Projecto de Lei N.º 438/XI-2ª

Critérios mais justos na atribuição dos apoios sociais

Critérios mais justos na atribuição dos apoios sociais

Revoga o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho repondo critérios mais justos na atribuição dos apoios sociais

PREÂMBULO

A crise económica e social, resultante do sistema económico e social em que vivemos, é a desculpa para atacar importantíssimas prestações sociais. O ataque ao regime das prestações do regime não contributivo, fundamentais para mitigar a pobreza no nosso país, é inaceitável.

De facto, o sistema público, universal e solidário da Segurança Social garante, por via de transferências do Orçamento do Estado, a existência de prestações de combate à pobreza que, no entender do PCP devem manter as suas características de universalidade, por ser essa a sua natureza, ao mesmo tempo que se reforçam as prestações sociais do regime contributivo e se reforça o financiamento da Segurança Social por via de uma contribuição mais justa por parte das empresas.

O Governo do PS, apesar das massivas acções de propaganda e desinformação deliberada, enveredou num caminho de restrição no acesso às prestações sociais do regime não contributivo.

Pode ler-se no seu programa eleitoral “Avançar Portugal 2009-2010” que um dos compromissos seria «Apoiar as famílias e reforçar a protecção social», concretizando da seguinte forma: «o que fizemos foi mobilizar para o apoio social todas as disponibilidades orçamentais que em boa hora foram conquistadas com o esforço de consolidação das contas públicas. Sabemos que os portugueses não querem apenas protestar contra a crise – querem sair dela. E para isso podem continuar a contar com a determinação, o projecto e o trabalho sério do Partido Socialista», sendo uma prioridade «desenvolver as políticas sociais, qualificar os serviços públicos e reduzir as desigualdades».

Afirmou o PS no seu programa que «a protecção social está no centro das preocupações e das propostas do Partido Socialista. E segundo princípios claros: equidade e sustentabilidade do sistema previdencial, estruturado em prestações contributivas; orientação do sistema de solidariedade para os grupos mais vulneráveis aos riscos sociais, de modo a que os apoios cheguem aos que deles mais precisam e sirvam para a sua capacitação e integração social; mobilização dos diferentes poderes públicos e da sociedade civil para a acção social, em benefício das comunidades e das famílias».

Propôs ainda:
«a) Introduzir, ao longo da legislatura, um novo apoio público às famílias trabalhadoras com filhos, de modo a reduzir o risco de pobreza entre aqueles que trabalham, declaram ao fisco os seus rendimentos e têm filhos a cargo. (…);
b) Prosseguir com a elevação do salário mínimo nacional, em concertação com os parceiros sociais, e assumir novos objectivos, procurando, também, o seu acordo;
(…)
e) Reforçar, ao longo da legislatura, os abonos de família das famílias mono-parentais e proceder ao aumento extraordinário do abono de família das famílias com dois ou mais filhos, concentrando recursos nestes segmentos, onde se manifestam mais riscos de pobreza infantil;
f) Garantir, no quadro da legislatura, que nenhuma pessoa com deficiência que motive uma incapacidade total (ou muito elevada) para o trabalho fique abaixo do limiar da pobreza. O valor das prestações que são devidas a pessoas com este grau de deficiência será, pois, progressivamente aumentado, de forma a garantir aquele limiar mínimo de rendimento a cerca de 50.000 cidadãos;
g) Continuar a reforçar o apoio aos idosos beneficiários do complemento solidário para idosos, garantindo-lhes sempre um rendimento acima do limiar de pobreza;
h) Reforçar a efectividade da inserção social e profissional das famílias beneficiárias do rendimento social de inserção, de modo a que todas as famílias com mais de três meses na prestação estejam abrangidas por acordos de inserção, incluindo a contratualização de percursos de inserção profissional».

Contudo, o PS, em total desconsideração pela situação de graves deficiências sociais e económicas que a população portuguesa hoje enfrenta violando deliberada e claramente os seus compromissos eleitorais, de uma penada só, altera as regras de atribuição de prestações sociais fundamentais para a garantia de um verdadeiro Estado de Direito Democrático através da publicação do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, que entrou em vigor a 1 de Agosto de 2010. Logo no artigo 1º do Decreto-Lei citado, o Governo PS condiciona ainda mais o acesso a: prestações por encargos familiares; rendimento social de inserção; subsídio social de desemprego; subsídios sociais de maternidade e paternidade; apoios no âmbito da acção social escolar do ensino básico, secundário e superior; comparticipação de medicamentos e pagamento de taxas moderadoras; pagamento de prestação de alimentos mo âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores; comparticipações da segurança social aos utentes das unidades de reabilitação e manutenção; apoios sociais à habitação e todos os apoios sociais e subsídios atribuídos pela administração central do Estado. Nada fica de fora. Quem menos pode e menos tem, pela mão do PS, menos terá.

Para o Governo do PS parte-se do princípio da desconfiança, todos os cidadãos terão que provar à exaustão, que nem eles, nem o seu agregado, possuem rendimentos.

Assim, quer a alteração do conceito de agregado familiar, aumentando o número de membros do 2º para o 3º grau, quer a alteração da fórmula de cálculo com base nos rendimentos do agregado que altera artificialmente o rendimento per capita das famílias, trazem novas e maiores restrições no acesso a prestações que garantem o mínimo de dignidade e independência, e são, ainda assim insuficientes.

De igual forma, a determinação de rendimentos como os apoios em espécie, como os apoios ao nível da habitação social, como rendimentos financeiros dos beneficiários é profundamente injusto e inaceitável. A atribuição de apoios em espécie, de habitação social é ela mesma o reconhecimento da pobreza extrema e a concretização de direitos fundamentais de todos os cidadãos, não podendo ser considerados rendimentos mas direitos.

Importa referir que este Decreto-Lei irá ter particular impacto nos beneficiários do subsídio social de desemprego. Depois de alterar para pior as regras de atribuição do subsídio de desemprego, o que levou a um aumento significativo dos beneficiários do subsídio social de desemprego, este Decreto-Lei vem agora desferir um novo golpe na protecção social dos desempregados, deixando ainda mais trabalhadores sem qualquer protecção. A manter-se este Decreto-Lei, muitos dos desempregados que recebem subsídio social de desemprego vão ser injustamente excluídos desta prestação.

Por outro lado, a alteração das condições de manutenção do Rendimento Social de Inserção, ultrapassou, e de que maneira, as propostas mais retrógradas da direita. Não só a cessação a recusa de emprego «adequado às aptidões e condições físicas e às habilitações escolares e à formação profissional dos beneficiários, a recusa de trabalho socialmente necessário, a recusa de formação profissional ou de outras medidas activas de emprego» (é dizer a recusa de qualquer trabalho, independentemente da formação e qualificação do trabalhador), determina a cessação da prestação e a inibição de acesso à prestação por 24 meses (e não 12), como o facto de se estar desempregado há mais de 1 ano desde que “voluntariamente”, ainda que pelos acordos de rescisão que o Governo PS não só fiscalizou (quando se trataram de despedimentos encapotados), como promoveu, como foi o caso da empresa Vista Alegre em que o ex-ministro Manuel Pinho permitiu que fosse ultrapassada a quota máxima de 25% de rescisões por mútuo acordo, determinam a cessação desta prestação.

Não satisfeito, o PS, que tanto propagandeia a protecção na «parentalidade» e na inclusão, não só diminui o valor do rendimento social de inserção por beneficiário como:
- acaba com o apoio extraordinário a partir do 3º filho;
- acaba com o apoio extraordinário em caso de maternidade e no 1º ano de vida da criança;
- acaba com os apoios especiais atribuídos às pessoas com deficiência física ou mental profunda, ou de doença crónica, bem como o apoio a pessoas com 65 anos ou mais que se encontrem em situação de dependência;
- acaba com a compensação de despesas com habitação.

Acresce que, no PEC 2 do PS e PSD é apontado um tecto para 2011, para o rendimento social de inserção, de 400 milhões de euros, o que das duas uma, ou os 163 mil agregados familiares que recebem esta prestação passam a receber em média 203 euros por mês, actualmente recebem em média 242 euros, ou então haverá cerca de 27 mil famílias que deixam de receber esta importante prestação social.

Não satisfeitos, recentemente no PEC 3, o Governo do PS, com o silêncio conivente do PSD, anuncia um novo corte de 20% no Rendimento Social de Inserção e a suspensão do pagamento do abono de família ao 4º e 5ºescalões, deixando milhares de crianças sem acesso a esta importante prestação social.

O PS ataca também os subsídios sociais de maternidade e paternidade, dificultando, ainda mais, o acesso a estes subsídios por parte de quem deles tanto necessita por força da precariedade laboral que este Governo tem vindo a tornar regra.

Ao invés de se enveredar pelo efectivo reforço dos planos de inserção, pelo reforço dos meios técnicos e humanos afectos às prestações sociais para o devido acompanhamento e fiscalização, o PS aposta na transferência desta responsabilidade para os Municípios, IPSS e outras entidades, desinvestindo sistematicamente nos recursos humanos da Segurança Social e pelo corte cego nas prestações sociais de combate à pobreza. O objectivo deste diploma não é melhorar as prestações sociais e a inserção social dos indivíduos mas excluí-los do direito ao acesso a estas prestações, marginando-os e colocando-os em situação de crescente pobreza e exclusão social, numa situação de verdadeiro crime social.

Como o PCP havia alertado, este Decreto-Lei serve para diminuir as prestações sociais a quem delas necessita, não só materialmente como formalmente.

Exemplo disso são os procedimentos administrativos adoptados pelo Governo que ampliam os factores de exclusão de muitos dos actuais beneficiários, por via da imposição de apresentação de prova de condição de recurso através da Internet, excluindo o direito dos beneficiários procederem à apresentação destes elementos de prova de forma directa nos serviços da Segurança Social.

Sublinhe-se que o diploma citado incide em prestações sociais de combate à pobreza, cujos beneficiários são particularmente vulneráveis à falta de informação e na grande maioria dos casos não dispõem de recursos, nomeadamente informáticos, para dar resposta aos pedidos que a Segurança Social tem vindo a fazer.

Bem mais de um milhão de portugueses, beneficiários do abono de família, Rendimento Social de Inserção (RSI) e subsídio social de desemprego, devem "obrigatoriamente" prestar provas de rendimentos através do site da Segurança Social.

O PCP considera não existir qualquer suporte legal que fundamente a opção do Governo pelo uso exclusivo da Internet.

Não foram os mais pobres e desfavorecidos do nosso país, nem do mundo, que provocaram esta crise, pelo que é imoral, ilegítimo e intolerável que sejam eles a pagar os custos desta crise. Foram os grandes grupos económicos e a banca que provocaram esta crise e são estes que continuam a engordar, mesmo em período de crise, pelo que devem ser estes a serem responsabilizados e devem ser estes chamados a pagar. Se, em Portugal, o coeficiente nos rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres correspondesse à média da UE, haveria meios suficientes para melhorar as prestações sociais sem que fosse afectado o Orçamento do Estado e os deficits.

O PS, com este diploma, vem agravar a já difícil situação de milhares de portugueses, retirando-lhes o acesso a direitos fundamentais, pondo em causa a sobrevivência das camadas populares mais empobrecidas, das pessoas em situação de desemprego, das crianças, das pessoas com deficiência, das mulheres cada vez mais afectadas pela feminização da pobreza, dos jovens estudantes e da população trabalhadora.

Não há desenvolvimento nacional enquanto a opção governativa insistir na cobrança da crise a quem menos pode e menos tem. O PCP entende que a revogação urgente deste diploma e a reversão destas políticas de cortes sociais aos mais desfavorecidos é uma questão urgente de emergência social.

Nos termos legais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Objecto e âmbito
A presente Lei revoga o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, repristinando as normas por este revogadas.

Artigo 2º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.

Assembleia da República, em 14 de Outubro de 2010

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