Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão «Crianças e pais com direitos em tempos de confinamento»

Crianças e pais com direitos em tempos de confinamento

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Gostaria, antes de mais, de vos saudar e agradecer a vossa presença, bem como os contributos que aqui vieram.

Como aqui se evidenciou com o encerramento das escolas no dia 22 de Janeiro, as famílias com crianças e jovens a cargo viram-se novamente numa situação complexa: com as crianças em casa, a partir de segunda-feira com ensino à distância, muitas em teletrabalho ou a ter de accionar o mecanismo de assistência à família.

Logo em Março do ano passado, o PCP denunciou a injustiça da situação, que o Governo optou por manter inalterada: os pais que têm de ficar em casa com os filhos confrontam-se com um corte de um terço no salário, num período em que as despesas domésticas aumentam bastante. Os pais que estão em regime de teletrabalho têm de o "conciliar" com a assistência às crianças, malabarismo impossível e com as consequências dramáticas que aqui hoje ouvimos. Mais: se um dos pais estiver em teletrabalho, o outro não pode accionar a assistência a filho.

Num momento em que está decretado novo confinamento e que está imposto o teletrabalho em muitas empresas e sectores de actividade, em que as creches e escolas estão encerradas há duas semanas e se preparam para voltar ao ensino à distância, é fundamental que não se repliquem medidas que se mostraram erradas no primeiro confinamento.

O corte de um terço do salário para quem tem de ficar em casa com as crianças é inaceitável e tem de ser corrigido rapidamente. Tal como foi possível corrigir essa injustiça para quem estava em lay-off, que passou a ver o seu salário pago por inteiro, por proposta do PCP no Orçamento do Estado para 2021, também esta tem de ser corrigida. Quem está em casa de assistência aos filhos tem de ter o salário pago a 100%, como de resto já acontece em caso de doença ou de isolamento profiláctico, e não os actuais 66%, que empurram as famílias com crianças a cargo para níveis ainda maiores de dificuldades económicas e de pobreza.

Da mesma forma, não pode ser negado aos filhos dos trabalhadores em teletrabalho o direito a serem acompanhados pelos pais. Ouvimos hoje diversos exemplos de como pode ser duro, injusto e traumatizante para crianças e pais exigir os mesmos prazos, horários e tarefas a quem tem um bebé ou uma criança pequena em casa. A cumprir um horário de trabalho, não é possível dar a atenção que as crianças precisam. As pausas esgotam-se a preparar refeições ou a apoiar TPC. Brincar ou garantir que as crianças têm direito a um mínimo de tempo ao ar livre torna-se praticamente impossível, como ouvimos.

Teletrabalho é trabalho. Acompanhar um filho, ou mais do que um, é acompanhar um filho. São dimensões distintas. O PCP propõe que quem está em teletrabalho tenha direito a accionar a assistência a filho e que seja eliminada a regra que impede que um dos pais esteja de assistência se o outro estiver em teletrabalho.

Defendemos igualmente que o regime de assistência a filhos seja alargado dos 12 para os 16 anos.

Se é certo que há jovens nessa faixa etária razoavelmente autónomos, consideramos que não é desejável que os adolescentes fiquem entregues a si próprios durante 9, 10 ou mais horas por dia, enquanto os pais trabalham fora, num contexto tão complexo como o da epidemia que atravessamos e durante um período que hoje ainda não sabemos qual será. A adolescência é uma fase delicada do desenvolvimento que não dispensa o acompanhamento por parte dos pais.

No ano passado levámos estas propostas a votação na Assembleia da República. Mereceram na altura os votos contra de PS, PSD e CDS e a abstenção de Chega e Iniciativa Liberal. Estamos decididos a não largar este assunto até que estas injustiças sejam corrigidas.

Agendámos por isso para o próximo dia 18 a discussão relativa aos apoios sociais, no sentido de se encontrar solução para vários problemas que continuam a preocupar muitos milhares de trabalhadores, incluindo este dos apoios às famílias com crianças a cargo.

Iremos nessa data propor igualmente uma clarificação das regras relativas às escolas de acolhimento, nomeadamente para que os filhos dos trabalhadores que são considerados essenciais e continuam a trabalhar presencialmente possam ter acesso às escolas de acolhimento quando o outro pai está em teletrabalho.

É fundamental que estas medidas sejam tomadas para que o encerramento de escolas e creches não signifique um duplo prejuízo para as famílias.

Sabemos que as consequências do confinamento e do encerramento das escolas são muito penalizadoras para as crianças e os jovens, no imediato e no longo prazo. O PCP tem acompanhado esta situação de perto, ouvindo especialistas, jovens e famílias, procurando formular propostas que minimizem estes impactos. Garantir que os pais têm condições para acompanhar as crianças neste período, que não têm cortes nos rendimentos por causa disso, não pode ser olhado como mera despesa. É investir na qualidade de vida das crianças e dos jovens.

Sabemos também que são mulheres a maior parte dos trabalhadores nestas situações, quer dos que accionam a assistência à família, quer dos que acumulam teletrabalho com o cuidado às crianças. Fazem-no porque ainda há na família desigualdades na distribuição das tarefas, mas também porque os seus salários são em média mais baixos do que os dos homens, levando a que as famílias sejam empurradas para a escolha de cortar o salário mais pequeno. Proteger as famílias neste período também evita que as discriminações e desigualdades entre homens e mulheres se agravem.

A situação que as famílias viveram nas duas últimas semanas, desde o encerramento das escolas, vai agravar-se com o início do ensino à distância a partir de segunda-feira. Além de cuidar das crianças, somam-se todas as tarefas de apoio ao estudo, a logística de conciliar os diversos horários, em casas que não estão preparadas para serem escritórios, nem escolas, com falta de equipamentos.

Não são só os trabalhadores, os sindicatos e o PCP que o denunciam. Chamo a atenção para um parecer recente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego: "é entendimento da CITE que a possibilidade de qualquer trabalhador executar as suas funções em regime de teletrabalho nunca pode colidir com a imprescindível assistência e cuidados que os seus filhos carecem, sob pena de colocar a integridade física e psicológica das crianças em perigo, o que constitui crime, facto que o empregador deve estar ciente."

As empresas e, acrescentamos nós, o Governo e os partidos com assento na Assembleia da República que há poucos meses chumbaram estas propostas do PCP, terão dia 18 nova oportunidade para corrigir essa injustiça.

Da nossa parte tudo haveremos de fazer para que este problema encontre a justa solução.

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