Intervenção de

Cria a Entidade Reguladora da Saúde<br />Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente, Senhores Deputados,Que ninguém tenha ilusões. A Entidade Reguladora da Saúde é uma peça da estratégia de privatização do Governo, um biombo para fingir que o comando do mercado será temperado por um fiscal independente, quando na verdade passará cada vez mais a impor as regras.E assim se desmantela o Serviço Nacional de Saúde e se entregam cada vez mais recursos aos interesses privados.E assim se submetem os direitos das populações aos interesses dos grupos económicos e financeiros na área da saúde.Ao contrário do que muitas vezes se pretende fazer crer, o Estado não está nem nunca esteve inibido de exercer funções reguladoras na área da saúde, e não é porque sucessivos governos as exerceram de forma insuficiente que elas deixaram de existir.A concepção que agora se tenta fazer vingar sobre esta matéria assenta num pressuposto errado. É que para o Governo o Estado é suspeito. A opção que o Governo propõe é a retirada do Estado da regulação do mercado, com o argumento de que a sua intervenção significaria uma distorção da concorrência.Mas o problema é que o Estado tem o dever e a função de defender o interesse público e se desequilíbrio houver é a favor do interesse colectivo e do bem comum.Só que o que o Governo quer é o contrário; o Governo quer pôr o mercado no lugar do Estado, o lucro no lugar da saúde.E nem adianta invocar o velho e estafado argumento neo-liberal da separação da função reguladora do financiamento e da prestação de cuidados. O Estado pode e deve exercer essas funções.E aliás não haverá condições para um exercício efectivo da função reguladora se o Estado não tiver um forte papel na prestação de cuidados de saúde. Se o Estado deixar cada vez mais para os privados os cuidados de saúde, ficará nas mãos destes interesses e não há regulação que resista. É importante olhar para as outras experiências da chamada regulação, designadamente em áreas de serviço público. Veja-se o que acontece na electricidade; veja-se o que acontece em muitos casos em que no estrangeiro a privatização se apoiou na muleta de uma regulação ineficaz e na entrega das rédeas dos sectores públicos aos interesses do mercado. Não têm fundamento os principais argumentos do Governo. Não há verdadeira independência de uma entidade que ao mesmo tempo que não responde perante ninguém, está sujeita às forças dominantes dos interesses privados. Não há defesa dos direitos dos utentes nesta entidade. Não há na duração do mandato dos gestores se não a garantia de que serão inamovíveis mesmo que prejudiquem gravemente o interesse público como a estrutura da entidade proposta prenuncia.Vejamos algumas das propostas do Governo.Deixou de fora elementos que estavam em versões anteriores e logo os que tinham a ver com a participação dos profissionais e dos utentes e com os seus direitos, designadamente o conselho consultivo e o Provedor do Utente (embora se mantenha uma referência no art.º 19º).Criou um regime de incompatibilidades insuficiente e incoerente (não abrange por exemplo um gestor de adubos do grupo Mello).A entidade dependerá de outros para exercer as suas competências. Não tem estrutura que lhe garanta autonomia de intervenção. Não tem garantia de financiamento independente, designadamente provindo do orçamento de Estado.A entidade proposta encerra também uma desresponsabilização do Governo, que passa a ter um manto pretensamente independente para esconder as consequências da sua política.Por isso é natural que tenha havido uma rejeição unânime por todos os intervenientes do sector da saúde, que o Ministro certamente tentará atribuir ao suposto imobilismo na saúde, mas que traduz bem a gravidade da política do Governo.Proposta do PCP:Esta Entidade Reguladora que o Governo propõe não tem emenda; não serve o interesse público; não defende os cidadãos; não protege o Serviço Nacional de Saúde.Por isso o PCP propõe a cessação de vigência do decreto-lei que a cria. Entendemos que o Estado pode e deve criar mecanismos para exercer com eficácia as funções de regulação e fiscalização do sector da saúde. Isso é aliás especialmente necessário face ao quadro de desregulação do sector, de imposição de uma política economicista, de privatização e da consequente ameaça ao direito à saúde dos portugueses.Apresentaremos assim proximamente um projecto de criação de uma verdadeira entidade reguladora, uma Agência Reguladora da Saúde, com algumas características essenciais:

- Que tenha funções de garantia do acesso universal em condições de igualdade aos cuidados de saúde; - Que garanta a qualidade dos cuidados prestados a toda a população e que promova a acreditação das instituições; - Que zele pelos direitos dos utentes, designadamente no que toca à humanização dos cuidados, à informação e à participação na gestão das unidades de saúde; - Que garante a transparência e a informação geral sobre o sector da saúde; - Que fiscalize a aplicação dos dinheiros públicos no sector da saúde; - Que previna e combata a promiscuidade entre os sectores público, privado e social; - Que vigie e garanta as condições para um exercício profissional de plena autonomia; - Que tenha uma estrutura de serviços e meios de financiamento que garanta capacidade de intervenção autónoma e não dependente de financiamentos e apoio de agentes do mercado, estejam directa ou indirectamente ligados à prestação de cuidados; - Que tenha um conselho directivo cujo presidente seja indicado pela Assembleia da República; - Que inclua um conselho de acompanhamento em que estejam representados os diversos intervenientes na área da saúde; - Que o presidente deste conselho de acompanhamento seja também indicado pela Assembleia da República e que tenha estatuto e funções que lhe permitam ter uma intervenção concreta como depositário das reclamações e reivindicações dos utentes; - Que promova a articulação das suas funções com outras entidades como a Inspecção-geral de Saúde, o INFARMED ou o Instituto da Qualidade em Saúde.

A proposta que apresentamos, evidentemente aberta à discussão e à propostas de outras forças políticas e intervenientes do sector da saúde. Para que se faça o debate que faltou na proposta do Governo. Para que o exercício de funções de regulação se garanta de facto e que não seja apenas uma fachada para avalizar a privatização geral da saúde em curso.

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