designadamente o direito ao emprego e à proibição dos despedimentos sem justa causa, começando a ouvir-se vozes que falam de liberalização total dos despedimentos, ao arrepio da Constituição da República.
Nós ficámos inquietos, porque o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu a uma pergunta que, anteriormente, lhe foi feita.
O Sr. Primeiro-Ministro vai dizer que não está de acordo com a liberalização selvagem dos despedimentos, que, enfim, os trabalhadores vão continuar a ter garantias. Mas será possível que esteja em curso alguma operação em que os patrões podem despedir livremente e o Estado, ou seja, os trabalhadores pagam através do embaratecimento da indemnização por despedimento?! Vai criar algum fundo? Vai usar dinheiros públicos para sustentar aquilo que o patronato quer fazer? Esclareça-nos, Sr. Primeiro-Ministro! Não estou a fazer acusação alguma, estou a fazer uma pergunta, à qual é importante que o Sr. Primeiro-Ministro responda.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Em relação à sua resposta, gostaria de dizer-lhe que não respondeu à questão de fundo, que é a de saber se vai haver um fundo público para sustentar as indemnizações dos despedimentos.
Fica a dúvida. Mais uma pergunta por responder.
Sr. Primeiro-Ministro, queria colocar-lhe uma questão essencial. Foi aqui exposta a questão da situação nos Açores, tendo em conta as retribuições dos trabalhadores da Administração Pública. Embora compreendendo a preocupação da direita, achei estranho que, falando de excepções, não se tenha referido à excepção escandalosa através da qual alguns grupos económicos, particularmente a PT, procuraram, numa jogada de antecipação, fugir a uma justa tributação dos dividendos então realizados. Ou seja, o Sr. Primeiro-Ministro primeiro mostrou boas intenções, mostrou preocupação, depois, silêncio absoluto. Hoje, é a questão dos Açores, enquanto esta outra matéria é atirada para as calendas, para o esquecimento, prejudicando o
Estado, levando à injustiça fiscal pela não comparticipação desses grupos económicos em relação à situação que o País vive.
Refiro uma última questão, que se prende com uma sua afirmação.
Disse o Sr. Primeiro-Ministro que está preocupado e que era necessário aumentar as exportações, era preciso aumentar a competitividade das empresas. Já aqui foi colocada a questão dos custos da energia, à qual eu junto a questão do preço do gás. Sabe o Sr. Primeiro-Ministro que, em muitas empresas, isto representa 50% dos custos de produção e para a EDP representam centenas de milhões de euros de lucro. Repare: discute-se ao cêntimo o aumento do salário mínimo nacional, mas não se discutem os milhões que a EDP vai conseguir com este aumento da energia, particularmente a da electricidade.
Fico preocupado, porque a sua resposta, de facto, é clara: temos o mercado liberalizado.
Ou seja, os governos — o seu e os anteriores — liberalizaram com o argumento fundamental, muitas vezes dito da bancada do Governo, de que «estamos a liberalizar para baixar os preços». Vê-se, Sr. Primeiro-Ministro, o que fizeram! Vê-se o que está a acontecer! E vem dizer, agora, que isso é com a entidade reguladora… É o que se chama, Sr. Primeiro-Ministro, «sacudir a água do capote». Fizeram o mal e agora não assumem as consequências disso.
De qualquer forma, consideramos que estes custos da energia e do gás, esses, sim, vão ser tremendos, profundamente negativos para as empresas, para as exportações, para a sua competitividade. Não são os salários, Sr. Primeiro-Ministro nem, muito menos, o salário mínimo nacional! Aquilo que devia ser feito era reduzir os custos dos factores de produção, designadamente nos planos da energia e do gás.

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