Projecto de Lei N.º 251/XII/1.ª

Cria a Comissão da Assembleia da República para a Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa

Cria a Comissão da Assembleia da República para a Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa

Exposição de motivos

Acontecimentos recentes, relacionados com a atividade de um dos Serviços que integram o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), concretamente o Sistema de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), vier pôr de novo em evidência a inadequação do modelo de fiscalização do SIRP.
Na verdade, um antigo diretor do SIED foi acusado pelo Ministério Público da prática de crimes relacionados com o exercício dessas funções e tornou-se evidente perante a opinião pública que os Serviços de Informações foram utilizados para fins estranhos às suas atribuições, em benefício de interesses privados, com violação do segredo de Estado.
Acontece porém que a prática de tais atos só foram objeto de investigação após terem sido denunciados pela comunicação social. Apesar da existência de um Conselho de Fiscalização do SIRP, não foi por via da sua intervenção fiscalizadora que os atos ilícitos foram detetados. Por outro lado, a ação investigatória que a Assembleia da República deveria ter prosseguido ao tomar conhecimento da prática de atos ilícitos do âmbito dos Serviços de Informações foi inviabilizada com a invocação dos dispositivos legais mediante os quais a Assembleia da República delega as suas competências fiscalizadoras no Conselho de Fiscalização do SIRP, e foi obstaculizada pelo regime legal do segredo de Estado que impede a Assembleia da República de aceder a informação classificada.
A questão que assim mais uma vez se coloca é a do modelo de fiscalização do SIRP por parte da Assembleia da República, que se relaciona diretamente com uma outra questão, que é a do acesso da Assembleia da República a matérias classificadas como segredo de Estado. O presente Projecto de Lei propõe-se regular essas duas questões, que assumem uma transcendente importância democrática.
A primeira questão tem sido objeto de grande e justificada controvérsia ao longo dos anos. O regime de fiscalização parlamentar do Sistema de Informações da República Portuguesa não é feito diretamente através da Assembleia da República, como seria adequado, mas através da interposição de um Conselho de Fiscalização, integrado por três personalidades que são indicadas por acordo entre os dois partidos com maior representação parlamentar.
Importa salientar que a Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, não se restringe aos dois maiores partidos. Os Deputados dos dois maiores partidos não têm uma legitimidade superior à dos restantes. Nem o Parlamento se reduz à maioria parlamentar, nem a oposição se reduz ao grupo parlamentar mais numeroso da oposição. Não há fiscalização parlamentar democrática de coisa nenhuma quando uma parte do Parlamento é pura e simplesmente excluída do exercício dessa fiscalização.
Importa por isso repensar de novo o modo de fiscalização parlamentar dos Serviços de Informações.
A proposta que o PCP apresenta, através do presente Projecto de Lei, faz assentar a fiscalização parlamentar do SIRP na existência, junto do Presidente da Assembleia da República, de uma Comissão por si presidida, e que integra os Presidentes dos Grupos Parlamentares, bem como os Presidentes das Comissões Parlamentares de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de Defesa Nacional e de Negócios Estrangeiros. Trata-se de uma instância parlamentar situada ao mais alto nível de responsabilidade, tendo em conta o tipo de funções que lhe são confiadas.
Esta Comissão teria a seu cargo, no essencial, as funções que estão hoje cometidas ao Conselho de Fiscalização do SIRP e à Comissão de Fiscalização do Segredo de Estado, a qual, apesar de ter sido criada na Lei n.º 6/94, de 7 de Abril (ou seja, há mais de 18 anos), nunca deu qualquer sinal da sua existência.
Assim, a Comissão de Fiscalização do SIRP, a funcionar junto do Presidente da Assembleia da República, exerceria funções de fiscalização do SIRP, nos termos adiante explicitados, e asseguraria também as condições de acesso, por parte do Parlamento, a matérias classificadas como Segredo de Estado.
O artigo 156.º da Constituição determina que os Deputados têm o direito de requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato [alínea e)], bem como de fazer Perguntas ao Governo sobre quaisquer atos deste ou da Administração Pública e obter resposta em prazo razoável, salvo o disposto na lei em matéria de Segredo de Estado [alínea d)].
Porém, a Lei do Segredo de Estado (Lei n.º 6/94, de 7 de Abril) não regula em que termos a Assembleia da República pode ter acesso a matérias abrangidas pelo Segredo de Estado.
Se é perfeitamente justificável que o acesso dos Deputados a documentos e informações classificados como Segredo de Estado seja restringido, tendo em conta os interesses de segurança interna e externa do Estado que a lei visa proteger, já não se afigura curial que essa restrição não seja, também ela, restrita e devidamente fundamentada, apenas em função dos interesses protegidos. Esta ressalva é tanto mais necessária porquanto, como se sabe, toda a atividade do Sistema de Informações da República Portuguesa se encontra coberta ope legis pelo regime do Segredo de Estado.
Assim, é de admitir que, perante um requerimento apresentado por um ou mais Deputados, de acesso a informações na posse do SIRP, as informações solicitadas possam ser fornecidas sem que daí decorra perigo para a segurança interna ou externa do Estado. Se assim for entendido, tratar-se-á tão só de acautelar as medidas de salvaguarda do grau de confidencialidade que o Governo e o Secretário-geral do SIRP considerem adequado.
Mas é de admitir também que o Segredo de Estado seja invocado para recusar o acesso às informações solicitadas. Nesse caso, para além de se exigir um ato expresso de recusa devidamente fundamentado, também é de admitir que a Assembleia da República enquanto órgão de soberania competente para fiscalizar a atividade do Governo e da Administração – e já não apenas um Deputado individualmente considerado – possa considerar que a fundamentação aduzida não é suficiente e pretenda solicitar esclarecimentos adicionais.
Neste último caso, a instância adequada para fazer valer essa pretensão deve ser a Comissão de Fiscalização do SIRP, cuja criação o PCP propõe. O Presidente da Assembleia da República, ouvida a Comissão, e mediante solicitação de algum dos seus membros, poderia solicitar ao Governo esclarecimentos adicionais acerca dos motivos da recusa de acesso a determinados documentos ou informações classificadas. Esses esclarecimentos deveriam ser prestados por escrito ao Presidente da Assembleia da República, ou presencialmente junto da Comissão, por um membro do Governo ou pelo Secretário-geral do SIRP, conforme indicação dada pelo Primeiro-Ministro.
Note-se que não se propõe que haja uma derrogação do regime do Segredo de Estado. Esse seria sempre salvaguardado. Do que se trata é de encontrar um mecanismo efetivo, mediante o qual a Assembleia da República, enquanto órgão plural, possa fiscalizar a boa aplicação do regime do Segredo de Estado, designadamente por parte do Sistema de Informações da República Portuguesa.
Se a Lei n.º 6/94, de 7 de Abril, determina no seu artigo 1.º que o regime do Segredo de Estado obedece aos princípios da excecionalidade, subsidiariedade, necessidade, proporcionalidade, tempestividade, igualdade, justiça e imparcialidade, bem como ao dever de fundamentação, importa encontrar uma forma de fiscalizar minimamente o respeito por esses princípios. Isso não está a acontecer, e para bem da democracia, é indispensável que aconteça.
Por outro lado, o PCP propõe que a Comissão de Fiscalização do SIRP substitua o atual Conselho de Fiscalização do SIRP. Existem grandes vantagens nesta solução. A Assembleia da República passa a poder fiscalizar diretamente, e já não por interposta entidade, a atividade do SIRP, através de uma instância restrita e de elevada responsabilidade. A Comissão proposta dá as garantias de pluralismo necessário para a idoneidade de qualquer instância de fiscalização democrática. Finalmente, mas não indiferente nos tempos que correm, sendo os custos administrativos desta Comissão assegurados diretamente pelo Gabinete do Presidente da Assembleia da República, será possível extinguir duas entidades com os custos administrativos e remuneratórios que lhe são inerentes.
Nestes termos, O Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto
A presente lei regula o modo de exercício dos poderes de fiscalização da Assembleia da República sobre o Sistema de Informações da República Portuguesa e o Segredo de Estado.

Artigo 2.º
Comissão de Fiscalização
1. Para os efeitos previstos na presente lei é criada junto do Presidente da Assembleia da República a Comissão de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, adiante designada por Comissão de Fiscalização.
2. A Comissão de Fiscalização é presidida pelo Presidente da Assembleia da República e integra ainda:

a) Os Presidentes dos Grupos Parlamentares;
b) O Presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
c) O Presidente da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional;
d) O Presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros.

3. A presidência da Comissão de Fiscalização, com as funções que lhe são inerentes, pode ser delegada no Vice-Presidente da Assembleia da República pertencente ao partido maioritário.

Artigo 3.º
Atribuições e competências
1. A Comissão de Fiscalização tem por atribuições assegurar o acompanhamento e a fiscalização parlamentar da atividade do Secretário-Geral do SIRP e dos Serviços de Informações, bem como da aplicação do regime do Segredo de Estado, velando pelo cumprimento da Constituição e da lei, particularmente no que se refere à fiscalização parlamentar dos atos do Governo e da Administração e à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.

2. Compete em especial à Comissão de Fiscalização, no âmbito da fiscalização do SIRP:

a) Apreciar os relatórios de atividades de cada um dos Serviços de Informações;
b) Receber do Secretário-Geral do SIRP, com regularidade bimensal, lista integral dos processos em curso, podendo solicitar e obter, no prazo que determinar, os elementos que considere necessários ao cabal exercício dos seus poderes de fiscalização;
c) Tomar conhecimento dos despachos emitidos ao abrigo do artigo 5.º da Lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa;
d) Conhecer, junto do Primeiro-Ministro, os critérios de orientação governamental dirigidos à pesquisa de informações e obter do Conselho Superior de Informações os esclarecimentos que entender sobre questões de funcionamento do SIRP;
e) Efetuar visitas de inspeção, com ou sem aviso prévio, ao Secretário-geral e aos Serviços de Informações, podendo observar, colher os elementos o obter as informações que considere relevantes;
f) Solicitar elementos constantes dos centros de dados que entenda necessários ao exercício das suas competências ou ao conhecimento de eventuais irregularidades ou violações da lei;
g) Propor a realização de procedimentos inspetivos, de inquérito ou sancionatórios em razão de ocorrências cuja gravidade o justifique;
h) Proceder à audição de qualquer entidade que considere necessário para o cumprimento das suas atribuições;
i) Exercer as competências previstas nos artigos 5.º a 7.º da presente lei em matéria de fiscalização da aplicação do regime do Segredo de Estado.
j) Conhecer e apreciar as propostas de orçamento do SIRP, e acompanhar e fiscalizar a respetiva execução, recebendo e podendo solicitar os elementos necessários ao cabal desempenho desses poderes.

3. As atribuições e competências da Comissão de Fiscalização são aplicáveis às atividades de produção de informações das Forças Armadas.

Artigo 4.º
Funcionamento
1. A Comissão de Fiscalização reúne ordinariamente com periodicidade trimestral e extraordinariamente sempre que convocado pelo Presidente da Assembleia da República por sua iniciativa ou a solicitação de qualquer dos seus membros.

2. O Gabinete do Presidente da Assembleia da República garante o apoio técnico, logístico e administrativo indispensável ao funcionamento da Comissão de Fiscalização.

Artigo 5.º
Acesso a documentos e informações sob Segredo de Estado
1. A recusa de acesso a documentos e informações solicitadas por Deputados com fundamento em Segredo de Estado tem de ser expressa e acompanhada de informação a enviar ao Presidente da Assembleia da República e aos Deputados requerentes sobre os seguintes elementos:

a) Indicação da entidade que procedeu ao ato de classificação;
b) Duração e prazo de caducidade do ato de classificação;
c) Fundamentação invocada para a classificação com indicação dos interesses a proteger e dos motivos ou circunstâncias que a justificaram.

2. Em caso de recusa de acesso a documentos e informações solicitadas por Deputados com fundamento em Segredo de Estado, o Presidente da Assembleia da República deve dar conhecimento da recusa e respetiva fundamentação à Comissão de Fiscalização, que pode pronunciar-se sobre a matéria a pedido de algum dos seus membros.

3. Se a Comissão de Fiscalização considerar a recusa injustificada, solicita que a informação ou documento em causa lhe seja entregue diretamente e procede ao seu encaminhamento para o Deputado requerente, informando-o previamente dos termos em que tais informações podem, ou não, ser publicitadas.

4. A Comissão de Fiscalização pode determinar que os documentos ou informações entregues nos termos do presente artigo não sejam publicados no Diário da Assembleia da República ou em qualquer outra forma de publicitação de acesso geral, e pode exigir dos destinatários a declaração, sob compromisso de honra, de que se comprometem a guardar a confidencialidade das informações nos termos em que tal lhes seja solicitado.

5. Os documentos e informações são fornecidos direta e pessoalmente aos requerentes pelo Presidente da Assembleia da República, mediante a prestação do compromisso referido no número anterior.

6. O regime previsto no presente artigo não é aplicável a documentos ou informações que tenham sido classificados como Segredo de Estado pelo Presidente da República.

Artigo 6.º
Prestação de informações na posse do SIRP
1. Tratando-se de documentos e informações classificados como Segredo de Estado nos termos da Lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, a recusa de acesso a documentos e informações solicitadas por Deputados deve ser expressa e fundamentada em parecer do Secretário-geral do Sistema de Informações da República, com indicação dos interesses que essa recusa visa proteger, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos números 2 a 5 do artigo anterior.

2. Se o Secretário-geral do Sistema de Informações da República, em parecer fundamentado, entender que o acesso aos documentos ou informações em causa não põe em risco a segurança interna ou externa do Estado, o Primeiro-Ministro pode autorizar o seu fornecimento aos Deputados requerentes, podendo solicitar a aplicação das medidas de salvaguarda referidas no artigo anterior.

3. Nos casos previstos no número anterior, os documentos ou informações solicitados são enviados ao Presidente da Assembleia da República, que procede à sua entrega nos termos solicitados, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo anterior.

Artigo 7.º
Apreciação da recusa de acesso a documentos ou informações
1. Na apreciação dos fundamentos da recusa de acesso a documentos ou informações nos termos da presente lei a Comissão de Fiscalização pode solicitar ao Governo a prestação de esclarecimentos adicionais acerca dos fundamentos da recusa do acesso a documentos e informações classificados como Segredo de Estado.

2. Os esclarecimentos solicitados são prestados por escrito ao Presidente da Assembleia da República ou, por determinação deste, presencialmente, em reunião da Comissão de Fiscalização, pelo membro do Governo que o Primeiro-Ministro designar para o efeito.

3. O Primeiro-Ministro pode solicitar a audição de qualquer membro do Governo por si indicado pela Comissão de Fiscalização para prestar esclarecimentos, por sua iniciativa, sobre a recusa de fornecimento de documentos e informações classificados como Segredo de Estado.

4. Nos casos previstos no número anterior a Comissão de Fiscalização não pode tomar qualquer decisão antes da realização da audição solicitada.

5. Se os esclarecimentos versarem sobre documentos ou informações na posse do Sistema de Informações da República Portuguesa, podem ser prestados pelo respetivo Secretário-geral, se o Primeiro-Ministro assim o determinar.

6. O disposto no presente artigo não é aplicável a documentos ou informações que tenham sido classificados como Segredo de Estado pelo Presidente da República.

Artigo 8.º
Responsabilidade
Quem tenha acesso a documentos ou informações classificados como Segredo de Estado por aplicação da presente lei fica obrigado ao dever de sigilo, sendo responsável nos termos da lei pela sua violação.

Artigo 9.º
Norma revogatória
1. São revogados:

a) Os artigos 13.º e 14.º da Lei n.º 6/94, de 7 de Abril.
b) Os artigos 8.º a 13.º da Lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro.

2. Todas as referências legais ao Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa e à Comissão para a Fiscalização do Segredo de Estado consideram-se reportadas à Comissão de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa.

Artigo 10.º
Extinção de entidades
São extintos o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa e a Comissão para a Fiscalização do Segredo de Estado.

Assembleia da República, em 6 de junho de 2012

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