Debate com o Primeiro-Ministro
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Em nome de um amanhã que nunca mais chega e de uma economia fluorescente, competitiva, moderna, foram impostos pesados sacrifícios aos trabalhadores, através dos seus salários, das reformas e das pensões, aos pequenos rendimentos dos agricultores e aos pequenos e médios empresários.
Ora, aqui chegados, hoje, ao contrário das previsões optimistas que serviam de cobertura a essa política de exigência de sacrifícios para a maioria do povo português, vamos sendo informados de que, afinal, tínhamos razão quando anunciávamos que esses objectivos e essas previsões eram mais propaganda do que realidade.
Hoje, a nossa economia está a passar «de cavalo para burro». O desemprego continua a ser uma «mancha» profundamente inquietante, os défices estruturais vão aumentando, o custo de vida começa a ser insuportável, designadamente com o aumento dos combustíveis - aliás, V. Ex.ª deveria explicar como é possível, num ano, baixar três vezes o preço da produção e o preço dos combustíveis ao consumidor subir 14 vezes...! Os portugueses estavam habituados a que no princípio do ano fossem praticados esses aumentos, mas, com o seu Governo, em cada mês, temos mais um aumento em relação aos produtos e bens essenciais.
É nesse sentido, Sr. Primeiro-Ministro, que consideramos profundamente grave, que num quadro de agravamento da situação económica e social, procure desferir um golpe brutal em relação aos direitos dos trabalhadores.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, deixo-lhe a primeira pergunta: não considera importante «descer à terra» para confrontar-se com a realidade? É porque se não o fizer, obviamente, não será capaz de mudar de políticas, de corrigir os erros, de prosseguir este caminho que está a atrasar Portugal. Esta é uma oportunidade que tem, Sr. Primeiro-Ministro, de dizer o que pensa fazer, designadamente quanto às previsões, para alterar este rumo da política nacional.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
É espantoso! Até onde vai a mistificação? A sua proposta de alteração ao Código do Trabalho reflecte três questões centrais que, durante décadas - mesmo antes de o senhor nascer, Sr. Primeiro-Ministro! -, o grande patronato sempre reivindicou: primeira, contar com um exército de desempregados e poder despedir quando, como e quem quiser, aplicando um novo conceito de despedimento, designadamente a chamada «inadaptação» ao posto de trabalho.
Segunda questão central: a gestão e a organização do tempo de trabalho. Sempre mas sempre as empresas quiseram determinar a vida profissional do trabalhador e também, simultaneamente, a sua vida social e familiar. Também isto está contido na sua proposta, Sr. Primeiro-Ministro!
Terceira questão central: a contratação colectiva sempre foi um obstáculo para o grande patronato. E sabe porquê? Porque não querem regras, querem o vazio, querem ser eles a decidir sozinhos, ao arrepio daquilo que está na Constituição da República.
Neste sentido, Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe que está a escrever uma das páginas mais negras da história do Partido Socialista, que, muitas vezes, contribuiu para os avanços civilizacionais da legislação do trabalho. Se lhe restasse uma «costela» que fosse, um «neurónio» social-democrata, repudiava, no mínimo, essa proposta inaceitável que visa alterar a correlação de forças entre o capital e o trabalho, porque é disto que se trata.
V. Ex.ª não está «em cima do muro»! V. Ex.ª passou para o lado de lá, para o lado dos poderosos, contra os trabalhadores e contra a própria Constituição da República, que o PS ajudou a construir!
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
V. Ex.ª é que deveria explicar aqui a razão por que quer precarizar todos os trabalhadores, através da alteração da lei dos despedimentos e da aplicação do conceito de «inaptidão», que dá para tudo, Sr. Primeiro-Ministro.
Em relação à precariedade, consideramos que as medidas que toma visam, no essencial, legitimar, legalizar situações que são perfeitamente ilegais, através de uma sanção pecuniária. É verdade, mas isto não chega nem esconde o fundamental, a génese da sua proposta.
Quero dizer-lhe, hoje, daqui, solenemente, Sr. Primeiro-Ministro, que estamos a falar de uma questão muito séria: do perigo real de um retrocesso de décadas. É por isto que o Partido Comunista Português, através do seu grupo parlamentar, declara e anuncia que vai entregar na Mesa da Assembleia da República uma proposta de moção de censura.
Uma proposta de moção de censura política a este Governo, que transporte o descontentamento, o protesto, a angústia e a revolta que atingem, hoje, milhares e milhares de portugueses, em particular, os trabalhadores.