Intervenção

A crise económica e social que o país atravessa - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Declaração política sobre a crise económica e social, a política monetária que o BCE está a seguir, a necessidade de dar maior atenção à questão do referendo sobre o novo Tratado europeu e os problemas constatados na abertura do ano lectivo e, por fim, do novo Regimento da AR

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A nova sessão legislativa vai iniciar-se perante um país a atravessar uma profunda crise económica e social. Perante a política de direita praticada pelo Governo agravam-se as desigualdades e as injustiças e pioram cada vez mais as condições de vida dos portugueses.

Mas o Governo não mostra sinais de arrependimento. Praticou uma política de constrangimento orçamental que agravou a debilidade da nossa economia, manteve a contínua divergência com a União Europeia e levou o desemprego a um nível que não se via há 20 anos. E continua a dizer que tem de ser assim.

Manteve o Código de Trabalho que antes criticara e prepara-se agora para o agravar, à boleia da chamada "flexigurança" e isto já depois de, por exemplo, ter aberto a porta a uma maior generalização do trabalho temporário. E assim temos um país com cerca de 830 mil trabalhadores com contratos a termo, com 570 mil compelidos a aceitar o trabalho a tempo parcial ou com 150 mil falsos recibos verdes. Mas o Governo mesmo assim reincide. É ver as demagógicas declarações do Ministro do Trabalho, certamente a querer mostrar serviço aos grandes interesses económicos nas suas funções na presidência da União Europeia, a defender que ou se aceita a flexigurança ou a alternativa é a desregulamentação selvagem, como se não fosse esse mesmo o caminho que pretende impor aos trabalhadores portugueses.

O PCP estará por isso fortemente empenhado em combater esta política, incluindo nesta Assembleia da Republica, rejeitando a política da exploração máxima dos trabalhadores de que o PS se transformou em instrumento principal.

A presidência portuguesa da União Europeia terá aliás o nosso acompanhamento próximo, designadamente quanto às decisões que, subtraídas à soberania nacional, afectam a vida dos portugueses. É o caso da política monetária do BCE, que tanto tem prejudicado a vida de centenas de milhares de famílias e que, em conjunto com as orientações e sobressaltos do capital financeiro especulativo, ameaça provocar uma verdadeira explosão social.

Os portugueses sentem todos os meses o aumento do custo da habitação e do custo de vida em geral e o que obtém do Governo é a mais absoluta passividade institucional e política perante o cenário catastrófico para a vida de centenas de milhares de famílias. O que se exige é que, tal como aliás já fizeram outros países europeus se questione o papel de uma instituição sem qualquer controle democrático, mas que determina em matérias fundamentais o andar das economias dos estados e das famílias.

Entretanto nas últimas semanas o Governo, sempre tão ocupado com a presidência europeia, arranjou tempo para empenhar o Primeiro-ministro e os ministros numa ampla campanha de propaganda à volta da abertura do ano lectivo. A seu tempo se demonstrará que não passou disso mesmo: propaganda. E que o que realmente se passa nas escolas portuguesas é a degradação das instalações, o encerramento compulsivo de escolas não com 5 alunos mas em muitos casos com 15, 20 e mais alunos, transferidos para outras muitas vezes com piores instalações, a concentração dos alunos com deficiência em turmas e escolas segregadas contra todas as orientações pedagógicas dos últimos 30 anos, a falta de verbas para funcionamento, o despedimento aos milhares de professores em muitos casos necessários e indispensáveis que a Ministra da Educação trata como material descartável e tantas outras questões.

A nova sessão, marcada pelo advento do novo regimento, promete ao que parece ser marcada por novas e antidemocráticas tentativas de bipolarização administrativa da representação eleitoral.

O país já conhece os efeitos dos acordos e negociatas do Bloco Central. Se é bom para o PS e PSD, a ponto de se porem de acordo à revelia das instituições, então é porque não será bom para o país.

Um bom exemplo é o chamado pacto da justiça, que segundo o líder do PSD está a ser religiosamente cumprido, e que, não resolvendo nenhum dos principais problemas deste sector, por exemplo o do seu acesso democrático para toda a população, causa efeitos como o que estamos a assistir sobre a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal para cujas consequências o PCP apontou e propôs alternativas, votando conta esta alteração.

Prepara-se agora a reforma eleitoral autárquica, para garantir o poder absoluto à maioria, mesmo quando o povo assim não quis e desguarnecer elementares meios de fiscalização e transparência do jogo democrático. E mantém-se a perspectiva de alteração da lei eleitoral para a Assembleia da Republica para que desapareça a diferença e a pluralidade e tudo fique reduzido à santa paz do bloco central. E se aparentemente às segundas, quartas e sextas o Grupo Parlamentar do PS diz que não aceitará a diminuição do número de Deputados, vem depois às terças, quintas e sábados o ministro dos assuntos parlamentares garantir que o assunto é para ponderar.

De há muito que temos vindo a dizer que este não pode ser o caminho. Que já basta de desigualdades económicas, de injustiças sociais, dos ricos cada vez mais ricos e dos pobres cada vez mais pobres e numerosos. Não aceitamos este caminho em que à degradação da democracia nas suas vertentes económica, social e cultural se acrescenta agora o ataque à própria democracia política.

É por isso que nesta terceira sessão legislativa usaremos com todo o empenho o novo regimento para combater as velhas políticas do PS e do seu Governo.

Disse.

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