Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Cortes nos apoios públicos à actividade cultural

Debate de actualidade sobre cortes nos apoios públicos à actividade cultural

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Este debate é sobre cortes cegos e injustos, sobre promessas não cumpridas, mas é também um debate sobre a política cultural inexistente de um Governo que olha para a cultura como um sector a mercantilizar e onde o negócio deve florescer para uns, mas onde, para outros, particularmente para aqueles que trabalham, para aqueles que vivem do seu trabalho na área da cultura, o futuro deve ser de precariedade e de desprotecção social.
Aquilo de que estamos a falar, Sr.as e Srs. Deputados, é de cortes no orçamento de um ministério que, em 2010, apresenta um orçamento de 0,29% — 0,29%! — da despesa total do Estado e de 0,14% do PIB.
Portanto, trata-se de impor cortes injustos e cegos para realizar uma poupança residual.
Estes cortes são injustos, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, porque o Governo, através do Ministério da Cultura, pretende pôr a pagar a factura da crise aqueles que em nada para ela contribuíram.
Esta é a minha primeira nota, uma nota de injustiça, porque os trabalhadores profissionais do sector da cultura, as estruturas do sector da cultura em nada contribuíram para a situação de crise que hoje vivemos.
Trata-se de cortes cegos porque, aparentemente, sob um critério de justiça, aquilo que fazem é tratar de forma igual o que é diferente. São cortes que terão efeitos muitíssimo negativos, que porão em causa projectos, o funcionamento normal de estruturas e que porão mesmo em causa empregos que existem hoje, mas que, provavelmente, se perderão.
Infelizmente, essa parece ser a única receita que o Governo do Partido Socialista tem para dar ao sector da cultura e àqueles que nele trabalham, porque, como se não chegasse já uma lei do Governo do Partido Socialista que empurra para a precariedade e para a desprotecção social milhares de trabalhadores do sector da cultura, agora também o Governo vem empurrar estes trabalhadores e as estruturas deste sector para o incumprimento dos compromissos que assumiram, incorrendo mesmo numa situação de incumprimento de uma obrigação constitucional.
Por conseguinte, este debate tem a ver com uma pequena poupança, uma poupança residual que o Governo quer fazer em nome de uma crise que a cultura não criou e impondo
pesadíssimos sacrifícios por conta dessa argumentação.
Aquilo que o PCP diz, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, é que, perante esta política errada e profundamente prejudicial para a cultura e para o País que o Governo do Partido Socialista pretende levar por diante, perante esta política e perante este Governo, se exige uma política diferente!
É por isso também — a Sr.ª Deputada sabe-o — que os profissionais deste sector se têm organizado e já começaram a lutar contra estas medidas do Governo do Partido Socialista.
O PCP irá, obviamente, acompanhar essa luta, como sempre tem feito, como sempre fez em momentos anteriores e como continuará a fazer, perante as dificuldades que o Governo do PS vai colocando.
Já no próximo dia 12, iremos realizar uma audição parlamentar precisamente para discutir estes
problemas, mas também para discutir o caminho daquela política diferente que se exige. É que o apoio do Estado no sector da cultura, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, não é a caridade nem é a subsídio-dependência, é uma imposição da Constituição da República!
A valorização das estruturas e dos profissionais da cultura, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, não é uma benesse, é um dever do Governo. E, naquilo que depender do PCP, o Governo cumprirá com esse dever.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Ministro:
Sabe o que é que não faz sentido no discurso do Governo sobre os cortes e os sacrifícios? Duas coisas, Sr. Ministro: primeiro, os senhores não impõem os sacrifícios a toda a gente por igual; em segundo lugar, impõem os sacrifícios àqueles que não são responsáveis pela crise. E é isso que não faz sentido também nestas medidas, Sr. Ministro, porque não é o sector da cultura, não são as estruturas do sector da cultura, não são os trabalhadores do sector da cultura os responsáveis pela crise que agora estamos a viver.
Aquilo que os senhores querem é fazer o sector da cultura pagar a factura criada com a crise dos bancos.
Deixo-lhe o seguinte exemplo, Sr. Ministro: se o PS não tivesse rejeitado a proposta que o PCP apresentou para pôr a banca a pagar IRC pelo menos ao valor que uma mercearia paga, sabe quanto é que o Estado arrecadava com a receita? Arrecadava sete vezes o valor que os senhores têm inscrito no Orçamento do Estado para apoiar as artes. Isso, Sr. Ministro, os senhores não quiseram fazer, porque se tratava de impor sacrifícios àqueles que são os verdadeiros responsáveis pela situação financeira e económica em que estamos. Para esses, os senhores não querem transpor sacrifícios; para esses mantêm os mesmos benefícios, as mesmas benesses de
sempre.
Para a cultura, para os trabalhadores da cultura, para as companhias de teatro, para a dança, para a música, para o sector do cinema e do audiovisual, toca de restrições, toca de impedir o cumprimento dos compromissos assumidos!
Sr. Ministro, esta é uma política errada, que há-de sempre enfrentar, em primeiro lugar, a luta daqueles que são directamente atingidos por estas medidas injustas e inaceitáveis e, em segundo lugar, obviamente, também a luta do PCP, que na Assembleia da República continuará a fazer frente à vossa política errada e a apresentar as alternativas que se impõem.

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