Crise dos combustíveis e Banco Português de Germoplasma Vegetal

  

Declaração política, abordando a crise nos transportes rodoviários de mercadorias e condenando a aplicação do PRACE e o quadro de mobilidade especial no Ministério da Agricultura responsável pela inactividade do Banco Português de Germoplasma Vegetal

Intervenção de Agostinho Lopes na AR

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

O protesto dos empresários do transporte de mercadorias está desde ontem marcado pela tragédia da morte de um homem, a cuja família apresentamos sentidas condolências.

Um homem dos muitos que tinha assumido a luta, reclamando medidas do Governo para a difícil situação das empresas de camionagem perante a galopante subida dos preços dos combustíveis, o que acrescentou dramatismo à luta, no contexto da grave situação económica e social da responsabilidade única do Governo PS/Sócrates e da política de direita, da sua total inércia perante um problema em crescente e acelerado desenvolvimento desde o primeiro dia do ano. De um Governo que, do alto da sua torre de arrogância e autismo, não se preocupa com o número de 250 000 trabalhadores em protesto nas ruas de Lisboa, de um Governo que só vê e atende os homens do mar após seis dias de paralisação total e que apenas quando os camiões entopem e paralisam o País é que descobre que o sector dos transportes precisa de medidas!!

O Governo está exemplarmente retratado pela acção do seu Ministro da Economia.

Depois de anos e meses a ser questionado sobre o problema dos custos dos combustíveis, só a 30 de Abril dá um ar da sua graça e ensaia a farsa do pedido do relatório à Autoridade da Concorrência, faz o show-off da carta ao Conselho Europeu e, depois, ausenta-se da reunião onde o problema ia ser debatido!

Mas é isto um Governo, Srs. Deputados? Uma entidade com capacidade e competência para prever, prevenir e programar atempadamente a intervenção no curso dos acontecimentos?! Uma entidade que não devia esperar mas antecipar e actuar, procurando condicionar e reduzir ao mínimo desenvolvimentos desfavoráveis?!

Que mais será preciso para que o Governo tome, com urgência, as medidas extraordinárias que a situação extraordinária que o País vive reclama e exige? O desespero, como sabemos, não é bom conselheiro!

O que espera o Governo para dialogar com os rebocadores? Serão precisas novas lutas e manifestações, como as que já se anunciam na agricultura? Por que espera o Governo para tomar medidas, como propôs o PCP no seu projecto de resolução (e vou enunciá-las)?

A criação de um imposto extraordinário sobre os lucros com origem no efeito de stock, destinado a suportar as medidas de apoio às empresas, pressionando desde já as petrolíferas para que deixem de reflectir no preço dos combustíveis os ganhos especulativos do «efeito stock»; apenas considerando a Galp, poderíamos obter, em 2008, 276 milhões de euros para os gasóleos profissional e verde, sem custos para o Orçamento do Estado; o estabelecimento, por um período de seis meses, de um sistema de preços regulados; o reforço dos apoios ao gasóleo verde para a agricultura e as pescas; a urgente concretização do gasóleo profissional; a criação, junto dos órgãos da União Europeia, de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis

líquidos.

Mas, Srs. Deputados, hoje, queria falar-vos também de outra coisa, mais precisamente de um crime! Do crime do PRACE no assassinato do Banco Português de Germoplasma Vegetal, localizado em São Paio de Merelim, Braga - um crime exemplar, entre outros crimes do PRACE!

As palavras são desnecessárias para falar da importância presente e futura do trabalho acumulado e em curso no Banco Português de Germoplasma Vegetal, algumas seriam necessárias para descrever as atribulações de percurso desde a sua fundação, em 1977, mas todas as palavras serão poucas para denunciar o «crime» científico, económico e ambiental que está a ser cometido pelo Ministério da Agricultura, que tutela, e o Governo, que aprovou o PRACE e que, segundo diz, está a reformar o aparelho científico nacional. A isso deverá acrescentar-se a falta de respeito pelo trabalho e pela carreira profissional dos que, imbuídos de um notável espírito de missão pública, científica e profissional, lhe dedicaram a sua vida - e permitam-me que, em nome de todos, destaque a principal obreira, a Doutora Rena Farias!

Em recente visita ao Banco, pude constatar que a realidade é bastante pior do que se poderia suspeitar face ao processo de desmantelamento por parte do Ministério da Agricultura.

O Banco, no quadro da «reestruturação» do Ministério da Agricultura, foi transferido, orgânica e formalmente, da Direcção Regional de Agricultura para o recém-criado Instituto Nacional dos Recursos Biológicos - aquele ao qual já por duas vezes foi cortada a energia eléctrica devido a falta de pagamento - mas, neste momento, permanece como unidade «funcional» da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN), isto é, não está em sítio algum!

Por aplicação do PRACE e do quadro de mobilidade especial, o Banco foi amputado em 50% dos seus 30 trabalhadores. Desde Junho de 2007, há um ano, não é dada entrada de material de colheitas por falta de pessoal para fazer as operações das rotinas necessárias.

Há tarefas previstas para reforçar a qualidade da identificação dos materiais a conservar e consequente tratamento informático que estão postas em causa.

A Quinta de S. José, propriedade do Ministério da Agricultura, onde se encontra o Banco, tem já

instalações ocupadas por equipas das GNR e, agora, parece admitir-se a construção, nos seus terrenos, do futuro quartel da GNR. Ora, os 8 ha de terra agrícola da Quinta continuam a ser necessários. Uma lógica coerente e consistente de conservação não pode dispensar terra onde as sementes se reproduzam.

O trabalho do Banco é um trabalho vivo, permanente e feito de contínuas ligações e articulações com o exterior - agricultores e agriculturas, entidades nacionais e internacionais, como sucede com o anunciado projecto de guardar «cópias de segurança» no banco mundial «Arca de Noé Verde», promovido pela Noruega.

Não é apenas um trabalho dentro de quatro paredes, de guardiães de frigoríficos cheios de materiais preciosos!

O trabalho exige meios, recursos humanos e recursos materiais, como se exigem meios para o desenvolvimento do trabalho, iniciado em 2007, de conservação do germoplasma animal das raças autóctones portuguesas.

Para quem releve a importância da conservação da biodiversidade e visite o Banco, uma conclusão se impõe: estamos perante uma instituição exemplar. Era esse o reconhecimento que deveria haver por parte do Estado Português. Era isso que decorreria das declarações do Ministro da Agricultura, na visita realizada há um ano, quando considerou o Banco um «pólo de excelência», «um centro de referência», «um dos exemplos daquilo que há de bom», de onde, concluiu, «uma estrutura que deverá continuar a desenvolver-se»!

Retórica, palavras, para esconder o crime, decidido e anunciado com o PRACE e a reforma dos Laboratórios do Estado: o crime de transformar o que devia ser um orgulho nacional numa esvaída repartição pública.

Mas nós saberemos a quem pedir responsabilidades. Nós e o País, felizmente, conhecemos o criminoso!

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Luís Carloto Marques,

Quero agradecer as questões que coloca relativamente ao Banco Português de Germoplasma Vegetal, mas permita-me que comece por constatar que o partido do Governo não tem qualquer resposta a dar e não demonstra sequer preocupação relativamente aos problemas difíceis que enfrentam inúmeros sectores económicos do nosso país, da camionagem, da agricultura, dos reboques, bem como os milhões de portugueses que neste momento já estão a sentir os efeitos da crise no sector dos transportes.

Sr. Deputado Luís Carloto Marques, a FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - mais concretamente na IX Conferência das Partes sobre Biodiversidade que acabou de ter lugar -, sublinhou que, no momento em que a comunidade internacional enfrenta a pior crise alimentar dos tempos modernos, existe a necessidade de defendermos a biodiversidade, tendo inclusivamente referido que a diminuição da diversidade genética das plantas torna mais vulnerável e insustentável o abastecimento alimentar do planeta.

Ora, o «crime» que o Governo português está a cometer (particularmente o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas), e que acabei de denunciar da tribuna desta Assembleia da República, é que está a atentar contra uma instituição que tem um papel decisivo a nível nacional e internacional, uma vez que tem um papel reconhecido pelas mais altas instituições internacionais, inclusive pela FAO, relativamente à defesa e à conservação da biodiversidade nacional.

Trata-se de uma evidência. É chocante como é possível que em relação a uma instituição como o Banco Português de Germoplasma Vegetal o Governo tenha numa situação de suspensão, sem situação definida, durante mais de 12 meses, dezenas e dezenas de investigadores do sector da investigação científica no nosso país.

Nada há a dizer...! Apenas podemos lamentar e naturalmente acentuar o nosso protesto contra esta situação!

 

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