Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro sobre educação

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Agora, com os ânimos mais calmos, voltando ao tema e à intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, creio que o que foi relevante foi o anúncio de mais um golpe na escola democrática, foi o voltar aos tempos do velho «director da escola», voltar aos tempos do velho «director da escola» que determina e decide tudo, com o aplauso e a satisfação da direita.

Descontando os arrufos naturais, andando eu às vezes pelo País fora, e tendo em conta a opinião popular sobre a Assembleia da República e sobre estes debates, ouvindo o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Deputado Santana Lopes, quase que me apetece dizer, como eles dizem: «Deixem-se de fitas»!

Porque, no essencial, estão de acordo com a questão central que aqui foi colocada, da novidade lançada em termos de uma nova concepção de gestão das escolas.

É porque o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo andaram dois anos a destabilizar o corpo docente, com a imposição de um estatuto de carreira inaceitável, que desvaloriza os professores, ao mesmo tempo que os diaboliza, agravando as condições de trabalho na escola.

Encontrou a solução: todo o poder ao director! Isto é o que se chama, Sr. Primeiro-Ministro, uma «modernidade, às arrecuas».

É evidente que neste debate limitado, e tendo em conta a importância estratégica da educação, não se exigia que na sua intervenção tratasse de tudo, mas o Sr. Primeiro-Ministro tratou pouco e mal esta questão.

Dou-lhe um exemplo concreto: o exemplo do que tem estado a passar-se em relação ao ensino especial, que é revelador da insensibilidade do Governo em matéria da educação.

É significativo que o Governo, tão exímio no exercício da propaganda, se tenha quase esquecido do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. No seu discurso de hoje, não se referiu a esta questão.

Daqui denunciamos a rígida classificação internacional da funcionalidade, com a restrita adequação dos seus critérios à área da educação, que conduziu ao afastamento de 50% dos professores do ensino especial e com eles também ao afastamento de 40 000 alunos, que deixaram de caber no estrito e limitado conceito das necessidades educativas, permanentes ou prolongadas, em que se fundamenta agora o acesso ao ensino especial, com todos os dramas que recaem sobre as famílias, pondo em causa a ideia da escola inclusiva.

Houve um imenso retrocesso na concepção da escola, do ensino especial e do aluno com necessidades educativas especiais, integrados agora numa rede segregada, ao mesmo tempo que se atiram para o «caixote das inutilidades» recursos humanos com formação e experiência na área e se substituem professores de qualquer área, sem formação específica e sem vocação, para acompanhar os alunos, muitos dos quais com deficiências profundas.

Tenha uma palavra sobre isto, Sr. Primeiro-Ministro, porque é da educação que estamos a falar. Estamos a falar destas pessoas com deficiência, das suas famílias, que hoje têm novos dramas devido à sua política, com esta medida segregadora no plano educativo.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Registe-se que nem uma palavra teve em relação à questão colocada!

Pode não estar de acordo, pode estar em desacordo mas, pelo menos, emitia uma opinião!

Uma segunda questão do seu discurso repetitivo: nós não queremos sempre a mesma coisa, o que nós não queremos é que isto fique pior do que o que está, com a política que, actualmente, o Governo tem realizado.

Já agora, por ter relação, há uma questão que, se me permite, tem uma grande actualidade e que é esta: tendo em conta o crescimento do desemprego no País - problema que assume contornos cada vez mais preocupantes, como se revela nas recentes estatísticas, com Portugal a atingir as maiores subidas de taxa de desemprego da União Europeia -, uma preocupação de fundo em relação à evolução das taxas de juro.

Em relação ao desemprego, Sr. Primeiro-Ministro, é uma boa ocasião para dar um certo combate a uma distorção profissional que tem em relação à questão das estatísticas (onde não é possível aplicar engenharias estatísticas!) na qual procura referir o desemprego de Setembro esquecendo que na comparação homóloga com o período homólogo de Outubro se demonstra que em Portugal o desemprego cresce, que aumentou o desemprego de uma forma significativa.

Mas, voltando ao tema, creio que é importante lembrar que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças veio admitir que o crescimento é mais importante do que a inflação. Grande novidade, grande novidade!!

E o Sr. Primeiro-Ministro dizia-nos: «Lá estão vocês a dizer sempre a mesma coisa! Nós nada temos a ver com o Banco Central Europeu, com a aplicação das taxas de juro!».

Mas, afinal, parece que, agora, a questão está colocada... Já não era sem tempo! Mas o que é que esta afirmação significa?

Que o Governo se vai empenhar no sentido não só de travar qualquer novo aumento das taxas de juro ou agir juntamente com outros responsáveis europeus para fazer descer, como se impõe e como é necessário, as taxas de juro?

Perante as graves consequências sociais resultantes do aumento do desemprego e dos custos do dinheiro; perante os perigos reais para a nossa economia, decorrentes da política cambial da sistemática revalorização do euro face ao dólar e dos impactos, já visíveis, da crise do crédito hipotecário, não era apenas dizer ao BCE que a inflação vai ter de esperar.

Espero que haja uma tradução correcta em relação à afirmação do Sr. Ministro das Finanças. Mas, em relação a esta política obsessiva de combate ao défice, não acha, Sr. Primeiro-Ministro, que era um tempo útil para nós, aqui, em Portugal, considerarmos também essa reflexão, permitindo às famílias, aos pequenos e médios empresários, aos trabalhadores, uma possibilidade de uma vida melhor e não este garrote draconiano do Banco Central Europeu?

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