Debate &#8220;Direitos Sexuais e Reprodutivos &#8211; direitos sociais do nosso tempo&#8221;<br />Intervenção de Fernanda Mateus

A realização deste debate, no âmbito do “Em movimento por um Portugal com futuro”, insere-se numa linha de acção do PCP que visa contribuir para a defesa do importante património de direitos que neste domínio a legislação portuguesa consagra, quer de dinamização de acções em defesa de tais direitos. Esperamos que, sobre estes temas, outros debates se realizem quer por iniciativa das diversas organizações do PCP, quer das mais diferentes organizações sociais que não aceitam regressões no conjunto dos direitos sexuais e reprodutivos consagrados nas leis portuguesas – importantes conquistas civilizacionais – nem se conformam com a manutenção da criminalização das mulheres que têm que recorrer ao aborto. Nas importantes intervenções aqui proferidas destacou-se nomeadamente: o profundo reaccionarismo da actual maioria PSD/CDS-PP, que pretende impor um modelo único de família, no qual a mulher tem um estatuto de inferioridade; o abandono pelo Estado das suas funções sociais, numa estratégia global com consequências desastrosas em vários domínios, incluindo nos indicadores de saúde sexual e reprodutiva; a tentativa da actual maioria PSD/CDS-PP em fazer retroceder matérias tão importantes como a educação sexual nas escolas; a implementação do planeamento familiar; o acesso à contracepção, incluindo a contracepção de emergência; as consequências da privatização dos serviços de saúde no domínio da saúde sexual e reprodutiva das mulheres; os ataques aos direitos sexuais e reprodutivos no contexto das políticas obscurantistas contra a investigação científica e o conhecimento. Ficou ainda evidente a necessidade de uma forte convergência das mulheres, dos trabalhadores, das trabalhadoras, da juventude, das(os) profissionais de saúde, dos(as) professores, entre outros, visando a denúncia da natureza política e ideológica deste Governo nestes domínios; a necessidade de fazer cumprir as leis que consagram muitos dos direitos sexuais; e o prosseguimento da luta pela despenalização do aborto em Portugal, num caminho que vise sobretudo dar êxito, mais cedo do que tarde, a esta importante reivindicação. Referendo sobre o Aborto em Portugal – 5º ano da sua realização!Assinalando-se hoje a data, a Direcção Regional do Porto promoveu uma Conferência de Imprensa que decorreu logo pela manhã. A este propósito gostaria de deixar aqui quatro registos: Primeiro – Apesar do Referendo ter dado uma vitória tangencial ao Não por 50 mil votos, não teve contudo carácter vinculativo já que contou com a participação de apenas 31,9% dos(as) eleitores(as). Mas é inquestionável que tal resultado veio dar novo alento aos que sempre se empenharam em travar por todos os meios ao seu alcance qualquer desfecho positivo no plano legislativo e que nunca aceitaram a decisão finalmente tomada, em Fevereiro de 1998, por uma maioria de deputados (socialistas, comunistas, Os Verdes e três deputados do PSD) de aprovação, na generalidade, de uma lei de despenalização do aborto, a pedido da mulher até às semanas. É indesmentível que o Referendo de 28 de Junho constituiu mais uma oportunidade perdida na luta pela dignidade das mulheres, na protecção da sua saúde e na defesa dos seis direitos.Segundo – Após as eleições legislativas de 2002 a maioria PSD/CDS-PP assumiu, no Acordo de Governo, o compromisso de defender a validade do resultado do Referendo. Este acordo entre estes dois partidos pretende comprometê-los na inviabilização de qualquer iniciativa legislativa neste mandato que vise um avanço positivo do actual quadro legal em matéria de despenalização do aborto. Esta decisão cria acrescidas dificuldades a um rápido e positivo desfecho nesta justa e antiga reivindicação.Terceiro – Não ignoramos, muito pelo contrário, estamos conscientes das acrescidas dificuldades criadas pela actual maioria PSD/CDS-PP que, com grande probabilidade, inviabilizará qualquer iniciativa, tenha ela como ponto de partida um projecto de lei de despenalização do aborto, ou qualquer proposta de realização de um novo referendo.Continuamos a sustentar que a Assembleia da República deve assumir a responsabilidade de vir a votar favoravelmente uma lei de despenalização do aborto em Portugal, a pedido da mulher, sendo esse o sentido e o conteúdo do nosso Projecto-lei 1/IX entregue na mesa da Assembleia da República no início desta legislatura. Da nossa parte continuamos empenhados numa intervenção que vise manter viva a certeza de que não é a criminalização do aborto que dissuade as mulheres ao seu recurso: as mulheres decidem o que fazer e fazem-no em boas ou más condições, e em manter viva a certeza de que são as mulheres de mais baixos recursos que pagam mais caro esta situação, pondo em risco a sua saúde e a sua privacidade, porque são elas que de vez em quando se sentam no banco dos réus. Continuamos empenhados(as) na despenalização do aborto em Portugal, na certeza de que é necessário reconhecer o direito, a capacidade, a legitimidade de cada mulher determinar o que fazer quando confrontada com uma gravidez não desejada – interrompê-la ou levá-la por diante. Estamos perante uma luta exigente, que enfrenta novos obstáculos e dificuldades e que impõe a criação de um forte movimento de opinião e de pressão que afirme a exigência da despenalização do aborto. Para este objectivo torna-se indispensável um redobrado esforço no sentido de encontrar o maior denominador comum entre os que defendem a despenalização do aborto em Portugal deixando aos partidos a responsabilidade de definirem qual o modo de dar satisfação a esta exigência. Quem agora decide assumir a inevitabilidade da realização de um novo referendo está no seu legítimo direito. Mas o PCP considera que orientações traçadas com esta prioridade não contribuem para um mais rápido êxito desta reivindicação. Não aceitamos, entretanto, que esta nossa posição seja pretexto para “cruzadas” que pretendam diminuir o empenho do PCP nesta batalha, seja através de iniciativa própria seja na convergência de esforços que congreguem todas as forças, energias e vontades dos que em Portugal não desistem de sustentar com firmeza, esperança e confiança nesta grande causa da civilização. Quarto – A luta pela despenalização do aborto em Portugal enfrenta novas dificuldades que resultam da existência de uma maioria parlamentar e de governo de direita. Como consequência deste compromisso de inviabilização de qualquer iniciativa que colida com o resultado do Referendo sobre o aborto de 28 de Junho de 1998, há uma clara estratégia de proceder a retrocessos neste domínio: manutenção da sua criminalização na lei; tentativa de estigmatização social das mulheres que abortam; apoio a organizações cuja única razão da sua existência é a oposição à despenalização do aborto em Portugal. Tudo isto num quadro em que o Governo e a sua maioria aposta na regressão do conjunto dos direitos sexuais e reprodutivos em matérias como planeamento familiar, educação sexual, saúde sexual e reprodutiva das mulheres. São ainda de referir as declarações do Ministro Bagão Félix, ao afirmar publicamente que a penalização do aborto se deve manter, devendo as mulheres “expiar a sua própria dificuldade moral trabalhando em instituições de solidariedade social a título pedagógico e não a título de castigo”, numa linha de estigmatização social das mulheres. E ainda as declarações da Secretária de Estado da Educação ao afirmar que “A religião e Moral é a religião oficial do nosso País” e que “os professores não têm ética para a educação sexual”, dando o mote à clara tentativa em curso de transpor para o Estado concepções e valores respeitáveis no plano individual, mas inaceitáveis como concepções do Estado português. Por seu lado, a hierarquia da Igreja e os movimentos “ditos” pró-vida tentam ganhar nova visibilidade criando a ideia de que as suas concepções são maioritárias na sociedade portuguesa, aproveitando um momento muito especial de envolvimento explícito e directo de responsáveis governamentais e do próprio Governo. Atente-se, a título de exemplo, ao anúncio de uma queixa ao Provedor Europeu por considerarem que a proposta de Resolução do PE desrespeita os órgãos de soberania dos Estados-membros e pela vontade expressa de forma livre e democrática no referendo sobre a despenalização do aborto em Portugal. Estamos perante uma tentativa de proceder a uma leitura vinculativa dos resultados do referendo não só sobre o aborto mas a tentativa de impor a subversão dos conteúdos presentes nas leis em matéria de planeamento familiar e educação sexual. Muitas destas organizações, criadas para intervir na Campanha do Referendo sobre o Aborto, aparecem nos últimos tempos de forma sistemática com utilização de publicidade televisiva, cartazes no Metro, artigos de página inteira em jornais e revistas sobre estas organizações. São actividades que evidenciam a existência de meios financeiros avultados e que procuram dar uma imagem de uma actividade diversificada e de um forte activismo em torno das suas posições. Anunciam actividades de cariz caritativo, que não são as respostas políticas e sociais necessárias e visam sobretudo disfarçar a matriz conservadora das suas concepções e posições. Direitos Sexuais e ReprodutivosExistem ameaças de profundos retrocessos nos conteúdos orientadores das políticas relativas à educação sexual e ao planeamento familiar; nas políticas de família e de protecção social na maternidade-paternidade; na garantia de uma oferta pública de qualidade no que se refere à saúde reprodutiva nas suas diversas componentes. A Resolução Política da Conferência Nacional do PCP realizada há um ano (22 de Junho) estabelece como orientação dos(as) comunistas e da acção partidária – “uma intervenção contra a tentativa de fazer retroceder importantes direitos das mulheres, designadamente no trabalho, na família e no domínio dos direitos sexuais e reprodutivos.” Os direitos sexuais e reprodutivos são parte integrante dos direitos sociais do nosso tempo que importa defender exigindo o seu cumprimento nas suas diversas componentes e fazendo oposição aos objectivos da direita e às suas mistificações: • A educação sexual permite um melhor controlo da fertilidade e na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis com consequências positivas na sexualidade vivida com responsabilidade e liberta de medos e tabus por parte de mulheres e homens; na prevenção de gravidezes não desejadas; na infertilidade, na vigilância pré-natal, segurança no parto, etc.. • A implementação das consultas de planeamento familiar permite esclarecer e orientar nas escolhas de um método contraceptivo que permita com maior segurança a prevenção de gravidezes não desejadas; a intervenção nas situações de infertilidade, prevenção do cancro da mama e do útero e nas doenças sexualmente transmissíveis. • A protecção da saúde sexual e reprodutiva implica o direito à satisfação de necessidades das mulheres tanto na salvaguarda da sua saúde, na gravidez, no parto e pós-parto, mas também noutras importantes necessidades de defesa da sua saúde sexual e reprodutiva nos ciclos específicos da sua vida. Sem esquecer que existem mulheres que em situação de maior vulnerabilidade económica e social e em situações de pobreza, designadamente jovens – que continuam excluídas do acesso ao planeamento familiar e com risco de gravidezes não desejadas ou de risco – e do acesso a cuidados pré-natais. Estes direitos não são dissociáveis das políticas de saúde e da capacidade de resposta dos serviços públicos de saúde e também do envolvimento dos seus profissionais; das políticas de ensino público e do seu papel na formação de mulheres e homens que sejam conhecedores dos seus direitos sexuais e reprodutivos.Estes direitos não são dissociáveis das políticas laborais e do modo como estas incorporam mecanismo de garantia do direito à protecção da função social da maternidade-paternidade e que não permita toda a panóplia de discriminações e constrangimentos dos trabalhadores e trabalhadoras, com prejuízo dos seus direitos, por pretenderem ou serem mães e pais. Os direitos sexuais e reprodutivos não são dissociáveis da concepção sobre os direitos das mulheres em todos os domínios e a sua defesa são parte integrante da luta em defesa dos direitos das mulheres:• O direito da mulher decidir da sua fecundidade e não confinar a sua sexualidade à sua função reprodutora é uma conquista civilizacional que ainda é criança na história da humanidade: o direito das mulheres decidirem por uma maternidade como uma opção livre, responsável e consciente. É um direito associado a um novo e importante direito da criança: o direito de ser desejada. • a garantia da função social da maternidade-paternidade que associa o poder político como parte activa e com deveres a cumprir na criação das condições económicas e sociais que permitam as condições ao exercício da maternidade-paternidade e o desenvolvimento integral da criança. Esta função social da maternidade-paternidade tem sido claramente desvalorizada por parte do Poder Político e das entidades patronais que aspiram a deixar de ter deveres a cumprir. Têm vindo a ser criadas dificuldades ao cumprimento das leis e ao exercício dos direitos das jovens trabalhadoras. Mantêm-se baixos níveis de cobertura pública no domínio dos equipamentos de apoio à infância. A actual maioria de direita aposta claramente em profundos retrocessos nestas áreas não obstante a profunda demagogia em torno da defesa da família e da maternidade. - A promoção dos direitos dos trabalhadores – mulheres e homens – sem os despojar de mecanismos fundamentais de defesa dos seus direitos enquanto trabalhadores e ignorando que estes tem direitos – enquanto pais e mães – que não podem ser ignorados ou destruídos por parte da empresa e do próprio Estado. - a criação de condições objectivas e subjectivas que permitam alterar a tradicional divisão de papéis, entre mulheres e homens no trabalho, na família e na sociedade, que exigindo a alteração de atitudes e comportamentos individuais, não terão êxito se não forem acompanhadas por políticas que possam criar garantias ao seu êxito.

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