Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro sobre desenvolvimento económico

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
V. Ex.ª lida com uma contradição insanável que não se resolve com capacidades discursivas.
Diz que a situação económica está melhor, mas a vida da maioria dos portugueses está pior e vai ficar pior.
Veio anunciar «o amanhã que cresce», uma mão cheia de medidas, precisamente nas vésperas de apresentar a factura aos trabalhadores pela via do saque dos salários — por via do IRS —, do aumento dos preços dos bens essenciais, da aplicação dos cortes aos apoios sociais, que vão acentuar os dramas de quem já vive uma situação dramática — os desempregados, os idosos, as crianças, os doentes acamados, as pessoas com deficiência. Isso na mesma semana em que surgiram dois estudos demonstrativos de que os possuidores de grandes fortunas já recuperaram da crise e, simultaneamente, de que há mais ricos neste tempo de crise.
Pode explicar esta contradição, Sr. Primeiro-Ministro?
Os apoios sociais foram também anunciados, ali da tribuna, (lembra-se, Sr. Primeiro-Ministro?),
justificando-os, sustentando-os como socialmente justos, politicamente necessários. Porque é que os restringe e elimina agora, precisamente no momento em que a crise se vai acentuar, em que as condições de vida de quem vive do rendimento do seu trabalho se vão degradar? Explique esta contradição, Sr. Primeiro-Ministro!
Vai dizer, com certeza, que estamos em crise, que não há dinheiro. Há, sim, está provado; está é mal distribuído!
Por isso, sugeria-lhe que me respondesse a esta pergunta: como é que resolve esta contradição?
Num momento em que se cria mais riqueza, mais fortuna nas mãos daqueles que sempre a tiveram, este Governo vai cortar precisamente em quem menos tem e menos pode, designadamente nos trabalhadores, nos desempregados, nos reformados!
(…)
Em relação à questão colocada, considero que o crescimento económico é fundamental Nós sempre reafirmámos isso! A questão de fundo é a de saber em que sentido é que ele é direccionado e, em primeiro lugar, como é que esse crescimento se está a verificar.
Não se esqueça, Sr. Primeiro-Ministro, que o ano de 2009 foi um ano mau, partimos de um ponto baixíssimo que levou, hoje, aos tais sinais que aqui referem com sentido
positivo — mas não é um crescimento sustentado!
Nesse sentido, temos esta preocupação: estamos de acordo com o crescimento, mas não volte outra vez àquele discurso, que tantas vezes repetiu ali, da tribuna, de que amanhã vai ser melhor, de que estamos no bom caminho, das 50 medidas, das 30 medidas, das 100 medidas, que, hoje, levam à situação em que nos encontramos!
De qualquer forma, Sr. Primeiro-Ministro, não se pode confundir confiança com ilusão. O uso da palavra «confiança» tem de ser sustentado e aquilo que o senhor aqui fez foi praticar mais um exercício de ilusionismo.
Isto, tendo em conta a realidade e não o seu discurso nem as suas promessas!
Mas gostaria também de colocar aqui uma questão, que de repente parece ter desaparecido, em relação às portagens nas SCUT e ao seu impacto nas economias regionais.
Uma primeira observação é a seguinte: tanto o Sr. Primeiro-Ministro como a bancada do PSD usaram aqui um silêncio de chumbo sobre a matéria. E nós sabemos que há negociação «de alcova» — passe o termo —, que há negociação entre os dois partidos.
Mas, em relação à questão das SCUT, o que é que mudou — e esta é a primeira pergunta — em relação aos requisitos que estiveram na origem da sua criação e classificação para imporem algumas portagens?
Na generalidade das regiões atingidas, continua a não haver vias alternativas que garantam, com eficiência, a segurança e os fluxos rodoviários.
Estou a falar com base num estudo da Estradas de Portugal.
A generalidade dos concelhos que tais vias atravessam e que as populações e as actividades económicas utilizam continua a ter desenvolvimentos abaixo da média nacional.
Mais: o que mudou foi para pior!
Muitos destes concelhos atravessam uma grave crise económica e social, muitas pequenas e médias empresas vão ver disparar os custos com transportes.
O Governo não pode ignorar os impactos negativos no desenvolvimento destas regiões nem o impacto na vida das pessoas que procuram um posto de trabalho cada vez mais longe da sua residência.
Não é apenas o salário que fica mais curto, com as medidas de austeridade que o Governo tomou. É o brutal corte dos rendimentos que se propõe a milhares e milhares de pessoas, que se deslocam, por exemplo, entre Viana e o Porto, entre Aveiro e o Porto, o que significa dezenas
de euros mensais de pagamentos em portagens, designadamente os 180 € entre Viana e Porto por mês.
O Governo diz «mata» e o PSD diz «esfola» e veio colocar o problema do alargamento das portagens para o resto do País, multiplicando o mal e pondo em causa o desenvolvimento do interior do País!
O Governo, mais uma vez, muda de opinião e vai por arrasto, sem medir as consequências que estas medidas vão atingir, situações já debilitadas, situações de desertificação das regiões.
Era esta, Sr. Primeiro-Ministro, a promessa de mais desenvolvimento para as regiões do interior e para as regiões de menor desenvolvimento?!
Não basta as pessoas do interior já serem penalizadas em relação à sua origem social como também em relação à sua origem territorial?!
É essa a política de uma visão de coesão nacional, de solidariedade nacional, particularmente em relação às zonas onde os custos da interioridade se acentuam?!
Vamos ter um País mais aleijado, um País mais inclinado para o litoral, com esta política e estas medidas que os senhores, com a bênção do PSD, vão tentar executar!

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